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29 de janeiro de 2024
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16:13

Justiça Federal proíbe obras de espigão na Duque até julgamento definitivo de ação

Por
Luís Gomes
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Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução

A juíza federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinou nesta segunda-feira (29) que a construtora Melnick e a Companhia Zaffari devem se abster de continuar as obras do empreendimento de mais de 40 andares que estão construindo de forma conjunta na Rua Duque de Caxias, ao lado do Museu Julio de Castilhos. A decisão vale até que haja um julgamento definitivo a respeito da Ação Civil Pública impetrada pela Associação dos Amigos do Museu Julio de Castilhos, que aponta que o projeto conflita com regras da portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), órgão vinculado à Secretaria da Cultura (Sedac), a respeito do tombamento do museu, que determinam que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 metros de altura.

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Em sua decisão, a juíza considerou que há “fundada dúvida” sobre a possibilidade do empreendimento ser construído no entorno do museu e de outros prédios históricos, bem como aponta que não foi realizado um estudo de impacto de vizinhança, nem concedida autorização prévia dos órgãos de proteção do patrimônio histórico nacional e estadual.

“Diante desse contexto, (…) impõe-se – por cautela – a determinação às rés/agravadas Companhia Zaffari Comércio e Indústria e Melnick Even Cajueiro Empreendimento Imobiliário Ltda. de que se abstenham de praticar qualquer nova intervenção nos imóveis objeto da lide (ou seja, atos que produzirão efeitos de difícil reversão), até a prolação de sentença na ação originária, a fim de que possam ser apuradas, em instrução probatória, (i) a regularidade dos procedimentos de aprovação e licenciamento do projeto originário; (ii) a viabilidade legal da modificação do projeto originário (em tramitação), e (iii) a existência, ou não, de risco de dano urbanístico/cultural decorrente da implantação do empreendimento, questões técnicas que demandam dilação probatória, inviável em sede de agravo de instrumento”, diz a manifestação.

A decisão pontua que os prejuízos pela suspensão das obras são exclusivamente financeiros, enquanto a continuidade das obras antes da elucidação dos aspectos técnicos poderá causar danos irreparáveis e/ou de difícil reversão ao patrimônio histórico e cultural, o que atingirá toda coletividade.

Por outro lado, não considerou necessária a suspensão do processo administrativo que tramita no município de Porto Alegre a respeito do empreendimento, considerando que as discussões a respeito do projeto poderão, inclusive, servir como subsídio para a solução da disputa judicial. Não foi estipulada multa pelo descumprimento da decisão.

O processo estava sendo julgado originalmente na esfera estadual, mas passou para a Justiça Federal após o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) manifestar interesse em participar da ação após ser intimado pelo Ministério Público.

O projeto da construtora Melnick em parceria com o grupo Zaffari foi revelado com exclusividade pelo Sul21 em agosto de 2023. A proposta apresentada pelos empreendedores à Prefeitura prevê que o prédio terá 44 andares e 108,06 metros a contar da Duque de Caxias — conforme o último pedido de alteração no projeto feito pelos construtores. O processo está em fase de análise pelo licenciamento da Prefeitura.

Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), o projeto está tramitando pela chamada “Lei dos Esqueletos” (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. A legislação admite a possibilidade de manutenção do projeto que fora abandonado ou sua adequação, garantindo o acesso ao mesmo regime urbanístico vigente à época da aprovação original, o que impacta questões como altura, afastamentos, taxa de ocupação e recuos.

No caso específico, o projeto original data da década de 1970, e a Lei dos Esqueletos permitiu ao projeto atual fazer uso do regime urbanístico da época. Ao revelar o caso, o Sul21 questionou à Smamus se o regime urbanístico original do imóvel permitia a construção de um prédio com a altura proposta na região, mas não obteve retorno.

Além da portaria da Secretaria Estadual de Cultura (Sedac) que determina que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 metros de altura, o projeto apresenta outras inconsistências. A Lei dos Esqueletos determinava que pedidos de inclusão de projeto arquitetônico nas suas regras deveriam ser solicitado até um ano após a publicação da legislação, com as obras iniciando num prazo máximo de 180 dias após a aprovação do projeto e do licenciamento.

Os documentos disponibilizados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura informam apenas que o projeto foi incluído na Lei dos Esqueletos e que foi solicitada alteração no prazo de início de obra com base na legislação em março de 2021, sendo deferido em agosto. Não há informação sobre quando a inclusão na lei foi apresentada pela primeira vez e porque o projeto não cumpriu o prazo original de 180 dias para o início das obras.

Apesar de a Smamus informar que o projeto tramitava apenas na Lei dos Esqueletos, os documentos disponibilizados no SEI informam que a Melnick pediu a inclusão do projeto no Programa de Reabilitação do Centro Histórico, que retira o limite de altura de prédios no bairro.

A Lei do Centro, em tese, não impõe limites de altura, mas determina que o padrão volumétrico para novos empreendimentos será estabelecido pela definição de gabaritos válidos para cada quarteirão do bairro ou para um conjunto de quarteirões. Estes gabaritos serão definidos por regulamentação do Executivo Municipal.


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