Cultura
|
17 de abril de 2024
|
11:52

IPHAE nega autorização para construção de prédio de 45 andares na Duque

Por
Luís Gomes
[email protected]
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução

O Instituto do Patrimônio Histórico do Estado (IPHAE) negou no dia 12 de abril a autorização para a construção do empreendimento de 45 andares na Duque de Caxias, ao lado do Museu Julio de Castilhos, uma parceria da construtora Melnick e da Companhia Zaffari. O órgão, vinculado à Secretaria Estadual de Cultura (Sedac), considerou que a proposta não se enquadra nos limites previstos na Portaria 035/2002, que estabeleceu uma altura máxima de 15 pavimentos ou 45 metros para edificações no entorno do Museu, que é bem tombado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Leia mais:
MPRS irá investigar licença para construção de espigão ao lado do Museu Julio de Castilhos
Prefeitura e Melnick silenciam sobre inconsistências em projeto de 41 andares no Centro
Impacto de prédio de 41 andares preocupa Associação de Amigos do Museu Julio de Castilhos
Associação de Amigos do Museu Julio de Castilhos pede que MPC investigue projeto imobiliário

“A respeito da altura alcançada pelo projeto (45 pavimentos), cabe destacar que não só é três vezes maior que o limite de pavimentos estabelecido pela Portaria, como vai muito além da verticalização já consolidada no entorno. É mais que o dobro do número de pavimentos identificados nos edifícios mais altos do entorno do Museu, que situa-se entre as cotas mais altas do centro da cidade. Nesse contexto, entende-se que o projeto promove um impacto paisagístico que ultrapassa os limites do Museu e atinge todo o Centro Histórico”, diz a manifestação, assinada por nove arquitetos e um geólogo, sendo subscrita pelo diretor do IPHAE, o arquiteto Renato Savoldi.

O documento destaca que o projeto arquitetônico apresentado ao IPHAE em 11 de março deste ano não se enquadra nas regras da Instrução Normativa 01/2019, que rege processos como esse, o que inclui a exigência de matrícula, assinatura do projeto pelo responsável técnico e proprietário, e levantamento topográfico. O IPHAE destaca que uma eventual nova proposta a ser apresentada pelos empreendedores deve seguir o formato previsto pela instrução normativa.

A manifestação pondera que o grande número de unidades residenciais previstas no empreendimento tende a produzir impactos urbanísticos nas redes de infraestrutura, nos equipamentos comunitários, no trânsito e na acessibilidade geral que “merecem atenção dos órgãos responsáveis pelo licenciamento urbanístico”.

Acrescenta ainda que a torre de 45 andares reduzirá a insolação nas edificações próximas, o que inclui o Museu, a Catedral e o Palácio Piratini, afetando as condições de habitabilidade da região, mas também gerando impacto direto na preservação do prédio do Museu e em seu acervo.

“A interferência ocorre não apenas na edificação em si, fato por si só preocupante por conta das patologias que pode ocasionar, como também nos objetos expostos e na reserva técnica, dado o risco de umidade e de danos consideráveis. O acervo, de relevância nacional, possui um valor histórico e cultural extremamente importante e inestimável. Ao comprometer-se a edificação do Museu, consequentemente se coloca em risco o acervo”, diz o IPHAE.

A manifestação encerra afirmando que o limite de altura estabelecido pela Portaria vai além da proteção da visibilidade do Museu, tendo o objetivo de reduzir os “danos à ambiência histórica diante da verticalização já consolidada” e controlar impactos futuros. Com base nesses argumentos e por não se enquadrar nos limites da Portaria, o IPHAE indeferiu o pedido de autorização para o empreendimento.

A posição do IPHAE foi comunicada pela Sedac à Associação dos Amigos do Museu Julio (AJUC) em reunião realizada nesta terça-feira (16). Para o presidente da associação, Cláudio Pires Ferreira, a decisão é de extrema importância.

“Importante referir que trata-se de uma manifestação eminentemente técnica, realizada pela equipe do IPHAE, que vai de encontro ao nosso entendimento desde o início, ou seja, foi inobservado a autorização prévia, que não existiu, nos termos do art.18, do Decreto-Lei n.25/1937, bem como a Portaria n.035/2002/SEDAC, dentre outras normas. Além disso, a citada decisão do Instituto é clara quanto ao indeferimento do citado projeto. Ainda, merece destacar que tanto o Ministério Público do RS quanto o Ministério Publico Federal manifestaram-se pelo deferimento da liminar, não por acaso a Relatora da ação civil pública movida pela AJUC no TRF4 concedeu o pedido provisório proibindo qualquer construção, pelo menos, até a sentença. Espera-se o acatamento pelos proprietários, bem como pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre”, afirma Cláudio.

O projeto da construtora Melnick em parceria com a Companhia Zaffari foi revelado com exclusividade pelo Sul21 em agosto de 2023. A proposta apresentada pelos empreendedores à Prefeitura previa que o prédio teria 44 andares e 108,06 metros a contar da Duque de Caxias — conforme o último pedido de alteração no projeto feito pelos construtores, mas há discrepâncias entre diferentes versões da proposta. O processo está oficialmente em fase de análise pelo licenciamento da Prefeitura.

Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), o projeto está tramitando pela chamada “Lei dos Esqueletos” (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. A legislação admite a possibilidade de manutenção do projeto que fora abandonado ou sua adequação, garantindo o acesso ao mesmo regime urbanístico vigente à época da aprovação original, o que impacta questões como altura, afastamentos, taxa de ocupação e recuos.

No caso específico, o projeto original data da década de 1970, e a Lei dos Esqueletos permitiu ao projeto atual fazer uso do regime urbanístico da época. Ao revelar o caso, o Sul21 questionou à Smamus se o regime urbanístico original do imóvel permitia a construção de um prédio com a altura proposta na região, mas não obteve retorno.

Além da portaria da Sedac que determina que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 metros de altura, o projeto apresenta outras inconsistências. A Lei dos Esqueletos determinava que pedidos de inclusão de projeto arquitetônico nas suas regras deveriam ser solicitado até um ano após a publicação da legislação, com as obras iniciando num prazo máximo de 180 dias após a aprovação do projeto e do licenciamento.

Os documentos disponibilizados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura informam apenas que o projeto foi incluído na Lei dos Esqueletos e que foi solicitada alteração no prazo de início de obra com base na legislação em março de 2021, sendo deferido em agosto. Não há informação sobre quando a inclusão na lei foi apresentada pela primeira vez e porque o projeto não cumpriu o prazo original de 180 dias para o início das obras.

Apesar de a Smamus informar que o projeto tramitava apenas na Lei dos Esqueletos, os documentos disponibilizados no SEI informam que a Melnick pediu a inclusão do projeto no Programa de Reabilitação do Centro Histórico, que retira o limite de altura de prédios no bairro.

A Lei do Centro, em tese, não impõe limites de altura, mas determina que o padrão volumétrico para novos empreendimentos será estabelecido pela definição de gabaritos válidos para cada quarteirão do bairro ou para um conjunto de quarteirões. Estes gabaritos serão definidos por regulamentação do Executivo Municipal.

Em 29 de janeiro, a juíza federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinou que a construtora Melnick e a Companhia Zaffari devem se abster de continuar as obras do empreendimento até que haja um julgamento definitivo a respeito da Ação Civil Pública impetrada pela Associação dos Amigos do Museu Julio de Castilho.

Em sua decisão, a juíza considerou que há “fundada dúvida” sobre a possibilidade do empreendimento ser construído no entorno do Museu e de outros prédios históricos, bem como aponta que não foi realizado um estudo de impacto de vizinhança, nem concedida autorização prévia dos órgãos de proteção do patrimônio histórico nacional e estadual.

Em 5 de janeiro, A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) se manifestou no âmbito de processo judicial afirmando que qualquer edificação a ser construída ao lado do Museu Julio de Castilhos deve respeitar a Portaria de tombamento do museu elaborada pelo IPHAE.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora