De Poa
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24 de agosto de 2023
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13:36

Bruna Rodrigues: ‘O Melo construiu um muro invisível na cidade’

Por
Luís Gomes
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Deputada Bruna Rodrigues conversa com o podcast De Poa | Foto: Reprodução
Deputada Bruna Rodrigues conversa com o podcast De Poa | Foto: Reprodução

O episódio desta semana do De Poa, podcast do Sul21 em parceria com a Cubo Play, recebe a deputada estadual Bruna Rodrigues. Presidente municipal do PCdoB,  Bruna conversa com Luís Eduardo Gomes sobre a cidade de Porto Alegre, como se encontram as vilas da Capital, em especial a Cruzeiro, onde cresceu, e as perspectivas para as eleições de 2024.

Ao longo da conversa, a deputada conta como entrou para a política, destacando o papel que a luta comunitária teve para sua formação como militante.  “Tem um entroncamento ali na Cruzeiro que fala muito sobre a minha história, minha trajetória política. É bem na frente da escola, do outro lado da rua é o Postão e, do outro lado, a avenida que passa. A Cruzeiro é muito simbólica para mim, a minha intimidade com a cidade vem a partir da minha região. Posteriormente, eu comecei a me organizar, nós conseguimos trazer uma escola de educação infantil para a minha comunidade. Isso deu um gás. Imagina que meninas da comunidade, que se organizaram, conseguiram, a partir de uma deputada, conquistar a creche, a tão sonhada creche. Não mais para minha filha, mas para as filhas de tantas mulheres como eu”, diz.

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Ela avalia que as comunidades de Porto Alegre têm sido deixadas de lado pelas últimas gestões municipais. “A minha família vive, eu sou a única que saiu da Cruzeiro por conta da remoção, mas a minha família vive a cidade segregada. Aquela juventude não circula no centro da cidade. Primeiro, porque a passagem tá cara. Segundo, porque não tem transporte. O transporte hoje em Porto Alegre é para te levar ao trabalho e te trazer, quando te traz, e completamente sucateado. Esses lugares, os lugares dessa cidade que se desenvolve, se desenvolve para essa parcela, para que a classe média alta posso olhar e não se encontrar com as periferias. Esse é o projeto. O Melo construiu um muro invisível na cidade. Ele conseguiu, de forma estratégica e planejada, fazer com que as periferias sigam ainda mais à margem do que já viviam antes. É muito triste, e tu vê isso inclusive nas chamadas, nos marketings. Tu anda pela cidade, tu vê aquelas propagandas, antigamente era ‘eu amo Porto Alegre’, agora é ‘eu amo Porto Alegre’ e Melnick embaixo. Nada contra a Melnick, mas eu não quero viver na cidade da Melcnick, eu quero viver numa cidade que tenha gestão, em que a Melnick é uma das empresas que fazem parte”, afirma.

O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

Confira a seguir alguns trechos da conversa com Bruna Rodrigues.

Luís Gomes: Como é a tua relação com a cidade de Porto Alegre?

Bruna Rodrigues: Essa relação é profunda. Eu vivi minha vida toda em Porto Alegre, nunca morei em outro lugar. Dos 35 que eu tenho, 29 foram ali na Vila Cruzeiro, antes da remoção, antes daquele processo da Avenida Tronco, que removeu milhares de famílias. Mas a minha relação com Porto Alegre é muito profunda. Eu nasci e me criei na Vila Cruzeiro, estudei naquela escola que vocês inclusive fizeram parte daquele movimento contra o fechamento, a Escola Alberto Bins. Eu estudei todo o meu ensino fundamental naquela escola, vivi os melhores momentos da minha infância. Eu tive uma infância bem violenta, bem difícil, convivendo com a fome, a fome sempre foi muito presente na minha casa, então a escola sempre foi um ambiente mais feliz. Naturalmente, um ambiente em que a alimentação era presente também, mas o ambiente escolar. Mas também sempre fui militante, desde os meus 16 anos, lutando pela vaga na creche para a minha filha, porque eu entendo a importância da luta pela vaga na creche para mulheres como eu.

Luís Gomes: Foi isso que te colocou na militância?

Bruna Rodrigues: Foi. O meu pai era militante do PT, 30 anos de militância, enfim, mas eu nunca me senti atraída pela política. Acompanhava, sabia que tinha aí partidos políticos, não tinha noção política nenhuma mais profunda. Mas era um final de semana, no período eleitoral, e eu conheci a Manuela. Manuela passou na minha rua, eu tava sentada no cordão da calçada amamentando a minha filha. Esses dias inclusive fiz uma foto sentada na calçada de Porto Alegre, eu sou apaixonada por sentar na calçada, não sei o porquê. Acho que porque o ambiente da comunidade, os diálogos sempre foram dessa forma, então sempre tem uma memória afetiva boa. A Manuela passava falando da importância da juventude de participar ativamente da política. E, principalmente, quando a gente fala da juventude que materna. As mulheres maternam na comunidade muito cedo e é preciso refletir sobre essa situação, sobre esse fenômeno. Porque se fala do problema da gravidez na adolescência, mas não se reflete sobre o que leva as meninas a maternar na adolescência. E eu sempre falo, né, as meninas quando são mães elas são menos violentadas, são menos abusadas, passam menos fome, são mais respeitadas na comunidade, tem todo um processo de organização comunitária em torno da maternidade. Não é um problema para quem está dentro da comunidade, é um problema para quem tá fora e não consegue entender como se organiza a comunidade. Então, conheci a política lutando pela vaga na creche.

Tem um entroncamento ali na Cruzeiro que fala muito sobre a minha história, minha trajetória política. É bem na frente da escola, do outro lado da rua é o Postão e, do outro lado, a avenida que passa. A Cruzeiro é muito simbólica para mim, a minha intimidade com a cidade vem a partir da minha região. Posteriormente, eu comecei a me organizar, nós conseguimos trazer uma escola de educação infantil para a minha comunidade. Isso deu um gás. Imagina que meninas da comunidade, que se organizaram, conseguiram, a partir de uma deputada, conquistar a creche, a tão sonhada creche. Não mais para minha filha, mas para as filhas de tantas mulheres como eu. Hoje, meus sobrinhos estão ali naquela escola. Então, a luta pela vaga na creche me guiou até a política, conheci a Manu e tal. Mas são as batalhas que eu vou enfrentando que vão me dando a consciência de que tudo que eu vivia era um projeto. Eu me lembro de um dia que eu estava num debate, e nós falando sobre a importância do Estado na vida das pessoas.

Luís Gomes: Isso quando era?

Bruna Rodrigues: Já em 2012, no meio de um processo eleitoral, eu participando ativamente, já era presidente da Uampa. Eu participei de um debate e uma das perguntas era ‘como tu enxerga o Estado?’ Ali, eu me dei conta de que tudo que eu tinha vivido era um projeto político. E passei a me organizar pensando como fazer com que mulheres como eu olhem a política com carinho. Então, fui para o Orçamento Participativo, conheci o verdadeiro OP, que dialogava, que mobilizava a comunidade. O período do orçamento participativo era ônibus, era mobilização, e a Tronco, que é um uma parte ali da Cruzeiro, sempre foi muito participativa. Então, nós mobilizamos a juventude, fomos.

Mas, ao longo desse encontro com a cidade, tem uma série de batalhas. Lutar para não fechar a escola, lutar para não fechar o Postão da Cruzeiro. Nós nos encontramos também numa dessas batalhas. Lutar para defender a minha casa. Eu já recebi uma carta por debaixo da porta dizendo que eu tinha 40 dias para sair.

Luís Gomes: Isso no processo das remoções para a duplicação da Av. Tronco?

Bruna Rodrigues: Ali nós iniciamos o movimento chave por chave. O Seu Zé não é mais vivo, mas foi muito simbólico. A Saraí, que foi uma vereadora da cidade, uma figura muito emblemática na minha trajetória também, uma mulher que tem muito simbolismo. Foi vereadora e sempre foi uma mulher muito ativa na região, então tu vê que ela era uma vereadora, mas ela é uma mulher que andava na comunidade frequentemente. Então, mesmo militante, sempre lutei para me manter próxima dessa base que eu tenho muito carinho.

Luís Gomes: Tu está falando da Cruzeiro e eu queria te perguntar. Se fala muito da segregação racial e social que existe em Porto Alegre, que não está nas leis, como já esteve em outros países, mas é real. Sempre me chocou muito a situação de como as vilas estão localizadas em Porto Alegre, porque, para um olhar desatento ou que não está querendo encontrar a cidade de verdade, as vilas não existem, algumas delas pelo menos. E a Cruzeiro é uma das mais simbólicas, porque é gigantesca…

Bruna Rodrigues: 32 vilas.

Luís Gomes: São dezenas de milhares de pessoas e, para quem vive uma cidade que passa pela Av. Cavalhada ou pela Wenceslau Escobar, pela Icaraí, não se vê a Cruzeiro. Se vê, no máximo, as bordas. Não se vê aquela vida, aquela cidade que existe ali. Eu te interrompi porque eu queria que tu falasse sobre a Cruzeiro. Como tu vê a Cruzeiro, das tuas lutas, hoje, avançou?

Bruna Rodrigues: Tu sabe que, quando eu comecei na militância, eu não conhecia ‘A Cruzeiro’, eu conhecia a minha comunidade. Foi na Uampa que eu conheci de fato a cidade, porque eu pude me encontrar com a cidade, eu pude olhar que existiam muitos lugares como a Cruzeiro. Mas foi na Uampa também que eu conheci, de fato, a minha comunidade, que pude percorrer, conhecer as associações de moradores, dialogar, olhar e ver o entorno. É uma realidade que eu não canso de me chocar, porque, quando eu entendi que tudo que eu passei era um projeto político, eu entendo que manter esse projeto político é ainda mais cruel. Porque hoje a situação da Cruzeiro ela tá muito pior do que na minha juventude. Não é estranho para ti ouvir falar que, na Cruzeiro, aparecem cabeças aí de um lado pro outro.

Mas tem muita potência dentro da Cruzeiro. Eu falo que o maior opressor dessa comunidade ou das nossas comunidades é o próprio Estado, e eu vou te dizer o porquê. Ali na Cruzeiro, fecharam, ao longo da avenida, três campos de futebol, quatro praças e, ao longo desses últimos anos, fecharam quatro escolas e vinte trabalhos educativos. Quando nós denunciávamos o fechamento da Escola Alberto Bins, nós falávamos que quem fecha escola abre presídio. Olha há quantos anos isso aconteceu, há quantos anos vocês nos entrevistaram ali, e hoje toda aquela realidade. Nem eu, que já imaginava que ia ser terrível, nem eu imaginava que a Cruzeiro ia viver os dias que vive. A maior tristeza da minha vida foi dizer pra minha filha que ela tinha perdido o irmão. Eu perdi muitos amigos. Conheci a política perdendo amigos. Eu falo muito com a Manu sobre isso, essa é uma área que nós não avançamos. Nós não nos relacionamos com a nossa juventude. Infelizmente, o parceiro do cotidiano não é a escola, não são as oportunidades. O nosso jovem de periferia não encontra as oportunidades primeiro, ele encontra o tráfico todo dia. E, por diversas vezes, esse é o único lugar de ascensão. Eu não conseguia entender porque que a nossa juventude, por que que a nossa gurizada ia para aquele lugar, até conversar bastante com um menino e ele disse: ‘Olha, o que que eu tenho fora daqui? ‘O que eu sou fora daqui?’ Eu conheci a política perdendo os amigos, mas hoje eu vejo as minhas amigas perdendo os filhos. E foi encontrando um menino desses, filho de uma amiga, eu disse: ‘Cara, o que tu tá fazendo aí, tu sabe qual caminho’. Ele disse: ‘Mas qual é outro caminho?’ ‘Onde é que eu arrumo um emprego agora, com 16 anos?’ ‘Lá na minha casa precisa de comida’.

Luís Gomes: Ele sabe que existe, mas não entende que é possível para ele.

Bruna Rodrigues: Não é que não tem. Não tem, não é ofertado a ele. Na pandemia agora, quando fecharam as escolas, não tem merenda, não tem acesso para todo mundo, quem é que ficou fora da escola? Essa gurizada foi trabalhar, de diversas formas. Foi garantir o sustento das famílias, porque a fome voltou e voltou com força. Então, quando eu olho para a Cruzeiro, eu fico muito triste, porque eu vi aquele projeto acontecer. Aquele projeto de exclusão, de marginalização, de descarte daquelas vidas. É um projeto em curso de descarte de vidas como a minha. Eu sou a prova que dá para dar certo, eu sou a prova que, com investimento popular, político e nas políticas públicas, pode dar certo. Eu sou uma guria que nasceu e se criou na Vila Cruzeiro a vida toda. Eu estudei em todas as escolas ali, eu estudei desde a educação infantil até o ensino médio, e eu sou estudante da Universidade Federal, hoje, graças a Deus, tentando sair da universidade. Mas eu sou a prova que dá, e dá por quê? Por que deu comigo? Porque a escola era muito presente na minha vida. Deu comigo porque eu me encontrei com pessoas que me auxiliaram nesse processo. Eu não sou uma regra, porque as oportunidades elas não atravessam todo mundo como me atravessaram. Infelizmente, os políticos não são tão presentes, por isso que eu acho que o desafio dessa nova geração é se fazer presente, é se manter presente.

Luís Gomes: Bruna, tu foi vereadora nos primeiros dois anos do governo Melo, como é que tu vê essa cidade do Melo, que é uma cidade de revitalização do Centro, revitalização do 4º Distrito, de roda gigante no Harmonia, de parque dos dinossauros, de marina, enfim, essa cidade que tem vários projetos para uma determinada classe social, com a cidade que tu vê na Cruzeiro, que tu vê nas outras vilas?

Bruna Rodrigues: O Melo ajudou a acelerar esse processo de descarte. Tudo que eu te falei aqui, eu falei de gestões que tentaram fechar o Postão do Cruzeiro, eu falei de gestões que sucatearam ferramentas de acesso a serviços públicos, os CRAS, por exemplo. Eu falei de escola. A única escola de Ensino Médio na minha região, o Melo fechou. Então, o Melo é um grande aliado desse projeto que descarta as nossas vidas. É muito triste, tu fala da cidade segregada, eu vivi a cidade segregada. A minha família vive, eu sou a única que saiu da Cruzeiro por conta da remoção, mas a minha família vive a cidade segregada. Aquela juventude não circula no centro da cidade. Primeiro, porque a passagem tá cara. Segundo, porque não tem transporte. O transporte hoje em Porto Alegre é para te levar ao trabalho e te trazer, quando te traz, e completamente sucateado. Esses lugares, os lugares dessa cidade que se desenvolve, se desenvolve para essa parcela, para que a classe média alta posso olhar e não se encontrar com as periferias. Esse é o projeto. O Melo construiu um muro invisível na cidade. Ele conseguiu, de forma estratégica e planejada, fazer com que as periferias sigam ainda mais à margem do que já viviam antes. É muito triste, e tu vê isso inclusive nas chamadas, nos marketings. Tu anda pela cidade, tu vê aquelas propagandas, antigamente era ‘eu amo Porto Alegre’, agora é ‘eu amo Porto Alegre’ e Melnick embaixo. Nada contra a Melnick, mas eu não quero viver na cidade da Melcnick, eu quero viver numa cidade que tenha gestão, em que a Melnick é uma das empresas que fazem parte.

Luís Gomes: Até porque a cidade da Melnick é uma cidade que não chega para todos.

Bruna Rodrigues: Ela não é uma cidade acessível a todos. Infelizmente, a galera que eu represento, e eu sou muito tranquila, a gente não consegue representar todo mundo, mesmo que tu queira ter uma atuação ampla, enfim, mas a gente não consegue representar todo mundo, e o povo que eu represento tem vivido a fome, o desemprego, a falta de acesso à educação, as mulheres, a falta de acesso à vaga na creche, a falta de suporte para acolher a nossa juventude. A cidade que eu vivo vive dias muito difíceis e o Melo é grande aliado.

Luís Gomes: Bruna, hoje tu tem uma função, não só como deputada estadual, mas como presidente municipal do partido, importantes nessa questão do enfrentamento ao governo Melo nas urnas no ano que vem, como presidente de um partido de oposição. Do ponto de vista mais ideológico e filosófico, do debate de ideais, como é que se convence a população, ou pelo menos 50% da população, de que esse projeto do Melo, que é de alguma forma avassalador, no sentido de que avança muitas pautas de uma só vez e dá a sensação de que as coisas estão acontecendo, tem alternativa? De que a oposição tem uma alternativa melhor para ela?

Bruna Rodrigues: Primeiro, a gente não pode largar mão de ampliar o diálogo com o povo. Eu sempre falo que o povo não é bolsonarista, eu não acredito. Eu acho que o Bolsonaro popularizou a direita, ele disse que pobre podia ser de direita, vendeu uma ilusão. O Melo caminha nesse sentido também. O perfil dele é de um homem popular, a atuação dele é de um homem de extrema direita, que vende a cidade, que entrega a cidade, que desonera para grandes empresários, mas que aperta o IPTU para o povo trabalhador. Eu acredito que a gente precisa dialogar com a cidade, porque, enquanto trabalhador de ponta não consegue ter a correção da inflação de aumento, o Melo aumentou o salário em 62% [a medida vale a partir de 2025]. Se a gente começar por aí, a gente já vai conseguir fazer o povo estranhar. É muito um prefeito, num canetaço, conseguir aumentar o seu salário em 62%. Mas vamos olhar para a gestão da educação. A gestão da educação é uma tragédia, já passaram três secretários. Eu estive na Comissão de Orçamento [Cefor], fui a primeira mulher a presidir a comissão, o Melo não investe o mínimo constitucional. Não conseguiu, ao longo dos dois anos que eu era vereadora, investir o mínimo constitucional. Em contrapartida, as nossas escolas estão caindo, sem manutenção, sem professor e com equipamentos que não conseguem nem ser instalados e superfaturados. Tem duas CPIs acontecendo, uma do governo e uma CPI séria, que eu desejo que seja séria. Então, assim, o Melo é uma gestão de muitos conflitos também.

Luís Gomes: Mas como se expõe esses conflitos para a população?

Bruna Rodrigues: Eu sempre olho para cada comunidade e busco fazer relação. Se eu olhar para Cruzeiro hoje, primeiro tu tem uma avenida que passa e que prioriza o asfalto, não tem uma moradia sequer entregue na Vila Cruzeiro, nenhuma. Aqueles apartamentos, quem foi para o aluguel social, vive um drama profundo. E eu nem sei se vai ter a sua casa de volta. Então, se a gente for olhar para moradia, a gente vai olhar nesse sentido. A gente tem um déficit de vagas na creche absurdo em Porto Alegre, sem planejamento, não tem metas. O Melo fechou duas escolas renomadas de Ensino Médio na cidade. Então, quando tu olha pra cidade, pra cada região, tu vai ver ali, o Melo terceiriza a cidade, quer vender a educação em bloco. Não tem competência para gerir a cidade. Então, eu vejo muitos problemas na cidade e o povo que eu dialogo também vê, porque as nossas comunidades não estão vivendo dias melhores. O transporte tá ruim, ele passa só nos horários de pico, quebrado, lotado. Essa cidade que se desenvolve, essa cidade do 4º Distrito, ela não é uma cidade acessível a todos. Então, esse é o diálogo que nós precisamos.

Luís Gomes: Nem para o pessoal do 4º Distrito.

Bruna Rodrigues: Exato, uma parcela está sendo varrida do 4º Distrito, estão fazendo mais uma higienização, essa higienização que tentaram fazer na Cruzeiro. A Avenida Tronco é uma avenida auxiliar ao Barra Shopping. Na habitação, o Melo fazia aquele discurso dos prédios ociosos que deveriam ser destinados à moradia popular. Não aconteceu. Eu conheci a Ocupação Saraí, um prédio no centro da cidade, que já teve uma série de especulações, que já teve reintegração, e que agora tá sendo entregue para o setor empresarial.

Luís Gomes: Para virar um ‘rooftop’ verde.

Bruna Rodrigues: Então, assim, que cidade tá boa? Bom, é bonito olhar a Orla? Beleza, mas a Orla não te leva para casa, a Orla não bota comida no prato, a Orla não te garante saúde. Os nossos postos de saúde, na minha região fecharam três. Tu vai no Postão, dependendo da hora que tu for, não tem médico. Tu vai no posto de saúde, é aquele povo trabalhador fazendo mágica. Nós podíamos ter mais de 3.000 agentes comunitários de saúde, nós temos 400 e pouco. Essa cidade, ela não é acessível a todos, ela não é boa para todos e, para maior parte, ela é muito ruim.

Luís Gomes: E como é que oposição, na tua visão, se articula para essa disputa? Como é que tu tá vendo as conversas?

Bruna Rodrigues: Primeiro, nós precisamos arrancar junto, nós precisamos sair juntos, precisamos estar unificados. Eu acredito na derrota do Melo, eu acredito que nós temos chance de fazer com que a cidade reflita sobre a sua situação. Não tem como uma cidade ter um equilíbrio econômico e social com uma parcela dela vivendo bem. Essa cidade que segrega, que anda segregada, que anda separada, que não se encontra, ela não é boa para ambos os lados. Porque, se na Cruzeiro nós não disputarmos a nossa juventude com o tráfico, a cidade vai ficar mais violenta. E não adianta tu estar lá no Moinhos se esse ambiente da cidade não for mais seguro. Então, nós precisamos de uma cidade que se desenvolva. Para construir essa cidade que se desenvolva, quem entende a importância de uma cidade para todos precisa estar junto. Nós estamos falando muito, a Manuela falou muito esses dias, sobre a eleição do Lula. Ela foi uma eleição muito ampla, juntou Xuxa, Angélica, Ivete, juntou todo mundo, todo o setor político consciente, nem de esquerda, mas democrático, estava junto. Arrancou junto, ninguém deixou para fazer campanha de segundo turno, todo mundo arrancou junto e nós ganhamos a eleição ali, ali.

Luís Gomes: Agora a gente sabe também que teve muita fraude para impedir.

Bruna Rodrigues: Tudo bem, mas tu acha que Porto Alegre vai ser diferente? Eu acho que essa eleição municipal vai ser a mais parecida com a eleição federal. Porque eu convivi na Câmara de Vereadores, eu sei quem são os vereadores que vão estar na rua e como vão fazer a campanha. O Bobadra, esse vereador que já deveria ter sido cassado [foi cassado dias após a gravação da conversa], que foi iniciado por violência política de gênero, é o cara que andava na rua falando horrores de mentiras. Nós vamos enfrentar uma eleição tão violenta quanto a eleição que nós enfrentamos em 22. Então, eu acredito que todo setor consciente, e aí isso envolve todo setor que seja progressista, PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL, Solidariedade, nós precisamos ter uma composição ampla. Não é fácil, é muito desafiador, mas, na minha opinião, nós precisamos discutir um projeto de quatro anos, e não de dois, e eu te digo o porquê. Porque, se nós construirmos um projeto de dois anos, falta espaço. Na vida real, todo mundo quer se ver alocado, quer se ver contemplado, quer se ver dentro. Num projeto de quatro anos, nós conseguimos, primeiro, envolver todos os atores políticos necessários.

Luís Gomes: Tu diz, no caso, já pensar a eleição para prefeitura com a do governo do Estado?

Bruna Rodrigues: Claro. E eu sustento, com argumentos, porque, nesse projeto de quatro anos, nós podemos ter uma composição ampla. Se o Melo ganhar a eleição, ele é um forte candidato ao governo do Estado. E ele vem com muitas chances. Nós precisamos, primeiro, derrotar o Melo. Essa precisa ser a missão de todo mundo que entende que nós precisamos ter essa cidade de volta para os porto-alegrenses e não para as empresas.

Luís Gomes: Quanto ao PCdoB, alguma chance da Manuela ser candidata ou pleitear ser candidata?

Bruna Rodrigues: Eu acredito que sim, eu acredito que sim. A Manuela fala bastante da gente não começar a discussão pelos nomes, porque, se tu começa pelos nomes, tu já baliza o debate. Mas a Manuela, em 2020, teve um papel fundamental, fundamental. Fazia muito tempo que eu não via tantas famílias na rua, tantas bandeiras nas janelas, tanta esperança, mesmo que nós tenhamos perdido a eleição. E eu acredito que, se nós tivéssemos arrancado juntos, desde o primeiro turno, nós podíamos ter vencido a eleição, eu acredito nisso. A Manuela foi o rosto que representou esse levante, que defendeu a importância de ter uma bancada antirracista. Nós chamamos, eu chamo de Bancada Negra, que defendeu a importância de nós termos uma Bancada Negra. Então, foi também uma embaixadora desses sonhos de uma cidade mais popular. Eu conheço a Manuela, convivo com ela há bastante tempo e sei que a Manuela vai ser uma ótima perfeita, porque ela é muito humana.

Luís Gomes: Mas ela quer? Eu pergunto se ela quer participar, porque, na última eleição, em 2022, ela não concorreu.

Bruna Rodrigues: Assim, foram vários os elementos que fizeram que a Manuela não estivesse nessa eleição. Nós não podemos correr esse risco de novo. Fez falta a Manuela na eleição, as pessoas confiam, acreditam, gostam da Manuela. Nós não podemos perder nenhum de nós. Eu boto muita fé que a gente vai construir um projeto, tenho trabalhado para isso, sou presidente de um partido, que a gente vá conseguir garantir a unidade necessária para enfrentar 2024, olhando para 2026.


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