Geral
|
30 de abril de 2024
|
17:22

Jornal ‘Boca de Rua’ denunciou em 2022 as péssimas condições da pousada Garoa

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Edição do jornal Boca de Rua que tratou do incêndio ocorrido em 2022. Foto: Reprodução
Edição do jornal Boca de Rua que tratou do incêndio ocorrido em 2022. Foto: Reprodução

“Garoa pega foto?”. Esse é o título do jornal Boca de Rua, número 82, de outubro, novembro e dezembro de 2022. A edição trimestral circulou pouco depois do incêndio do dia 10 de novembro na Pousada Garoa, que matou uma pessoa. A linha de apoio ao título do jornal produzido por pessoas em situação de rua responde a pergunta inicial e dá mais informações. “Pega. Porque a Garoa que estamos falando não é o chuvisco e sim o nome da pousada que incendiou na madrugada do dia 10 de novembro. Um morador morreu e 11 saíram feridos. Outras pessoas em situação de vulnerabilidade precisaram abandonar suas moradias. Foi uma tragédia anunciada, porque as condições eram péssimas, como já tínhamos denunciado no Boca.”

Leia mais:
Incêndio em pousada motiva proposta de criação de CPI da Fasc, projeto de lei e representação no MP contra Melo
Moradores denunciam ‘tragédia anunciada’; Melo promete força-tarefa para fiscalizar pousadas Garoa
Quatro vítimas do incêndio na pousada Garoa são sepultadas em velório coletivo
Visita de comissão da ALRS a pousadas Garoa encontra situação insalubre e extintores vencidos

O primeiro incêndio na rede Garoa atingiu a pousada localizada na Rua Jerônimo Coelho, 277. Menos de um ano e meio depois, o fogo que consumiu a unidade na Avenida Farrapos matou 10 pessoas na madrugada do último dia 26 de abril. A recente tragédia repetiu um roteiro já denunciado pelo Boca de Rua em 2022. 

“Há tempo nosso jornal vinha denunciando que havia perigo pelas paredes de madeira, a falta de janelas e as péssimas condições de higiene”, diz a reportagem daquele ano. Os mesmos riscos estruturais e condições insalubres compuseram o contexto do recente incêndio. 

“Não é nenhuma novidade, nem no primeiro incêndio, nem desde o início do programa. No papel é uma coisa, mas na prática é totalmente diferente. Na época do primeiro incêndio, a gente fez a denúncia, fizemos entrevistas com alguns moradores e diziam que não tinha segurança de nada porque não tinha tranca nas portas. Pra chegar de noite, tinha que acordar o porteiro. Vimos que tinha muita coisa errada com a Garoa, não só com o tamanho do quarto. Como eles não alugam um lugar que tenha uma habitação correta, uma janela pro cara respirar? É muita gente, não tem janela num quartinho. Com tantos prédios abandonados que poderiam virar habitação social…”, analisa Fábio Corrêa, integrante do jornal Boca de Rua.

Em coletiva de imprensa na tarde do dia da tragédia, o prefeito Sebastião Melo (MDB) não quis se pronunciar sobre a falta de Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) da Pousada Garoa, conforme informação do Corpo de Bombeiros. Melo alegou que é uma lei estadual que obriga a ter o documento, embora seja o dinheiro público por ele administrado que efetua o pagamento pela compra de vagas no estabelecimento. 

Conforme a Prefeitura, há cerca de 1.400 vagas de acolhimento para a população de rua na cidade, entre abrigos, albergues, casas de passagem e pousadas. As primeiras vagas em pousadas foram contratadas em 2001 e, de 2012 a 2020, deixaram de ser usadas. A Garoa foi a única habilitada de uma licitação de contrato emergencial realizada em 2020, durante a pandemia do novo coronavírus. A Prefeitura contrata cerca de 320 vagas nas pousadas da rede Garoa. Na unidade incendiada, eram 16.

Desde o dia da tragédia, há um jogo de empurra sobre quem deve fiscalizar o contrato da Prefeitura com a rede de pousadas. Ainda na coletiva de imprensa no dia do incêndio, Melo alegou que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) tem autonomia de gestão e tem os próprios fiscais de contrato para verificar irregularidades no serviço prestado à Prefeitura. Ainda assim, após as mortes, o prefeito anunciou a instauração de uma investigação preliminar sobre os contratos com a Garoa e a mobilização de uma força-tarefa para visitar os outros 22 endereços da rede onde a Fasc contrata vagas para pessoas em situação de rua.

Ainda no dia do incêndio que matou 10 pessoas, o secretário do Desenvolvimento Social e coordenador da Política de População de Rua da Prefeitura de Porto Alegre, Léo Voigt, afirmou que a situação da pousada Garoa era “plenamente regular, segundo a legislação”. Ele explicou que existe uma fiscalização de PPCI, sob responsabilidade dos Bombeiros, e outra fiscalização de prédios, como parte do sistema de monitoramento de prédios da cidade. 

“Nós fazemos a fiscalização das pessoas abrigadas e a acomodação delas. E isso era feito com regularidade. As nossas equipes entram nessas pousadas diariamente, porque elas estão acompanhando as pessoas que estão lá dentro, estão trazendo novas e estão buscando as que evadiram. Primeiro, para poder disponibilizar para os próximos essa vaga. Segundo, para poder saber quem evadiu, porque evadiu e fazer busca ativa para onde foi. Nós monitoramos essa população”, disse o secretário na ocasião.

Ao contrário do que mostrou o jornal Boca de Rua em 2022, ele também afirmou não haver nenhuma denúncia contra os serviços assistenciais da Prefeitura. “Todos os serviços são elementos de segurança, na proteção, no acompanhamento. Aqui é uma tremenda surpresa. Este local, inclusive, é uma das raras pousadas que temos que tinha portaria, tinha porteiro. Então, ela tinha até uma situação diferenciada das demais. Nós não temos nenhuma denúncia e, mediante denúncia, averiguamos imediatamente”, afirmou Léo Voigt.

A reportagem do Boca de Rua que tratou do primeiro incêndio na pousada Garoa termina com uma série de perguntas: “Tem alvará dos bombeiros? Tem acompanhamento? Cadê a prevenção e a fiscalização?”.

Na coletiva de imprensa no dia da recente tragédia, o jornal foi proibido de participar do encontro na Prefeitura, sob a alegação de não ser um veículo de imprensa “tradicional”. O jornal existe desde 2000. As perguntas da reportagem publicada em 2022 continuam ecoando um ano e meio depois.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora