De Poa
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9 de novembro de 2023
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14:11

Helenir Schürer: municipalização é mais um ‘presente’ de ano-novo do Leite para os professores

Por
Luís Gomes
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Presidente do Cpers é a convidada desta semana do podcast De Poa | Foto: Reprodução
Presidente do Cpers é a convidada desta semana do podcast De Poa | Foto: Reprodução

O episódio desta semana do podcast De Poa, uma parceria do Sul21 com a Cubo Play, recebe a presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Aguiar Schürer. Em conversa com Luís Eduardo Gomes e Duda Romagna, ela fala sobre a municipalização das escolas de ensino fundamental no Rio Grande do Sul, a relação com o governo Eduardo Leite e a atual pauta de reivindicações da categoria.

Ao longo da conversa, ela explica o que consiste o processo de municipalização e traz a avaliação do sindicato sobre o tema. Além disso, Helenir pontua que o discurso oficial do governo Leite e da secretária de Educação, Raquel Teixeira, permitem uma série de questionamentos, como qual será o destino dos professores e funcionários de escola, hoje servidores estaduais, em caso de municipalização.

“(…) Um governo que diz que não tem dinheiro para apresentar qualquer proposta salarial, veja bem o que ele está fazendo, abrindo mão da maior parte dos estudantes do Estado. Quer dizer, todo recurso do Fundeb que vem para o Estado vai passar para o município, e o governo diz que continuará pagando até os professores se aposentarem. Então, veja bem, abre mão do orçamento e vai ter um custo no orçamento de pessoas que não estarão prestando serviço ao Estado. Esta é uma questão. As municipalizações que aconteceram, o que que a gente tem percebido? Os municípios não querem os professores de Estado. Eles fazem concurso público ou fazem contratação para rede municipal”, pontua.

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O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

Confira a seguir alguns trechos da conversa:

Luís Gomes: O que é a municipalização? Como isso afeta os estudantes, os professores e toda a comunidade escolar?

Helenir Schürer: Bem, a municipalização, como o próprio nome diz — aliás o governo usa, como a gente brinca, um apelido para municipalização que é a mantenência, a mudança de mantenedora –, é o Estado entregar as escolas do ensino fundamental para o município. Qual é a grande questão que tem que estar no debate? E vamos pegar Porto Alegre. Porto Alegre hoje cumpre aquilo que é hoje a LDB diz que é específico dos municípios, a educação infantil? Não tem nenhuma mãe que precise mais creche, educação infantil, tá tudo bem em Porto Alegre?

Luís Gomes: Educação infantil é de 0 a 6?

Helenir Schürer: De 0 a 6 anos, o que é uma responsabilidade única do município. Então, veja bem, Porto Alegre, assim uma maioria e eu ouso dizer a totalidade das cidades no Rio Grande do Sul, não atende todas as crianças, não tem creche, não tem educação infantil para todas as pessoas. Agora, tu imagina, tu não consegue cumprir isso e tu assume todo o ensino fundamental, mesmo que a secretária da educação diga que no início seria da primeira a terceira série. Mas, a gente está vendo agora no Marco Legal que está indo para Assembleia, é todo o ensino fundamental.

Luís Gomes: Isso do primeiro ao nono ano. E o Estado fica só com o ensino médio?

Helenir Schürer: Só com o ensino médio. Então, veja bem, a primeira questão é esta: onde irão os professores? Bom, a secretária diz o seguinte: ‘não, mas a gente vai passar os alunos para o município, a escola para o município, os professores o estado continuará apagando até ele se aposentarem’. Bom, daí a gente fica com uma dúvida, um governo que diz que não tem dinheiro para apresentar qualquer proposta salarial, veja bem o que ele está fazendo, abrindo mão da maior parte dos estudantes do Estado. Quer dizer, todo recurso do Fundeb que vem para o Estado vai passar para o município, e o governo diz que continuará pagando até os professores se aposentarem. Então, veja bem, abre mão do orçamento e vai ter um custo no orçamento de pessoas que não estarão prestando serviço ao Estado. Esta é uma questão. As municipalizações que aconteceram, o que que a gente tem percebido? Os municípios não querem os professores de Estado. Eles fazem concurso público ou fazem contratação para rede municipal. Veja bem o que isso gerará de demissão no Estado. Além da demissão, que é uma coisa que interessa a economia, inclusive, do Estado, na questão pedagógica. A gente sabe que as crianças criam uma relação de afetividade com os professores, com os funcionários da escola. Então, de uma forma assim abrupta simplesmente terminou, não é mais a tua professora, não tem mais ninguém da tua escola e é outros professores, outros funcionários diferentes. Isso atinge no conhecimento, na aprendizagem das crianças, porque afeta emocionalmente. Então, a municipalização, nós temos inclusive um parecer do Conselho Estadual de Educação, para escola ser municipalizada tem que ter o aceite da comunidade. Muitas escolas que nós tomamos conhecimento, a gente tem ido conversar com a comunidade, ela tem sido organizado e se posicionado ‘não queremos a municipalização’. E não tem acontecido.

Agora, já vou trabalhando com a paulada que vem, o nosso ‘Kinder Ovo’ do final do ano, que é o presente do governador Eduardo Leite, que na verdade é o monstro do Marco Legal da Educação, que traz a municipalização do seu bojo. O que eles dizem? Prestem bem atenção os pais, os jovens e os adultos que estão nos escutando. Primeiro, eles querem tirar o nome de ensino fundamental, que está lá na LDB, não sei como é que eles vão mudar LDB no Estado do Rio Grande do Sul.

Luís Gomes: LDB é uma legislação federal.

Helenir Schürer: Óbvio. Bom, aqui já quiseram fazer o homeschooling, que foi aprovado e foi vetado pelo governador, mesmo já tendo dito que não poderia ter. Então, os gaúchos também tem às vezes de achar que já são um país, mas não somos. O Marco Legal da Educação está trazendo que o ensino fundamental desaparecerá e ficará a educação de seis a 17 anos, que é o que compõem o ensino fundamental hoje. Essa será toda ela municipalizada, novamente indo contra a Constituição e contra LDB, que é muito clara. O ensino fundamental é responsabilidade tanto do município, quanto do Estado. Eu tenho ouvido muito isso, ‘não, o ensino fundamental é responsabilidade do município’. Só para lembrar o que diz a Constituição e a LDB: A educação infantil é específico do município; fundamental compartilhado, o município e o Estado; e ensino médio específico do Estado. É verdade que o Estado tem algumas turmas de educação infantil, nós temos municípios, como Porto Alegre, que tem uma escola do ensino médio, mas as responsabilidades constitucionais e da LDB são bem claras, então não adianta fazer uma lei dizendo ‘eu não tenho nada com isso’, tendo. Mas, olha o mais grave, se o Estado está reconhecendo que o ensino fundamental é dos 6 aos 17 anos, nós percebemos o seguinte: acabou o EJA. O Estado do Rio Grande do Sul não vai oferecer mais educação de jovens e adultos, desconhecendo uma necessidade que o Brasil e que o Estado têm de receber novamente esses alunos que, por mil uma razões, não estudaram no seu tempo escolar correto. Nós tivemos, até pouco tempo atrás, um tempo que criança de 10 anos trabalhar não era trabalho infantil. O reconhecimento do trabalho infantil é muito recente. Então, teve gente que não estudou porque ou estava cuidando dos seus irmãos em casa, o que hoje o ECA protege a infância, mas isso era muito normal. Tem muitas pessoas que não estudaram não porque não queriam estudar, mas porque não puderam. Então, esta proposta do governo da municipalização está também tirando a oportunidade de quem não pode estudar ter acesso.

Luís Gomes: Hoje, o EJA é responsabilidade do Estado?

Helenir Schürer: O EJA é responsabilidade do Estado. E, veja bem, eu não acredito, mesmo que esteja escrito, que o governo vá manter os professores e funcionários até se aposentarem no município. Eu acho que isso é aquele canto de sereia para os prefeitos assumirem. Depois que assumiu, depois que municipalizou, devolver a gente sabe que é bem mais difícil.

Luís Gomes: Essa municipalização ocorreria em escolas do Estado que passariam para gestão do município ou passariam para escolas do município?

Helenir Schürer: Não, a escola, o prédio, a gestão toda iria para o município. Nós temos aqui em Porto Alegre oito escolas, são seis na zona sul e duas na zona norte. Estão sendo oferecidas para o município, não sei se o município vai aceitar ou não, porque o município tem que receber essas escolas, não é uma imposição. Mas outra coisa que me preocupa e que acompanha também essas falas da secretária, primeiro a secretária justifica porque a municipalizar, porque o Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, dos alunos do município são melhores do que o Estado. Eu quero dizer que isso não é verdade, nós temos aqui o resultado da média do Ideb no Brasil inteiro, de todos os estados. No Rio Grande do Sul, as escolas estaduais têm um aproveitamento de 61% e as municipais de 60%. É pouca diferença. Mas a secretaria de Educação gosta muito de dar o exemplo do Ceará, que lá a média dos municípios é muito superior a do Estado. Veja bem, lá a média do Estado é 3,7, do município é 5,2. Só tem um pequeno detalhe, quase toda a rede [de ensino fundamental] é municipalizada, óbvio que o Ideb das municipais seria melhor. Nós fizemos um levantamento, somente Alagoas, Amapá, Ceará, Maranhão e Roraima que as escolas municipais têm o Ideb melhor do que as estaduais, um levantamento de todo o Brasil. Então, não é verdade, realmente as escolas estaduais tem um desenvolvimento de conhecimento, uma educação melhor, quando tu faz a medição, do que os municípios. A outra coisa que a secretária colocou também, ela diz que existe pelo menos 123 instituições de ensino que ofertam apenas os anos iniciais do ensino fundamental.


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