De Poa
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25 de maio de 2023
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13:53

Germano Bremm: ‘o mercado da construção civil não pode nunca ser demonizado’

Por
Luís Gomes
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O secretário Germano Bremm é o convidado desta semana do De Poa | Foto: Reprodução
O secretário Germano Bremm é o convidado desta semana do De Poa | Foto: Reprodução

O novo episódio do podcast De Poa, que vai ao ar nesta quinta-feira (25), recebe o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm. Ele conversa com Luís Eduardo Gomes e Lidiane Blanco sobre o processo de revisão do Plano Diretor da Capital.

Bremm destaca que, no momento, a Prefeitura está promovendo a etapa de “leitura da cidade”. Até o final do ano, deverá apresentar a proposta de revisão para a Câmara de Vereadores. Nesta conversa, ele fala que governo quer mudar o foco no planejamento urbano,  do atual, que seria criar regras para lotes privados, para o enfoque em planejar as áreas públicas e conectar o tecido urbano.

De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

Confira a seguir trechos do programa:

Luís Gomes: Como está a discussão sobre o Plano Diretor no momento?

Germano Bremm: O Plano Diretor é o instrumento básico da política urbana dos municípios, é o que a gente chama nossa Constituição Federal, só que num território urbano. E ele envolve diversas áreas, é importante a gente sempre relembrar assim, às vezes fica muito vinculado às regras de construção, aos limites de altura, que é mais palpável, objetivo, se consegue visualizar, mas ele é muito mais do que isso. Ele trata de ambiente natural, o meio ambiente da cidade, das áreas verdes, trata do desenvolvimento social da cidade, como se dá o desenvolvimento econômico. Se a gente tem que desenvolver uma potencialidade, como é que a gente alcança, como é que a gente se posiciona perante a região metropolitana, perante o Brasil. Trata do patrimônio cultural, imóveis históricos, qual é a história de Porto Alegre, como que a gente protege isso, como a gente se insere em uma política de sustentabilidade. Trata da gestão da cidade, que envolve a forma da sociedade participar da gestão da política urbana. Ele trata de mobilidade, outro ponto bastante importante no território urbano, e das normas urbanísticas. Essa é a parte, às vezes, mais conhecida do Plano Diretor porque vincula as decisões do que tu pode construir dentro do território urbano. Então, ele é bastante amplo e naturalmente, como o processo é revisado de 10 em 10 anos, é um projeto que ultrapassa os governos, por isso a importância da participação sempre da sociedade nessa discussão. Para tu ultrapassar o governo, naturalmente tem que ter um projeto que seja maturado e tenha um envolvimento de toda a sociedade de forma geral.

Então, a gente vem estruturando esse projeto até antes do processo de pandemia, era etapa preparatória, buscamos recursos, financiamento internacional, fizemos uma cooperação com o programa das Nações Unidas pra nos subsidiar nesse processo de revisão. Com o advento da pandemia, a gente suspendeu esse processo e hoje a gente vê com tranquilidade que, no fim, foi positivo a gente não ter feito essa revisão anterior. Todas as cidades que fizeram a revisão pré-pandemia estão com planos desatualizados. A dinâmica das cidades mudou, as necessidades são outras, é trabalho remoto, enfim, tantas outras coisas que surgiram e estão sendo aplicadas agora no pós pandemia. A gente avançou nessa etapa preparatória e entramos em 2021 no que a gente chama de etapa de leitura da cidade. São todos esses momentos participativos que a gente já fez, de eventos nas regiões de planejamento, de seminários e debates de aprofundamento no tema, mas especialmente pra colher as diversas visões da cidade. A visão mais comunitária, agora avançando um pouquinho pra a visão um pouco mais técnica, para as pessoas identificarem quais são as potencialidades do seu bairro, as necessidades, se vai ter mais praça, se vai ter mais área verde, se o transporte público é suficiente para atender determinada região. Tudo isso faz parte dessa etapa que a gente denomina de leitura da cidade.

Feita essa leitura da cidade, a gente faz este cruzamento com a análise mais técnica do município e os próprios estudos que estão sendo feitos pelas consultorias, para a gente avançar no que a gente chama de etapa de debate de propostas, aí sim já com a visão de futuro, o que deve acontecer logo em seguida, ao longo desse ano. A expectativa é remeter para a Câmara de Vereadores no final do ano, a gente tem a previsão de realizar uma audiência pública lá em dezembro, mas nós precisamos finalizar a etapa de leitura da cidade, avançar para a etapa do debate de propostas, para aí ter, de fato, formatado um projeto de lei para ser remetido aos vereadores. Antes disso, é importante dizer que a gente tem prevista lá pelo para o mês de outubro uma grande Conferência da Cidade, aí já com cenários possíveis do que a gente entende de aula para Porto Alegre. E aí, depois da audiência pública, remete para a Câmara de Vereadores. Então, estamos na etapa de finalização do que a gente chama de leitura da cidade, especificamente, debatendo nesse momento, nessas semanas, oficinas por eixo temático.

Lidiane Blanco: Secretário, aproveitando que o senhor falou das mudanças nas dinâmicas das cidades. Eu queria lhe perguntar a respeito de um instrumento que foi bastante utilizado nesses últimos anos que são os projetos especiais, que são projetos de impacto urbano maior e demandam a avaliação caso a caso. Muitas vezes, a gente tem nessas negociações alterações no regime urbanístico, flexibilização das normas do parcelamento do solo, enfim, modificações das regras das edificações. Eu queria saber do senhor como a Prefeitura tem visto essas flexibilizações e como elas estão sendo pensadas nesse processo de revisão do Plano Diretor?

Germano Bremm: De fato, a cidade é muito dinâmica e é muito difícil prever na norma exatamente os parâmetros de desenvolvimento urbano possíveis. Tem que trazer naturalmente um guarda-chuva geral e depois, na prática, na gestão do processo de construção da cidade, tu ter essa liberdade para poder dentro, seguindo todos os parâmetros que mantém o lugar do sistema público de tomada de decisão, tu poder implementar esses projetos dentro da cidade. O projeto especial de impacto urbano previsto no nosso Plano Diretor e bastante aplicado é esta possibilidade pra gente deixar para os nossos profissionais da área técnica, que estudam a cidade, uma certa liberdade de acomodar, vamos dizer assim, aquela proposta dentro do território urbano. Se a gente dispusesse da lei, imagina que estaríamos ainda de uma forma inflexível aplicando o Plano Direto de 1999, que era uma realidade. Então, este novo Plano Diretor, a gente está propondo, e se assim for entendimento da sociedade, que a gente deixe o planejamento urbano, a dinâmica da cidade, para os profissionais que têm experiência para fazer isso. Porque, se a gente botar estanque na lei todos esses parâmetros, nós não vamos conseguir trazer isso na realidade, porque dentro do território de uma cidade as dinâmica são diferentes. A zona rural tem uma dinâmica, na Restinga é outra, no Centro é outra, então nós temos que prever essas válvulas de escape, isso é natural do planejamento urbano da cidade. A gente já previu isso por meio do projeto especial e agora nós vamos trabalhar bastante nesse próximo Plano Diretor no monitoramento. O foco daquilo que está acontecendo na cidade e, a partir da identificação de algum problema, a gente poder trabalhar a política pública para solucionar esse problema. Não tanto nas áreas privadas, mas que a gente tenha um olhar do planejamento urbano muito mais para o espaço público, muito mais para o monitoramento, muito mais para diminuir o tempo de deslocamento das pessoas até o seu local de trabalho, muito mais para fazer e produzir os projetos de regularização fundiária. E não criar todo uma estrutura, uma dinâmica, para olhar o lote privado, ter todo um esforço para isso e, em contraprestação, essas outras áreas que tem uma importância enorme em um processo de desenvolvimento, de crescimento da cidade, descobertas. Então, a gente quer inverter um pouco essa lógica e trazer o apoio da iniciativa privada para fazer o que ela sabe fazer, que é dentro do lote, da área privada.

Luís Gomes: Só para a gente entender, secretário. Nós vamos ter, então, uma flexibilização no próximo Plano Diretor e as regras vão ser menos restritivas. É isso?

Germano Breem: Nós estamos agora na etapa de construção da propostas, mas seguindo aquilo que o urbanismo contemporâneo nos recomenda, que o planejamento urbano seja muito mais de monitoramento. Dentro do lote privado, a gente deixa para o mercado, que tem condição, tem capacidade de fazer o melhor projeto da cidade. Então, nós vamos focar muito mais o nosso esforço para a área pública, atender aquilo que gera qualidade de vida, que melhora a condição das pessoas acessarem o mercado de trabalho, que impeça a invasão de áreas não urbanizadas, que a gente trabalhe na regularização. Acho que isso tem que ser o foco do planejamento urbano e é o que a gente está propondo para o debate.

Luís Gomes: Como é que vai funcionar esse monitoramento de algumas questões que geram impacto? Por exemplo, de impacto ambiental, daqui a pouco vão ser flexibilizadas as regras de construção na orla do Guaíba, onde a gente sabe que há impacto ambiental? Mas também tem outro tipo de impacto que é o urbanístico, no trânsito, na mobilidade. Por exemplo, se permitir o adensamento muito grande de uma área, hoje a Prefeitura, com o mecanismo do projeto especial, das contrapartidas, ela consegue prever o impacto do trânsito, prever que obras vão precisar ser feitas para mitigar, enfim, consegue ter um certo controle sobre esse tipo de impacto. Isso vai ser possível por esse monitoramento ou esse monitoramento vai ser posterior? Nem tudo que o empreendedor vai propor é possível, pode trazer impactos irreversíveis. Como esse monitoramento vai funcionar?

Germano Bremm: Naturalmente, há previsão de uma análise mais aprofundada de todo e qualquer impacto que vai se causar dentro do território urbano, obrigatoriamente a gente vai ter que fazer uma análise mais profunda, porque isso envolve compatibilização com diversas outras áreas, rede de água, de esgoto, mobilidade. O próprio impacto ambiental, todas as regras ambientais são aplicadas dentro dos seus limites legais para esses projetos que ocorrem no território urbano. Acontece que dentro de uma área de ocupação intensiva aquela prevista para o Plano Diretor, a gente calcula antes qual é o potencial construtivo disponível dentro daquele território, isso tem que ser a matéria do Plano Diretor, a gente tem que calcular antes qual a infraestrutura disponível para aquela região. E a partir dessa mensuração prévia, uma vez estabelecida e aprovada no nosso Plano Diretor, dentro daqueles limites, tu tem uma certa liberdade.

Luís Gomes: E quando falamos de exceções?

Germano Bremm: Exatamente, o desafio é a gente previamente mapear toda a infraestruturas e possibilidades dentro do território urbano para, a partir disso, a gente dar uma certa liberdade para os lotes privados. Mas é importante dizer que existe, sim, um grande esforço do poder público para a gente focar em avaliar a compatibilização com as áreas públicas. E aí, necessariamente, esses projetos maiores, eles têm que ter uma compatibilização, porque eles mudam a característica do território, obrigatoriamente vai ter que ter essa previsão no próximo Plano Diretor para a gente poder avaliar e compatibilizar com os demais equipamentos urbanos quando um grande empreendimento vier se instalar no território do município.

Lidiane Blanco: O senhor acredita, dentro dessa avaliação de projetos de grande impacto na cidade, que vai haver um projeto continuado por parte da Prefeitura, que não seja mais tão baseado em questões pontuais? Hoje, um projeto de grande impacto se instala em uma região e faz as obras viárias correspondentes àquele perímetro que impacta diretamente, mas a continuidade disso para outras regiões que também vão sofrer o impacto desse projeto não são atendidas de imediato. O senhor acredita que isso pode mudar dentro dessa dessa nova visão que a Prefeitura tem para a cidade?

Germano Bremm: Sem dúvida, eu acho que esse tem que ser o enfoque. Realmente tu ter um desenho urbano, de território, que as coisas se conectem dentro de um todo maior. Acho que essa foi a grande falha do nosso Plano Diretor. Enfim, não dá para criticar, são momentos históricos das tomadas decisões que foram realizadas, mas a gente precisa estruturar esses projetos dentro de uma estratégia macro de cidade, dentro de um desenho urbano de cidade. O que a gente chama no planejamento urbano de escala intermediária, que tem um nível de detalhamento um pouco maior. O nosso Plano Diretor atual ele é bastante macro, tem um comando geral, e no caso a caso tu tem que avaliar o território e talvez no caso a caso a gente não consiga fazer as coisas se conversarem dentro de um todo. Então, a gente também tá propondo nesse projeto, sim que ele seja um guarda-chuva de comandos gerais da cidade, mas que nos dê a possibilidade, aos moldes do que a gente fez no Centro Histórico e no Quarto Distrito, para a gente depois trabalhar os territórios de forma mais individualizada, mas claro que sempre conectando nesse planejamento mais macro do Plano Diretor.

Luís Gomes: Secretário, o senhor deixou claro que estamos ainda na fase de leitura da cidade, mas acho que dá para ouvir na sua fala algumas ideias e conceitos principais de norte que a gestão gostaria de seguir para a cidade. A gente ouve falar muito da questão do adensamento, isso vem até antes da revisão do Plano Diretor, com a revitalização do Quarto Distrito, do Centro. Quais são os principais conceitos que estão sendo trabalhados dentro da Prefeitura para onde se quer chegar com essa proposta do Plano Diretor?

Germano Bremm: Acho que daria para destacar alguns pontos, quatro deles que a gente tem olhado bastante nessa revisão do Plano Diretor e quer, por meio das discussões nos diversos eixos, tentar alcançar, ao menos propor para a sociedade essa perspectiva.

Um é o enfoque do planejamento urbano para acompanhar o mercado de trabalho. Naturalmente, num território urbano, tu produz habitação onde tem oportunidade de emprego. Então, esse é um olhar que a gente quer trazer. Onde tem a oportunidade de emprego, o planejamento Urbano consiga voltar o seu olhar também para potencializar essa produção de habitação onde a gente tiver oportunidade de trabalho.

Outro enfoque é de que forma a gente pode interferir e auxiliar no processo de mobilidade para a gente reduzir o tempo de deslocamentos das pessoas até o mercado de trabalho. De que forma, que incentivos, instrumentos, que a gente trabalha do ponto de vista de mobilidade da cidade.

Outro enfoque, que eu comentei, o espaço público. Como a gente faz a conexão do desenho urbano, dessa escala mais intermediária, como que a gente oportuniza cada vez mais qualidade de vida para as pessoas. Isso é muito o enfoque não tanto para as áreas privadas, mas, sim, para conexão do privado com o público e como a gente faz isso acontecer numa estratégia de cidade.

O último, mas que complementa um pouco aquilo que eu comentei, é especialmente a tecnologia do monitoramento. Como que a gente teria as estratégias de planejamento urbano a partir do monitoramento de cidade, para resolver problemas dinâmicos que acontecem ao longo desses 10 anos de execução do Plano Diretor. Um planejamento urbano sempre de monitoramento e solução, monitoramento e solução, a partir dessa problemática.

Claro que também daria pra citar, e que permeia todas essas prioridades, é a gente trazer cada vez mais a pauta da sustentabilidade para dentro de todos os nossos processos. Acho que as mudanças climáticas são uma realidade global no território urbano, 80% das fontes emissoras têm origem na cidade, então a gente tem que trazer isso para o nosso debate, para a gente criar instrumentos e políticas públicas para a gente ir mudando essa realidade, reduzindo essas fontes emissoras.

Luís Gomes: E como a gente poderia ter essa Porto Alegre mais sustentável? A gente já vive há muitos anos no verão ondas de calor intenso e isso vai acarretar na falta d’água e em uma série de outros problemas. Como o senhor vê a implementação da questão da sustentabilidade na cidade?

Germano Bremm: Eu acho que esse é um ponto, realmente, que afeta a cidade. Quando se fala em mudanças climáticas, os efeitos decorrentes disso, aumento da temperatura do planeta, aí tem fortes temporais, períodos de chuva extrema, períodos de seca extrema. Acho que, em Porto Alegre, a gente consegue visualizar bem o aumento da temperatura, é muito quente por um grande período. Então, acho que esse é um ponto bem significativo que a gente consegue enxergar dentro da cidade. O Plano Diretor, como ele norteia o crescimento no mínimo nos próximos 10 anos, a gente tem que ser inteligentes no sentido de achar instrumentos, assim como foram criados lá atrás a transferência de potencial construtivo pra preservar o patrimônio histórico, proteger as áreas verdes, como foi criado o instituto do solo criado pra tu resolver um pouco da infraestrutura, como foi criada a doação no parcelamento do solo que a gente aplica hoje no dia a dia, a gente tem que aproveitar a revisão do Plano Diretor para também criar instrumentos de incentivo. Por exemplo, poderia citar um caso bem concreto, recente, que a gente fez, que foi a criação da certificação sustentável em Porto Alegre. A gente certifica em níveis que podem ser prata, ouro e diamante, e a partir dessa certificação, dependendo de qual o grau dela, tu ganha uma série de incentivos. Ganha lá a possibilidade de ampliar um pouquinho na altura da edificação, ganha um desconto de IPTU, desde aqui tu implemente dentro do teu prédio soluções como painel fotovoltaico, que recolha a água da chuva, plante uma vegetação nativa para fazer a captação do gás carbônica para reduzir a temperatura. Então, são pequenas coisas, mas são instrumentos que a gente tem condição de criar dentro da política urbana, para depois o processo natural de construção, de licenciamento, tu vai aplicando essas regras e vai produzir uma série de soluções. Os rooftops sustentáveis é outro exemplo que a gente criou recentemente, permitindo o uso da cobertura desde que tenha painel que recolha a água da chuva, que tenha telhado verde. A gente vai criando várias áreas verdes dentro da cidade. O próprio enfoque cada vez mais para o plantio, e aí cada vez mais a gente vem trabalhando muito a arborização urbana da Capital, que ela tenha essa condição. No nosso último inventário, a gente conseguiu reduzir em 5% as fontes emissoras já em função do plantio de árvores, porque que elas retêm esse gás carbônico, deixa de ir pra atmosfera. Então, são pontos assim que, no processo de revisão, a gente tem que discutir, tem que conversar e achar instrumentos, achar incentivos, para de fato implementar na lei e depois, ao longo do processo de construção da cidade, isso ser aplicado e a gente ter essas melhorias.

Lidiane Blanco: Secretário, a gente tem esses impactos ambientais, que falamos agora, mas também temos impactos que são sociais quando a gente traz esses empreendimentos, no caso os adensamentos, para regiões que já têm aquela estrutura pronta. São demandas que vão surgir para a Prefeitura porque ela vai ter que aumentar os equipamentos públicos, hospitais, creches, os próprios serviços prestados para a população. Como a Prefeitura trazer propostas que vão contribuir para essa discussão? Durante a conferência do Plano Diretor, a gente viu muitas propostas do público em geral, as pessoas tentando discutir, mas não há um consenso, cada um dentro da sua realidade acredita que tal coisa é mais importante. Como que a Prefeitura pode conciliar e favorecer todas essas essas populações?

Germano Bremm: A gente traz como prioridade dentro dessa discussão de fato criar essas políticas públicas. Se criou uma série de instrumentos e, a partir do licenciamento de novos empreendimentos, tu vai aplicando esses instrumentos. Dependendo do tamanho, em que reservar um percentual para posto, pra escola, tu tem que comprar o solo criado. Mas eu acho que o mundo mudou, as cidades mudaram e a gente tem que aproveitar essa oportunidade, agora, para a gente melhor organizar a distribuição desses instrumentos. Porque talvez não seja mais adequado, e não é, a gente receber a área de terra. Talvez seja mais adequado que a gente produza um processo de regularização que dê qualidade de vida, em vez de estar recebendo mais áreas pra praça, pra posto, pra escola, coisas que já são atendidas. Então, tu tem esses comandos legais que foram criados lá atrás e hoje são aplicados. E a gente tem que repensar os formatos e estratégia mesmo de inteligência, de monitoramento da cidade, tem ‘n’ oportunidades. Por exemplo, o solo criado, que foi concebido com um motivo nobre, quando tu for empreender, a partir de um determinado limite construtivo que é teu, tu compra do poder público. Ele deveria voltar para a infraestrutura da cidade, para habitação de interesse social. Em tese, ele volta, tu vai ver tem fundos que foram criados e são recursos significativos que são colocados ali todo ano decorrente desses empreendimentos. Mas aí o desafio é botar pra rua esses projetos, aí depende do conselho gestor do fundo, em sendo uma obra pública é uma contratação que segue naturalmente as regras da administração. E os gestores têm dificuldade de implementar e gastar esse recursos que está destinado pra isso, que é decorrente do empreendimento. E aí gera uma série de equívocos, porque como ele não volta para a origem que deveria retornar, tu acaba às vezes tendo que buscar contrapartidas em novos empreendimentos e desvirtua o processo. Tu vai buscar contrapartidas e talvez não deveria ser esse o caminho, deveria ter vindo lá na origem do processo legal, na aprovação do projeto de legislação do recurso solo criado, e há essa inversão. Então, agora é um momento também que a gente, de uma forma inteligente, tentar  criar instrumentos que, talvez em vez de ir para o fundo da habitação de interesse social, a gente receber apartamentos já construídos. A gente tem que criar uma forma de desburocratizar esse processo e garantir essa condição de que os empreendimentos também possam ajudar essas populações que estão nas áreas mais periféricas da cidade e que talvez o empreendimento e a política pública não cheguem lá. Então, é o momento, sim, da gente repensar esses processos, da gente ser mais inteligente. Eu acho que recurso tem, são várias formas de entrada a partir dos empreendimentos, mas falta o desafio de realmente botar isso para a rua, de implementar esses projetos.

Luís Gomes: Secretário, nesse ponto da habitação, o senhor falou há pouco que um dos objetivos do Plano Diretor é aproximar a moradia do trabalho, para reduzir os deslocamentos das pessoas. Um dos poucos consensos que existem em Porto Alegre é que a cidade se espalhou demais nas últimas décadas. Acho que essa ideia de aproximar a moradia do trabalho talvez também seja um dos poucos consensos que a gente tenha na cidade. Como a gente vai fazer isso, começa a ser um problema. Eu queria te ouvir sobre como a gente começa a resolver esse problema.

Germano Bremm: De fato, a cidade se espraiou ao longo dos anos e nem sempre com a infraestrutura suficiente para atender esse espraiamento urbano, gerando inúmeros impactos e custos muito significativos para o poder público, para levar essa infraestrutura, para atender os serviços, com posto de saúde, escola, com linha de ônibus. Agora, nessa revisão, a gente está estudando o território para aproveitarmos a infraestrutura existente. Onde a gente tem infraestrutura, conseguir concentrar um pouco mais essa população e impedir, de alguma forma tentar inibir, esse estranhamento urbano que é tão prejudicial tanto para os custos de serviços públicos, mas especialmente também para o meio ambiente, o impacto negativo da poluição, e o transporte, esse deslocamento. Claro, é um desafio tu produzir, concentrar nessa região que tem infraestrutura, onde geralmente a habitação é um pouco mais cara, tu conseguir produzir habitação de interesse social mais barata para essa população que precisa. E se ela não encontra nessa região mais central essa condição de comprar, ela vai buscar alternativa. E aí a gente tem uma política de descontrole, de invasão, de ocupações pela cidade. Então, eu acho que isso tem que ser um foco muito grande do planejamento urbano, eu acredito muito nisso. A gente ter uma estratégia que seja mais de economia urbana, que a gente tenha economista urbano dentro da nossa equipe pensando de que forma a gente barateia o custo da habitação, de que forma a gente produz habitação. Quais são os impactos dessas inúmeras regulações que a gente tem e, ao fim e ao cabo, resultam lá no preço da habitação? Como é que a gente pode contribuir pra melhorar isso? Tudo tem que vir para o papel, para conta, desde lá da doação do parcelamento do solo, da contrapartida, do solo criado, da compensação vegetal. Enfim, tantas outras camadas que são aplicadas ao longo do processo do empreendimento do terreno e consequentemente impacta no custo da habitação. São pontos que a gente tem que estar estudando agora dentro dessa revisão. Temos que ter inteligência pra tentar cada vez mais diminuir o custo da terra, o custo da obra, para, consequentemente, a gente reduzir o custo da habitação e dar condição dessa população poder comprar o imóvel, ter um apartamento em regiões mais centrais da cidade, onde a gente tem convicção que tem infraestrutura disponível para ampliar.

Luís Gomes: Pois é, secretário. Tem essa essa visão de que a redução dos custos poderia gerar empreendimentos mais baratos e com um preço final para o consumidor mais baixo. Mas a gente sabe também que o preço de um imóvel não tá necessariamente ligado ao custo. Por exemplo, a questão da valorização de áreas. Eu cito como exemplo a questão da Orla do Guaíba. Um imóvel que valia ‘x’ antes da revitalização da Orla, hoje ele vale 2x, 3x, isso não tá ligado ao custo da obra, decorre da valorização daquele terreno. E a gente tem visto na cidade grandes empreendimentos que não são nem para uma classe média, são para uma elite. Eu cito como exemplo o empreendimento ali na Orla próximo ao Barra Shopping Sul. Aqueles imóveis valem alguns vários milhões. A consequência disso é que o imóvel que está do lado, tende a valorizar também. É uma área que, por exemplo, está muito perto de uma das maiores vilas da cidade, a Vila Cruzeiro, e a gente sabe que isso produz um processo de gentrificação, ao contrário do que o senhor está me dizendo que a Prefeitura gostaria. Os terrenos se valorizem e as pessoas acabam, digamos, expulsas dos seus locais, em vez de tu adensar mais onde tem serviços que estão mais próximos do Centro. Como é que tu combina esses dois movimentos? Como é que a gente vai construir essa cidade em que ao mesmo tempo tem esses apartamentos de dois, três, quatro milhões, que são a aposta do mercado imobiliário, como é que esse empreendedor vai olhar para aquela mesma região ou região próxima dali e vai dizer: aqui pode ter um empreendimento mais popular?

Germano Bremm: Eu acho que tem espaço, dentro do território urbano, para todos os mercados. O mercado de luxo, médio, mais popular. E esses empreendimentos ícones na cidade eles são indutores do desenvolvimento. Naturalmente, eles criam o ambiente de valorização em todo o seu entorno e consequentemente é um dos fatores aí que vai incidir no preço do imóvel naquela região. Eu acredito que esse processo de valorização, em atingindo determinada região de comunidade mais carente, ele gera, sim, um benefício, não só a gentrificação, mas em sendo o mercado o propulsor dessa compra desse imóvel, ele pagando para o privado que tenha aquele terreno ali, essa transformação é positiva, porque tu dá essa condição pra pessoa, daqui a pouco, melhorar a qualidade do imóvel onde ele está localizado, comprar outro imóvel. Então, eu acho isso positivo, é um desafio, claro, produzir essas políticas públicas. Em outras regiões da cidade, talvez tu teria uma destinação mais para habitação de interesse social, uma condição um pouquinho mais mista, e a gente vincular isso. Esse é o desafio que a gente se propõe agora na revisão do Plano Diretor, a gente estruturar cada vez mais dentro das nossas políticas públicas como é que a gente pode contribuir assim pra baratear o custo dessa edificação aonde tu tenha essa possibilidade. O Centro Histórico e o Quarto Distrito são territórios férteis, eu acho, pra tu produzir esse tipo de habitação, tem inúmeras oportunidades ali e a gente tem que achar ferramentas, formas, de trabalhar cada vez mais isso, com inteligência a gente poder fazer esses respectivos links. É desafio, não temos solução hoje, ‘é esse caminhou ou outro’, mas eu acho que a gente tem um time bem qualificado trabalhando, aproveitando essa oportunidade, vendo o que o mundo já fez, quais os acertos, quais os erros de outras cidades no Brasil também, para a gente trazer aqui para Porto Alegre e criar esse ambiente salutar, apoiando o mercado, que é um produtor de transformação, ele gera riqueza e oportunidade, o mercado da construção civil não pode nunca ser demonizado porque, dentro do território urbano, ele é o que movimenta a economia, é a indústria mais forte dentro de uma cidade. Só no ano passado, a gente aprovou cerca de 20 bilhões em novos investimentos. Claro que isso não reflete, necessariamente, no que vai pra rua, porque depende um pouco do tempo do mercado. O mercado gera cerca de 5 ou 6 bi por ano, mais o que gera de emprego, do pedreiro ao engenheiro, então a gente tem que trazer ele como parceiro, sempre como um indutor desse processo de transformação, gerando oportunidade. A gente falou no começo aqui, queremos a partir do mercado de trabalho, das oportunidades, organizar o planejamento urbano, então a gente tem que ter sempre presente a importância da construção civil no território urbano.


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