De Poa
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20 de abril de 2023
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14:25

Hique Gomez: ‘As leis de incentivo dão lucro para os cofres públicos, por isso que elas existem’

Por
Luís Gomes
[email protected]
Hique Gomez é o convidado de estreia do De Poa
Hique Gomez é o convidado de estreia do De Poa

O podcast do Sul21 tem novidades em 2023. Agora, ele passa a ser transmitido em vídeo, em parceria com a Cubo Play. O De Quinta também passa a se chamar “De Poa“, pois irá tratar de temas que envolvem e se relacionam com a cidade de Porto Alegre. No programa de estreia, que vai ao ar nesta quinta-feira (20), o De Poa recebe um dos personagens mais marcantes da cultura porto-alegrense nos últimos 40 anos, cuja trajetória se confunde com a própria história cultural da cidade, o violinista, compositor, ator e diretor Hique Gomez.

Em um bate-papo com os jornalistas Luís Eduardo Gomes e Luciano Velleda, do Sul21, gravado na sede da Cubo Play, Hique fala sobre a relação dele com a cidade, a relação dele com o Theatro São Pedro, como foi continuar suas produções e retornar a Sbørnia após a morte do parceiro de Tangos & Tragédias, Nico Nicolaiewsky, em 2014, sobre a importância das leis de incentivo à cultura, entre outros temas.

Você pode conferir a íntegra na Cubo Play (abaixo).

A seguir, confira alguns dos principais trechos da conversa:

Luís Gomes: Hique, como é que é a tua relação com Porto Alegre? Tu tem uma história que se se confunde, de certa forma, com a cultura da nossa cidade. São décadas de apresentações, de temporadas. Como é que é pra ti essa relação com a nossa cidade?

Hique Gomez: Eu acho que uma cidade ela é feita de tudo que há nela, ela é feita de ruas, de bairros, de postes, de pedras, de fios, de conjuntos de águas e feita de pessoas. Então, as pessoas são as cidades também. As pessoas da cidade são a própria cidade, né? A gente, às vezes, se distancia tanto das coisas que a gente faz parte, por exemplo, a natureza. Muitas vezesa a gente acha que não é parte da natureza. A gente sai da cidade e volta pra cidade, mas enquanto a gente tá na cidade e construindo, especialmente no caso das artes, a identidade da cidade. Então, a gente não é só parte da cidade, a gente é a cidade. A cidade tá na gente. Quando a gente sai daqui, a gente leva a cidade com a gente. Quando a gente se comunica com outras pessoas fora desse lugar aqui, a gente tá levando a cidade da gente junto. Então, acho isso. Eu nasci aqui, no Bom Fim, na Miguel Tostes, na Beneficência Portuguesa. Quando eu nasci, o meu pai era jogador do Grêmio, então mais ainda. Eu tive na escolinha do Grêmio, que eu queria ser jogador que nem meu pai, claro.

Luciano Velleda: Que posição tu jogava?

Hique: Meu pai?

Luciano: Tu.

Hique: Eu era zagueiro.

Luciano: E o teu pai?

Hique: O meu pai era center-half [termos usado antigamente para se referir ao meio-campo defensivo]. Era típico aqueles volantes gaúchos, charrua.

Luciano: Chega junto.

Hique: Chega junto, não deixa a bola passar do meio do campo. Responsabilidade total.

Luciano: E o Hique zagueiro, como é que era?

Hique: O Hique zagueiro ficou no primeiro treino da escolinha do Grêmio. E o meu pai disse: ‘não, senhor, agora tu vai estudar violão”. Ele me botou na aula de violão, porque viu eu que não dava para a coisa.

Luciano: A gente tem muitos exemplos na história da arte de trabalhos que são em dupla, um falece, ou às vezes é uma banda que o líder é o vocalista e não se consegue ir adiante. Como que foi pra ti assim ir adiante, continuar sem o teu parceiro?

Hique: Nós já tínhamos projetos paralelos, sempre tivemos. O Tangos & Tragédias era um projeto paralelo. Nós tínhamos projetos principais e o Tangos & Tragédias era um projeto paralelo. Daí, o Tangos & Tragédias, pela nossa associação, a força dos dois, se transformou num projeto principal e os outros projetos ficaram paralelos. A gente sempre teve. Então, quando o Nico faleceu, eu comecei imediatamente a trabalhar com o meu projeto paralelo, que era o Tan Tango, que inclusive tinha um tributo para o Nico, que ele viu em vida. Eu chamei ele um dia e disse: ‘hoje vai ter um negócio, vai lá ver o show hoje que tem um negócio para ti’. E ele viu, tinha um tributo a ele, porque ele era um cara muito ligado ao tango, mais do que eu, e eu aprendi muito com ele nesse sentido. Então, quando o Nico faleceu, imediatamente a gente pegou Tan Tango e botamos na estrada, se tornou projeto principal. Até as pessoas que não tinham visto ainda o Tan Tango pensava assim: ‘pô, como é que já, sabe, no primeiro momento, assim, o outro faleceu e o outro já vem com um projeto tão acabado’. Mas fazia anos. O Tan Tango estreou em 2008, com a orquestra do Theatro São Pedro. Então, não foi difícil pra botar aquilo na estrada, até para ter patrocinadores, coisa e tal, e aí foi. É uma maneira e até hoje existe isso. Tem o projeto da Sbørnia [Kontra’Atracka], mas tem outros projetos que eu faço também. Acabei de fazer uma adaptação de uma ópera, que é a Flauta Mágica, que me chamaram para trazer. Eu fiz o texto, fiz a narração e fiz a versão da maioria das árias. Então, são trabalhos que a gente tem e as capacidades que a gente vai desenvolvendo para fazer coisas e outras coisas, porque, quando a gente fecha numa só possibilidade, se aquela possibilidade se esgota, é difícil depois para abrir outra frente. Então, se a gente já tem várias frentes prontas, é mais fácil fluir, né? Então, foi assim, até que as pessoas começaram a pedir: ‘não deixem a Sbørnia morrer, coisa e tal. E aí, a gente voltou com o projeto da Sbørnia Kontra’Ataka, primeiro, depois Kontra’Atracka, por um erro de digitação e a gente gostou daquilo. E a Simone Raslan, essa grande artista que era da Rádio Esmeralda, que nasceu dentro do Tangos & Tragédias.

Luciano: Que era uma dupla também.

Hique: Era uma dupla também. Nasceu dali. Eu convidei elas para fazer o uma participação no Tangos & Tragédias e propus dali fazer um projeto com elas, e vingou. Ficou nove anos em cartaz, até que uma delas faleceu também. Então, é isso, estamos aí, fazendo nesse momento esse movimento que é um movimento, hoje, que se transformou numa das facetas de um setor da economia. Hoje, o que a gente faz, é um setor da economia, por isso que é importante que as pessoas reconheçam esse movimento como um setor da economia. Antigamente, muito antigamente, isso era feito em bares, na noite, coisa e tal, onde nasceu o Lupicínio Rodrigues´, que não era uma coisa de teatros, coisa e tal, embora já tivesse o Theatro São Pedro. Não, a arte popular ela era muito artesanal antigamente. E segue tendo ainda esse viés, mas o tamanho do Brasil, meu deus, todas as cidades tem eventos. O Rio Grande do Sul tem 500 cidades. Todas essas cidades tem eventos, tem shows tem mobilização de equipamentos, de pessoas que alugam, que contratam equipamentos, de som, de luz, tem especialistas que se formam em universidades de som e de luz hoje, tem as universidades que formam os artistas e os professores que se formam no exterior para dar aula.

Luciano: Até o artista estar no palco tem muita gente.

Hique: Até o artista estar no palco tem um processo enorme. Um pianista clássico leva nove anos para se formar, mais que Medicina, mais que Engenharia, entende? São aquelas pessoas que trabalham nas universidades, são os administradores dos teatros, que hoje tem um parque cultural aqui de teatros enorme, tem um monte de postos de trabalho nisso aí. Tem o pessoal que são especializados em entrevistas, como vocês que estão aqui fazendo um trabalho comigo, que sou da área, são jornalistas especializados na área. Tem os estúdios, tem um monte de gente, de posto de trabalho em estúdio. Tem gente que fabrica esses cabos aqui, que não se considera, mas tá aqui o cabo para se fazer os shows. Tem os microfones, tem gente que lida com isso, com equipamentos. Então, uma cadeia da economia. E o Brasil do tamanho que é, o Rio Grande do Sul tem 500 cidades, só 500, só 500. Se o Brasil fosse do tamanho de Portugal, já era uma economia gigantesca, entendeu? Mas no Brasil cabe 30 Portugal dentro dele. Então, é um setor da economia que tem que ser incentivado pelo governo para criar trabalho, são milhares de famílias que vivem dessa economia e que geram impostos. Então, as leis de incentivo dão lucro para os cofres públicos, por isso que elas existem. É por isso que existe lei de incentivo para a agricultura, porque ela dá retorno para os cofres públicos. É por isso que ele existe lei de incentivo para a indústria, porque ela dá retorno para os cofres públicos. Porque essas pessoas que são contratadas, essas pessoas que geram trabalho, que geram economia, que geram produtos que são consumidos, geram impostos. Esses impostos são a massa da economia de um país qualquer. Então, ela tem que ser incentivada, meu Deus do céu. Por que não querem que seja incentivada? Porque aquele setor da economia, a cultura, gera um valor agregado a isso tudo que é o discernimento. Através disso as pessoas criam consciência própria, criam discernimento, e aí não pode manobrar com essas pessoas. Olha na França o que está acontecendo, os caras vão para a rua e não querem que seja manipulado dessa forma.


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