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6 de setembro de 2023
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16:54

Prefeitura e Melnick silenciam sobre inconsistências em projeto de 41 andares no Centro

Por
Luís Gomes
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Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução

Uma semana após o Sul21 publicar uma reportagem a respeito do prédio de 41 andares, o Edifício Duque de Caxias, que está previsto para ser construído em um lote entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias, a Prefeitura de Porto Alegre e a construtora Melnick, uma das responsáveis pelo empreendimento, seguem sem dar explicações concretas sobre quais legislações estão sendo utilizadas durante o processo de licenciamento. Além disso, há uma série de inconsistências na documentação pública sobre o processo.

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Na primeira reportagem, informamos que a torre em formato em ‘L’ do empreendimento teria uma altura 98,39 m, sendo que 60 m seriam a partir do nível da Duque de Caxias. Contudo, em razão da falta de clareza nas informações que constam no processo e no retorno da Prefeitura e da construtora, a informação não estava correta. Na verdade, o projeto apresentado pela construtora, em parceria com o grupo Zaffari, prevê que o prédio terá 104,12 m de altura a contar da Duque de Caxias. Levando em conta o rooftop, seriam 133,91 m de altura do ponto máximo ao solo na Fernando Machado — que tem uma elevação de 12,28, de acordo com o projeto.

A informação faz parte de um documento apresentado pela Melnick comparando o projeto de 2021, deferido em 8 de janeiro de 2021, e as alterações solicitadas pelos empreendedores em 2023. O documento está disponível ao público no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura. Nele, fica claro que o projeto aprovado em 2021 tinha 88,75 m de altura a contar da Duque de Caxias, descontada a cobertura. Contabilizando a altura total, do ponto máximo ao solo na Fernando Machado, teria 115,5 m de altura.

 

Comparativo de alturas foi apresentado pela Melnick em documento que consta no SEI | Foto: Reprodução

Contudo, em outro documento, a Melnick informa que a proposta de modificação é para aumentar a altura da edificação de 88,75 m para 98,39 m, passando de 38 para 41 andares. Este documento informa que o nível do terreno da edificação é de 34 m, o que induziu a reportagem do Sul21 a publicar a informação de que o prédio teria 60 m de altura a contar do nível da Duque.

Como informamos na primeira matéria, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), o projeto está tramitando pela chamada “Lei dos Esqueletos” (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. A legislação admite a possibilidade de manutenção do projeto que fora abandonado ou sua adequação, garantindo o acesso ao mesmo regime urbanístico vigente à época da aprovação original, o que impacta questões como altura, afastamentos, taxa de ocupação e recuos.

No caso específico, o projeto original recebeu o habite-se em novembro de 1979, e a Lei dos Esqueletos permitiu ao projeto atual fazer uso do regimente urbanístico da época. A reportagem questionou à Smamus se o regime urbanístico original do imóvel permitia a construção de um prédio com a altura proposta na região, mas não obteve retorno.

Projeto prevê a construção de prédio de 41 andares (a contar da Fernando Machado) ao lado do Museu Júlio de Castilhos | Foto: Reprodução

No entanto, há uma limitação de altura em razão de o empreendimento estar localizado ao lado do Museu Júlio de Castilhos, patrimônio tombado pelo governo do Estado em 2002. Portaria da Secretaria Estadual de Cultura (Sedac) determina que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 m de altura.

Nesta semana, a Sedac informou que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), divisão da Sedac responsável pela fiscalização em casos como esse, tratou do tema pela última vez em 2016 e que, desde então, não teve mais nenhuma demanda relacionada a este imóvel. Portanto, ainda não foi comunicado de nenhuma das alterações ao projeto apresentadas posteriormente.

“O projeto foi encaminhado ao Iphae, que deu parecer favorável a um empreendimento com altura de até 45 m de fachada a contar da Duque. No entanto, por se tratar de bem tombado, qualquer mudança precisa obrigatoriamente passar por aprovação do Iphae, que até o momento não recebeu esta demanda”, diz nota da Sedac encaminhada à reportagem.

O projeto, contudo, apresenta outras inconsistências. A Lei dos Esqueletos determinava que pedidos de inclusão de projeto arquitetônico nas suas regras deveriam ser solicitado até um ano após a publicação da legislação, com as obras iniciando num prazo máximo de 180 dias após a aprovação do projeto e do licenciamento.

Os documentos disponibilizados no SEI informam apenas que o projeto foi incluído na Lei dos Esqueletos e que foi solicitada alteração no prazo de início de obra com base na legislação em março de 2021, sendo deferido em agosto. Não há informação sobre quando a inclusão na lei foi apresentada pela primeira vez e porque o projeto não cumpriu o prazo original de 180 dias para o início das obras.

A reportagem encaminhou questionamentos sobre a data do pedido de inclusão na legislação para a Smamus e para a Melnick, não obtendo retorno. Também questionou a Smamus e a Procuradoria-Geral do Município (PGM) sobre a existência de um Termo de Ajustamento para o início das obras, também não obtendo retorno.

Apesar de a Smamus informar que o projeto tramitava apenas na Lei dos Esqueletos, os documentos disponibilizados no SEI informam que a Melnick pediu a inclusão do projeto no Programa de Reabilitação do Centro Histórico, que retira o limite de altura de prédios no bairro.

“Por estar inserido no Centro Histórico, entende-se que esta modificação de projeto aprovado válido, com flexibilizações, enquadra-se nos princípios da Lei Complementar n° 930/2021, que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre, por contemplar os objetivos do programa e estar dentro da área de adesão”, diz documento assinado pela responsável técnica pelo projeto.

A Lei do Centro, em tese, não impõe limites de altura, mas determina que o padrão volumétrico para novos empreendimentos será estabelecido pela definição de gabaritos válidos para cada quarteirão do bairro ou para um conjunto de quarteirões. Estes gabaritos serão definidos por regulamentação do Executivo Municipal.

A reportagem questionou a PGM e a Smamus se já existe um decreto definindo o gabarito para o quarteirão para o qual o empreendimento está previsto. Questionou também se já foram ou estão sendo realizados os estudos técnicos para subsidiar a definição do gabarito. As questões não foram respondidas.

Secretarias e Melnick também não responderam questionamentos referentes ao processo no Iphae e se entendiam que os enquadramentos na Lei dos Esqueletos e do Centro poderiam se sobrepor à Portaria de tombamento do Museu Júlio de Castilhos.

A todos os questionamentos encaminhados pela reportagem, a Smamus respondeu apenas: “A Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade explica que o projeto encontra-se em análise técnica, ainda sem parecer final”.

Em nota divulgada à imprensa nesta quarta-feira (6), a Melnick diz que, respeitando as questões legais estabelecidas e vigentes, realizou todas as adaptações de ordem técnica do projeto em estudo. “E a resposta arquitetônica em questão vai ao encontro da ideia de completar o vazio urbano, respondendo aos anseios de apropriação do espaço pelos usuários e moradores do Centro Histórico”, diz a nota da empresa.

Segundo a nota, Marcelo Guedes, vice-presidente de Operações da Melnick, argumenta que o projeto apresentado encontra-se em desenvolvimento e cumpre todos os ritos legais estabelecidos. “Se faz importante avaliá-lo de forma mais ampla, observando-se todos os benefícios que ele trará para o entorno e a região central da Capital, do ponto de vista de conexão de diversos pontos do Centro Histórico e de propiciar sua revitalização, que é um desejo da cidade. E a nossa intenção, ao lançar projetos como esse, é contribuir na transformação positiva de Porto Alegre”, afirma.

A nota informa que o empreendimento terá 60 metros de frente (de largura) para a rua Duque de Caxias, com recuo 10 metros em relação à calçada. Informa ainda que o empreendimento incluirá um boulevard com lojas, comércio, serviço e conveniência, todos abertos ao público. “Desta forma, todas as pessoas que circulam pela região serão beneficiadas e poderão usufruir desse ponto”, argumenta a Melnick.

A nota não fala, em nenhum momento, sobre a questão da altura. Em entrevista à GZH em junho, Juliano Melnick, CEO da empresa, também não falou em altura, disse apenas que se tratava de um projeto “icônico” e “muito especial”, com previsão de aprovação pela Prefeitura ainda em 2023.


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