Opinião
|
20 de dezembro de 2021
|
17:35

A quem interessa as 744 expulsões de estudantes cotistas da UFRGS? (por Everaldo Oliveira)

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Everaldo Oliveira (*)

Estudantes cotistas vêm sendo expulsos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, consequência da avaliação perversa feita pela UFRGS em relação ao ingresso por meio de cotas. A insuficiência da universidade em avaliar toda documentação exigida antes do início das aulas fez com que, desde que a matrícula precária foi criada, se acumulassem um montante equivalente a 744 estudantes expulsos da universidade e quase 1500 que ainda estão com o vínculo provisório sem avaliação finalizada. Isso nos faz questionar: a quem interessa as expulsões de estudantes cotistas da UFRGS? 

Para tentar responder essa pergunta, nós do movimento Correnteza estamos levantando essa problemática desde 2017, e já prevíamos desde lá que essa forma de avaliação não tinha outro objetivo senão a elitização da universidade e o descompromisso das últimas gestões com a permanência estudantil e com as leis de cotas. 

A UFRGS é a única universidade pública do país que possui ingresso por meio da matrícula provisória. A única no país que acumula quase 1500 pendências, desde 2016, algumas chegando até quatro anos após o ingresso. A universidade se defende dizendo que esse acúmulo de avaliações se deu por um problema que tiveram após um temporal que inundou o setor que fazia as avaliações. Entretanto, estranha-nos já passados quase seis anos e essas pendências ainda não terem sido resolvidas, e pior, acarretando justamente na expulsão injusta de vários colegas.  

As expulsões, na sua grande maioria, são injustas porque a UFRGS sequer chega a fazer a avaliação e o somatório da renda desses estudantes (isso no caso da avaliação socioeconômica, na qual se concentram a maioria dos indeferimentos). A justificativa da universidade de usar um método de avaliação tão rigoroso, fazendo exigências absurdas, é “evitar fraudes” no sistema de ingresso. Essa afirmação não se sustenta, uma vez que, usar tal método na justificativa de evitar fraudes, na verdade impossibilita a comprovação plena, a permanência e o assistencialismo em relação à realidade que esses candidatos enfrentam antes de tentarem acesso à universidade. Ser o primeiro da sua família a entrar em uma universidade, muitos tendo acesso pela primeira vez aos documentos exigidos, por vezes sem acesso à internet de qualidade, sem acesso à própria universidade para que se preste um auxílio, somados a prazos pequenos, acarretam no oposto do que deveria ser a política de cotas. Não é justo que diversos colegas sejam desligados antes mesmo de terem seus documentos avaliados para justificar o sistema “anti fraude” da UFRGS. 

Na verdade, a maioria dos desligamentos ocorre por dificuldades na comunicação da UFRGS com o estudante. Ora dada por e-mail, ora feita pelo portal do candidato, mas nunca por um canal que se certifique da ciência do aluno em relação a notificação. O procedimento da universidade nunca é claro, ninguém sabe ao certo quais são as etapas de avaliação, mas se o estudante falhar em qualquer uma das exigência a consequência é sempre o indeferimento. Tal procedimento coloca a responsabilidade, que deveria ser da UFRGS, toda no candidato. “Da perda da vaga: não comparecer na data e local estabelecidos para entrevista” diz uma das várias regras do edital. Na prática, o que deveria ser responsabilidade da UFRGS em efetivar a reparação histórica de que se propõe a lei de cotas, está sendo desperdiçada por um falso argumento administrativo e burocrático, de que nem mesmo a UFRGS é capaz de cumprir, pois não permite o direito ao contraditório e a ampla defesa de cada estudante dentro do procedimento administrativo. 

Voltamos, pois, para a pergunta anteriormente feita: a quem interessa as expulsões de estudantes cotistas feitas pela UFRGS? Fica claro para nós que essas expulsões não interessam, obviamente, as populações para as quais se destinam as políticas de ações afirmativas, e nem aos estudantes desligados. Também estamos convencidos de que essas expulsões não trazem nada de bom à comunidade acadêmica e nem mesmo à sociedade, pois a imagem que fica para quem tem direito a essas vagas é de que “é muito difícil comprovar a condição da vaga”. 

Pois bem, a intervenção de Bolsonaro na UFRGS, feita com a intermediação do deputado bolsonarista Bibo Nunes, colocou o candidato menos votado nas eleições da  reitoria para assumir a gestão da maior universidade no sul do Brasil. A intervenção escancarou os problemas que já vinham da última gestão. Mas para além disso, demonstrou, sem receio, o objetivo principal de Bolsonaro em precarizar a universidade pública e a educação. A reitoria interventora fez uma série de mudanças internas, criando pró-reitorias e juntando outras, desconfigurando a organização interna da universidade. O projeto Future-se, anteriormente lançado por Temer, reaparece aqui com cara nova, porém com o mesmo objetivo: entregar a universidade pública à iniciativa privada, precarizando o serviço público, elitizando-a, impedindo o ingresso de estudantes cotistas e fazendo-a servir aos filhos da elite brasileira. Não há interesse, por parte dessa gestão, e nem mesmo por parte desse governo em facilitar o ingresso de estudantes cotistas nas universidades. Esse governo fascista governa para a elite e os grandes bilionários, não devemos nos iludir em relação a isso, pois o lado mais frágil dessa estrutura são os estudantes. 

A autonomia universitária não pode estar acima dos direitos humanos de cada candidato, e tampouco acima do princípio da lei de cotas. É imprescindível que continuemos lutando contra essas expulsões, nos organizando com o objetivo de mudar o método de avaliação e a fim de matricular efetivamente todos aqueles que estão em situação de matrícula precária. Por isso, nós do movimento Correnteza, convidamos a todos a se organizarem com a gente para que possamos continuar lutando em todas as frentes, sendo elas jurídicas ou de mobilizações de massa. Que possamos por fim, fazer justiça em relação a todos esses desligamentos e derrubar esse governo fascista e genocida que tem como objetivo acabar com a educação brasileira.              

(*) Estudante cotista da UFRGS e militante do movimento Correnteza

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora