De Poa
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28 de março de 2024
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14:22

Laura Sito: ‘A agenda do Parcão chegou ao esgotamento’

Por
Luís Gomes
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Laura Sito é a convidada do novo episódio do podcast De Poa | Foto: Reprodução
Laura Sito é a convidada do novo episódio do podcast De Poa | Foto: Reprodução

O episódio desta semana do podcast De Poa, uma parceria do Sul21 com a Cubo Play, recebe a deputada estadual e presidente municipal do PT, Laura Sito. Em conversa com Luís Eduardo Gomes, Laura fala a divisão racial existente em Porto Alegre e projeta as eleições de 2024, avaliando a formação da possível chapa a ser formada entre as pré-candidatas Maria do Rosário (PT) e Tamyres Filgueira (PSOL), além das outras possibilidades de composição em discussão com outros partidos.

Após cindo derrotas consecutivas da esquerda nas eleições para a Prefeitura de Porto Alegre, Laura acredita que há um esgotamento do que considera ser uma “agenda do Parcão”. “Primeiro, [essa eleição]  ela pode ser diferente porque o projeto deles chegou ao esgotamento. (…) É uma visão de desenvolvimento de Porto Alegre calcada na exclusão social, eu sintetizaria dessa forma. Porque eles têm uma visão de desenvolvimento da cidade, mas é uma visão que exclui a maior parte da cidade, que entrega o filé da cidade para a especulação imobiliária, que desarranja a participação social, com a destruição do que foi o orçamento participativo, com um ataque sistemático às políticas educacionais. A rede municipal de Porto Alegre, que já foi de excelência para o Brasil em educação pública, se mantém porque seus profissionais são extremamente compromissados com ela, mas há um ataque sistemático por parte da administração municipal à rede. Há um avanço no desmonte da saúde pública no município de Porto Alegra, iniciada lá no governo Fogaça e que vem se aprofundando ao longo de um período. Mas chega num esgotamento em que a população já não aguenta mais e acho que o último temporal deixou isso escrachado. E, combinado a isso, há uma geração que só viveu isso e que quer viver outra coisa. Eu faço parte dessa geração, eu tenho 32 anos, a minha geração é uma geração que só viveu os governos liberais em Porto Alegre, só tem lembranças dos governos liberais em Porto Alegre”, avalia.

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Questionada sobre como vislumbra que será o cenário que permeará a eleição municipal, Laura diz não ter dúvida de que será uma disputa marcada pela polarização com o bolsonarismo. “Nós não temos nenhuma dúvida de que o gabinete do ódio vai atuar nas eleições, como atuou em 2020. A rejeição que eles tentam constituir, baseado em diversas fake news contra a Rosário, não é diferente das que eles tentam construir sobre todas as figuras grandes da esquerda. Foi assim na reeleição do Tarso em 2014, lembremos dos últimos programas de TV da direita, de que eles vão destruir o Rio Grande. Não foi diferente da campanha da Manuela em 2020. Se fosse a Luciana a candidata, não seria diferente, a prova disso é a perseguição que ela e o Pedro Ruas vêm sofrendo por defender a causa da Palestina. Então, a sistemática é a mesma. Como é que nós podemos vencer essa narrativa? É enfrentando essa narrativa. Acreditar que recuar para ter, talvez, alguém menos conhecido ou para fugir não adianta, porque daí eles vão só jogar as teorias deles sobre essa nova pessoa. Então, nós precisamos enfrentar essa narrativa com verdade, com trabalho de base, com militância, com presença nas redes sociais e tendo uma narrativa assertiva sobre o que eles representam”, diz.

Confira a íntegra do episódio no Spotify:

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O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

Confira a seguir, alguns trechos da conversa com a deputada Laura Sito.

Sul21 – Como é que tu vês os avanços que foram conquistados nos últimos anos, não só pela bancada negra, na luta antirracista?

Laura Sito: É muito interessante, porque todos nós somos frutos das políticas sociais. Eu falei inicialmente sobre ter iniciado na política lutando para que tivesse cotas, e eu entrei na universidade pela política de cotas. Então, eu vejo muito da nossa presença como esse traçado histórico, e essa mesma geração que não é diferente da Dandara, em Minas Gerais, que não é diferente da própria Anielle, que é ministra, que não é diferente de tantas outras. Nós podemos entrar na universidade, retornar para as nossas comunidades com uma formação que também era capaz de provocar. E quando eu digo nós, não é o nós indivíduos, mas nós coletivamente. Cada estudante prounista, cotista, que volta para sua comunidade, ele volta com um grau de fortalecimento da autoestima, da identidade, que ele vira um formador de opinião muito potente naquele território. E eu vejo a nossa eleição como uma expressão material disso.

Eu acredito muito que os processos que nós construímos, a nossa participação no ambiente institucional, também refletem isso. Eu sou muito feliz de ter passado pela Câmara de Porto Alegre porque, no momento em que a fome crescia, atingia metade da população gaúcha e o Bolsonaro acabava com um programa nacional de aquisição de alimentos, nós podemos criar em Porto Alegre, num projeto de minha autoria, que beneficia ainda diversas famílias, na contramão inclusive da concepção do prefeito de gestão sobre a cidade, tu poder construir vitórias que são materiais. Eu sou uma jovem mãe, então poder criar salas de aleitamento no município, tu poder possibilitar políticas concretas, que ensinam sobre a vida das pessoas, além de lutas mais amplas, mais estruturantes, como o tema do transporte, como o tema da luta na saúde, também são fruto desse processo e são coerentes com esse percurso que nós fizemos conjuntamente.

Sul21 – Nós tivemos uma mudança de rumo na política nacional desde a tua eleição como vereadora, agora tu já deputada, que foi a vitória do presidente Lula nas últimas eleições. Como é que tu avalias esse primeiro ano de governo Lula nessa questão da agenda antirracista?

Laura Sito: Sem sombra dúvidas, é histórica atuação do governo do presidente Lula na agenda antirracista. Primeiro, pelo ponto de vista simbólico. Nós iniciarmos um governo tendo um Ministério da Igualdade Racial, não uma secretaria de políticas, mas um Ministério da Igualdade Racial e um Ministério dos Povos Indígenas é também uma resposta muito contundente ao que nós vivemos no Brasil na última década, de maneira especial, mas também é uma ação material do compromisso que nós temos com essa agenda. Então, ter criado os ministérios, ter uma primeira ministra indígena, que é a Sônia, ter a Anielle, que representa também pela morte da Marielle a forma como os setores conservadores enxergam de qual é o nosso espaço, que nós não temos direito a ter o acesso ao microfone, à palavra, condição de disputar de igual para igual os rumos do País e das nossas cidades. Então, é muito simbólico isso. E a gente poder ter arrancado com a agenda dos povos indígenas, especialmente do povo Yanomami, e nós termos arrancado com a renovação da política de cotas, para mim elas já demonstram em um ano o quão central esta agenda é do governo.

E, agora, no próximo período, nós vamos ter ainda um avanço maior nesse debate — mais complexo, mas maior — que é o combate ao extermínio da juventude negra. Nós lançamos o Juventude Viva, que é um programa que está sendo estruturado pelo Ministério da Igualdade Racial junto com a Secretaria Nacional de Juventude. Fizemos inclusive, aqui na Assembleia, pela Comissão de Direitos Humanos, que eu presido, o lançamento de uma força tarefa que vai atuar fazendo o monitoramento desses casos. O Brasil está entre os cinco países do mundo que mais matam jovens de maneira violenta, quase 80% desses jovens são negros. Então, nós temos aí um um tema fortíssimo e que aqui em Porto Alegre não difere.

Sul21 — A gente teve recentemente vários casos que são emblemáticos do que a gente precisa avançar ainda no País. Tivemos em Porto Alegre, o caso do Everton, entregador que sofreu uma facada no bairro Rio Branco e foi tratado como agressor. E depois tivemos, aí não envolvendo a polícia, o caso do porteiro agredido por um morador, também no bairro Rio Branco. Dois casos emblemáticos de agressão com vítimas negras. Como tu viu a condução do caso pelo governo e pela Brigada Miliar, no caso do Everton?

Laura Sito: Primeiro, nós precisamos de uma premissa que não há como nós termos um debate sério sobre enfrentamento do racismo no Brasil sem fazer um debate profundo sobre segurança pública. A estrutura de segurança pública que nós temos hoje no Brasil reproduz as desigualdades estruturais que nós temos, e bebe no período mais trevoso que nós tivemos, que foram os 21 anos de ditadura militar. Então, precisamos partir dessa premissa, nós precisamos ter um debate profundo sobre segurança pública para que nós possamos ter condições de enfrentar o racismo estrutural que nós temos no nosso País.

Eu acompanhei o caso do Everton, ele foi na comissão Cidadania e Direitos Humanos, eu acompanhei o depoimento dele na Corregedoria da Brigada Militar, eu acompanhei online a coletiva de imprensa do comandante-geral da Brigada Militar, eu não tenho nenhuma dúvida de que foi equivocada a ação da Brigada Militar perante o caso do Everton, não tem nenhuma dúvida disso. Inclusive, na minha avaliação, na própria coletiva de imprensa, o corregedor, coronel Vladimir Luís Silva da Rosa, ao relatar a cena, ele mais uma vez ratifica essa minha visão. O que o coronel Vladimir falou na coletiva? Que a Brigada Militar foi chamada e, ao chegar, depois da cena da facada, então não teria como saber quem tinha desferido a facada, atuou para apaziguar os ânimos que estavam exaltados e tinham muitas pessoas em volta falando coisas variadas ali e causando uma certa perturbação. Então, o que a Brigada Militar fez foi conter a cena. Essa foi a explicação do coronel. Ok, mas o que isso significa? Isso significa que a Brigada chegou lá sem ter a informação de quem tinha desferido a facada, pensou em apaziguar a situação e fez o quê? Deteve o Everton, não o Sérgio. Tinha muitas pessoas em volta falando várias coisas mesmo, e o que essas pessoas falavam? ‘Olha, vocês estão levando o cara errado’. ‘O cara que fez a facada foi o outro, não foi ele’. Ao mesmo tempo, deu tempo do Sérgio rir conversando com a policial, largar a faca, subir no apartamento para pegar a camisa. E o resultado objetivo é que o Everton saiu de lá no camburão e o seu Sérgio saiu no banco de trás, no ar condicionado. Então, se isso não escracha um equívoco do método do processo da Polícia Militar, eu não sei o que o que difere. Infelizmente, a polícia investigou a polícia e viu que a polícia não tinha feito nada errado.

Sul21 — Tu acha que é por isso que é tão difícil a gente ter mudanças nesse tipo de abordagem?

Laura Sito: Com certeza. Nós fizemos em novembro, em uma audiência pública na Assembleia, um debate sobre letramento racial para os polícias, inclusive com o coronel Vladimir, ele estava na nossa reunião. E debateu o de maneira muito respeitosa, muito qualificada, inclusive, o tema. Com muita seriedade ele debateu sobre o tema. E alguém que falou como ele falou, como ele topou de maneira aberta refletir sobre o tema, e a forma como foi encaminhada a sindicância da Brigada, demonstram que uma coisa é tu falar de temas hipotéticos. Quando tu fala em um nome que tem CPF e tal, rola um corporativismo muito profundo. E, nas corporações que são militares, isso é mais aprofundado pela hierarquia, entra dentro do bojo da polarização que toma conta do Brasil. Então, tem moção de puro proselitismo político da Assembleia Legislativa de defesa dos policiais militares. Nós não atacamos a Polícia Militar, eu inclusive considero uma instituição importante, ninguém defende a abolição da polícia, pelo menos no momento que nós vivemos agora. Há quem faça do ponto de vista do debate jurídico, mas no atual momento não há nenhum questionamento sobre a existência da Polícia Militar, há um questionamento sobre aquela cena que nós sabemos que é uma cena que se reproduz em muitos momentos. Nem todos os lugares, infelizmente, nem todos os momentos, se tem a oportunidade de ter um celular gravando. Então, bom, nós precisamos apurar isso. Teve uma pesquisa que saiu no início do ano passado, do escritório da ONU, que mostra mais de 70% das abordagens policiais na Região Metropolitana de Porto Alegre são de jovens negros e tatuados. Bom, nós temos uma questão aí. E o comandante-geral da Brigada, o coronel Feoli, ao ser questionado sobre essa pesquisa, ele dizia assim: ‘Isso é mentira, porque 60% das apreensões que nós fazemos na região metropolitana são de pessoas brancas, então não há racismo, não é verdade isso’. Aí eu fico pensando: ‘Mas as pessoas negras são 20%’. Então, qualquer forma, 40% são de pessoas negras, há igual uma desproporção. Isso significa que são estão prendendo vários inocentes? Não estou afirmando isso, não sabemos o que é exatamente, por isso que nós precisamos tratar, se há uma disparidade tão grande na representação, para que nós possamos tratar adequadamente de reverter isso, porque isso demonstra que há uma política de encarceramento majorada sobre a população negra. Isso precisa ser tratado do ponto de vista das políticas públicas, inclusive de talvez poder trabalhar não só sobre a ação da Polícia Militar, mas também do ponto de vista das políticas sociais que possam fazer com que a vida dessa juventude tenha outras possibilidades, outras histórias a serem contadas.

Sul21 — Falando de política municipal. Nós tivemos recentemente o anúncio do PSOL de apoio à pré-candidatura da deputada Maria do Rosário à Prefeitura de Porto Alegre. Como presidente municipal do PT, tu esteves envolvida nessas negociações. Como está o cenário por parte do Partido dos Trabalhadores para a disputada da Prefeitura de Porto Alegre?

Laura Sito: Nós estamos muito felizes com que nós estamos construindo aqui em Porto Alegre. A gente passou por diversos eleições onde o chamado à unidade da esquerda era sempre colocado na mesa, mas com dificuldade de se concretizar. Não por falta de esforços de várias partes, mas por dificuldades diversas de se materializar. Isso fez com que, em vários momentos, nós atrasássemos muito a definição das nossas táticas eleitorais pela tentativa de concertação política. Hoje, em 2024, nós temos a possibilidade de iniciar o ano já com a unidade muito costurada. Além da nossa federação, PT, PCdoB e PV, um diálogo com uma aliança já firmada com a federação PSOL e Rede. A aprovação do PSOL de retirar o nome da Luciana e já aprovar o apoio ao nome da Maria do Rosário consolida essa nossa aliança. Claro que agora tem ainda o processo de nós oficializarmos isso na nossa federação, estamos em diálogos com PV e com o PCdoB para que possamos ao longo do mês de março também fazer a oficialização na nossa federação, mas tá tudo muito encaminhado para que nós possamos ter uma unidade histórica. Lembremos que nós e o PSOL nunca estivemos juntos numa eleição em Porto Alegre. O PSOL teve candidatura em 2008 com a Luciana, em 2012 com o Roberto, em 2016 com Luciana, em 2020 com a Fernanda, daí estivemos juntos no segundo turno apoiando a Manuela, do PCdoB. Agora podemos estar juntos já desde o primeiro turno.

E temos ainda feito um diálogo muito intenso com o PDT e com o PSB para que nós possamos construir as condições de estar juntos. Não sabemos ainda se teremos essas condições de estarmos juntos no primeiro turno, mas, se estivermos juntos, seria mais histórica ainda. Porque nós e o PDT, por exemplo, nunca estivemos juntos em Porto Alegre numa eleição. No final dos anos 80 e nos anos 90 nós polarizávamos uma posição em Porto Alegre e no Rio Grande. Tanto que o Collares foi sucedido pelo Olívio, tínhamos essa tensão. E depois, por outras variáveis, outras alianças que ocorreram a posterior disso. Então, nós estamos caminhando para uma arrancada virtuosa. Nossa candidata é a deputada Maria do Rosário, ex-ministra, já concorreu a prefeita, foi muito bem na sua eleição, inclusive indo para o segundo turno com o Fogaça na época. Nós estamos muito contentes com o que nós apuramos nas nossas pesquisas, é uma candidatura extremamente competitiva, mas será uma eleição peleada como não poderia ser diferente em Porto Alegre.

Sul21 — Por que vocês acreditam que essa eleição será diferente das últimas cinco que a esquerda perdeu em Porto Alegre?

Laura Sito: Primeiro, ela pode ser diferente porque o projeto deles chegou no esgotamento. Eu sintetizaria os 20 anos onde o PMDB estrutura uma agenda em Porto Alegre de desenvolvimento, ainda que ela já tenha tido momentos mais progressistas. como quando era a coalizão com PDT e o Fortunati era prefeito, ainda que em um momento que eles tivessem mais ou menos na oposição, como foi no governo Marchezan, mas a lógica de desenvolvimento de cidade se mantinha a mesma.

Sul21 — Era um consórcio de partidos de direita, em que se trocou a cabeça, mas a base de apoio foi sempre a mesma.

Laura Sito: Como eles gostam de dizer, é a Agenda do Parcão sobre a cidade. Então, é uma visão de desenvolvimento de Porto Alegre calcada na exclusão social, eu sintetizaria dessa forma. Porque eles têm uma visão de desenvolvimento da cidade, mas é uma visão que exclui a maior parte da cidade, que entrega o filé da cidade para a especulação imobiliária, que desarranja a participação social, com a destruição do que foi o orçamento participativo, com um ataque sistemático às políticas educacionais. A rede municipal de Porto Alegre, que já foi de excelência para o Brasil em educação pública, se mantém porque seus profissionais são extremamente compromissados com ela, mas há um ataque sistemático por parte da administração municipal à rede. Há um avanço no desmonte da saúde pública no município de Porto Alegra, iniciada lá no governo Fogaça e que vem se aprofundando ao longo de um período. Mas chega num esgotamento em que a população já não aguenta mais e acho que o último temporal deixou isso escrachado. E, combinado a isso, há uma geração que só viveu isso e que quer viver outra coisa. Eu faço parte dessa geração, eu tenho 32 anos, a minha geração é uma geração que só viveu os governos liberais em Porto Alegre, só tem lembranças dos governos liberais em Porto Alegre.

Sul21 — Tu acha que a população que não acompanha o dia a dia da política consegue agrupar todas essas gestões, como a gente fez agora, dentro de um consórcio de partidos de direita, como uma agenda do Parcão?

Laura Sito: Isso vai se dar no debate político, porque, obviamente, as pessoas que não estão no dia a dia da política não passam tanto tempo analisando todo o processo, a maior parte das pessoas.

Sul21 — Porque, assim, Porto Alegre rejeitou o governo Fortunati no final de sua gestão e rejeitou a condução do Marchezan, mas, de qualquer forma, permaneceu o mesmo grupo no poder.

Laura Sito: É porque política tem uma questão da pessoa muito forte. Mas eu também vejo a eleição do Melo em 2020 sob dois aspectos interessantes. O primeiro era um esgotamento muito profundo inclusive da figura do Marchezan na frente da sua gestão. Então, mesmo setores mais conservadores que não apoiaram o Marchezan, não era porque achavam que a sua agenda estava equivocada, mas porque discordavam da sua forma de gestão. E o segundo porque o povo porto-alegrense ficou com um sentimento de que, se tivesse elegido o Melo, teria sido menos pior que o Marchezan. E aí a eleição do Melo foi quase um pedido de desagravo ao que foi produzido em 2016. Só que daí chegou o Melo 2.0, que não é mais um Melo que fazia a mediação, o bonachão do chapéu de palha — o chapéu de palha passou a ser só um instrumento para os vídeos do YouTube –, mas o Melo do dia a dia é o Melo do Ricardo Gomes, é o Melo que destrói os espaços públicos, que não deixa a gurizada ter um espaço para poder curtir, que é violento com a Guarda Municipal, transformando numa guarda pretoriana, é o Melo que desestruturou as unidades básicas de saúde com o avanço da terceirização, é o Melo da corrupção na educação. Então, é um Melo que parece menos sensível às causas populares. Em 2024, além do balanço dos 20 anos, também vai ser um balanço de ‘Bom, o Melo me enganou? Eu comprei um Melo e levei outro?’ Quem está no dia a dia da política sempre soube que o Melo teve esses compromissos, mas, realmente, nessa gestão ele deu uma radicalizada. E a sua opção pelo bolsonarismo, que ele vai tentar disfarçar nas eleições de 2024, foi também uma opção de consolidar a aliança desses setores anti povo. E não sei como ele vai se livrar disso, porque esse pessoal tá agarradinho ali com ele e ele não vai poder dizer que não estava em trio elétrico pedindo voto no Onyx e no Bolsonaro.

Sul21 — A Maria do Rosário é deputada federal de vários mandatos e foi, digamos, a paciente número 1 do ódio bolsonarista. Por mais que o Melo tente não partir para esse tipo de ataque contra a Rosário, eu tenho certeza que os aliados dele não vão conseguir se controlar. A gente viu na eleição passada, contra a Manuela, o caminhão de som dizendo que porto-alegrense ia comer cachorro. Eles vão falar absurdos durante a campanha, porque faz parte da linha deles. Como o PT está prevendo lidar com isso e como tu imagina que esse componente vai entrar na campanha? Se o bolsonarismo não vai estar presente oficialmente, por baixo dos panos vai entrar muito na campanha.

Laura Sito: Nós não temos nenhuma dúvida de que o gabinete do ódio vai atuar nas eleições, como atuou em 2020. A rejeição que eles tentam constituir, baseada em diversas fake news contra a Rosário, não é diferente das que eles tentam construir sobre todas as figuras grandes da esquerda. Foi assim na reeleição do Tarso em 2014, lembremos dos últimos programas de TV da direita, de que eles vão destruir o Rio Grande. Não foi diferente da campanha da Manuela em 2020. Se fosse a Luciana a candidata, não seria diferente, a prova disso é a perseguição que ela e o Pedro Ruas vem sofrendo por defender a causa da Palestina. Então, a sistemática é a mesma. Como é que nós podemos vencer essa narrativa? É enfrentando essa narrativa. Acreditar que recuar para ter talvez alguém menos conhecido ou para fugir não adianta, porque daí eles vão só jogar as teorias deles sobre essa nova pessoa. Então, nós precisamos enfrentar essa narrativa com verdade, com trabalho de base, com militância, com presença nas redes sociais e tendo uma narrativa assertiva sobre o que eles representam. O resultado do presidente Lula em Porto Alegre nos enche de esperança, obviamente, lógico que nós sabemos que o presidente Lula tem uma dimensão maior que qualquer figura de esquerda que nós temos em Porto Alegre, talvez o mais próximo dessa representação seria o Olívio. Mas o presidente Lula ter feito 51% no primeiro turno, 54% no segundo turno, nos demonstra que Porto Alegre tem hoje uma maioria progressista. E que quem vai definir essa eleição é esse cidadão médio, digamos assim, que pode ter votado no Bolsonaro em 2018, mas que votou no Lula em 2022, que já pode ter votada na Dilma em 2010, mas que não votou em 2014. Esse cidadão médio que nós vamos disputar e a esse cidadão médio que o Melo vai dizer que, na verdade, sempre foi favorável à vacina e à ciência, e aí vai ser da disputa política, do debate político.

Sul21 — Uma crítica que se faz à esquerda há muito tempo é sobre a questão da dificuldade de renovação dos nomes, especialmente para as chapas majoritárias. Como é que tu vê essa crítica nesse momento em que a candidata é a Maria do Rosário, já bastante conhecida, e que, por exemplo, a gente teve como um dos principais movimentos políticos aqui no Estado, pela esquerda, a bancada negra.

Laura Sito: Eu, obviamente, inclusive por fazer parte desse movimento de transição geracional, acho um debate não só legítimo, como necessário. E, inclusive, fortaleço ele dentro do PT, por exemplo. Para nós, foi muito importante o Edegar [Pretto] ter sido nosso candidato a governador em 2022. O Edegar também representa essa transição de um partido que tem 44 anos e que teve dois governadores que são nossas duas maiores figuras, o Tarso e o Olívio, que têm uma representatividade muito grande e que sempre é um clamor da nossa militância para que eles se apresentam para concorrer, o que é natural. Mas também, para nós, era importante construir novos quadros, apresentar novas figuras. Tivemos um resultado que poderia ter sido melhor, e foi muito bom, nós poderíamos talvez ter derrotado o Onyx com um projeto não privatista para o governo do Estado, não ter reelegido o Leite. Então, isso é prova que o processo de transição ele é necessário. Em Porto Alegre, a Rosário nunca teve oportunidade de governar e ela se apresentou nesse momento com muita humildade a partir de um cenário onde Manuela disse que não colocaria o nome à disposição, não se apresentaria para concorrer. Foi nossa candidata em 2020, fez uma boa votação, de 45%. E numa eleição onde nós vamos enfrentar um candidato que é extremamente conhecido, candidato que é prefeito, mas além de ser prefeito, alguém extremamente conhecido na cidade, identificado com a cidade, com uma proximidade popular muito forte. Então, nós termos que construir um quadro para enfrentá-lo, seria um processo que talvez nos prejudicaria ainda mais de poder fazer a disputa que é necessário ser feita nesse momento. Segundo, nós precisamos de uma figura que fosse identificada com o presidente Lula. Nós acreditamos que um dos nossos principais bastiões nessa eleição, não só em Porto Alegre, mas no Brasil, é o presidente Lula.

Sul21 – O Lula vai participar da campanha?

Lara Sito: Sem sombra de dúvidas, sem sombra de dúvidas. Então, assim, o presidente Lula vai jogar o processo de 2024, vai estar atuando especialmente sobre as capitais. A nossa presidenta Gleisi [Hoffmann] tem dialogado reiteradamente com o presidente Lula sobre o mapa do Brasil, das eleições pelos estados. Então, também ser um nome forte, que inspire a confiança do Palácio do Planalto, que o presidente Lula conheça, que nos possibilite dialogar e construir uma aliança mais ampla em torno, era fundamental. Isso, na minha avaliação, não invisibiliza e nem impede que nós também tenhamos conjuntamente um processo de transição. Eu acredito que a reflexão do PSOL de apresentar o nome da Tamyres para vice é dentro desse diálogo. Uma jovem negra, sindicalista, que também representa esse movimento, de certa forma, para poder contemplar, compor esse processo. Eu acredito que nós estamos conseguindo caminhar de uma forma que nós consigamos combinar todas as coisas.

Sul21 — Tu acha que essa eventual chapa vai conseguir, digamos, mobilizar os segmentos da sociedade que, não é que não votavam na esquerda antes, mas que se engajaram mais nas eleições parlamentares da bancada negra? Esse movimento vai conseguir trazer esse engajamento para a chapa da Tamyres e da Maria do Rosário?

Laura Sito: Bom, o nosso papel enquanto Bancada Negra é atuar fortemente para construir isso. Eu tenho conversado muito com todos companheiros da Bancada Negra e todo mundo está compromissado de estar no processo eleitoral. Independentemente de posições que possamos ter tido divergentes sobre a forma tática de construção da chapa, não há nenhuma dúvida para nenhum de nós de que derrotar o Melo é central, não só para o nosso campo, mas para a cidade. E todos nós estaremos na linha de frente da campanha para construir isso. Essa frase eu ouvi da Bruna, do Matheus, da Daiana, da Karen, da Reginete. Nós temos esse compromisso muito claro pra todos nós e vamos atuar fortemente nisso. Então, o eleitor que depositou em nós a confiança da transição da representação, do debate racial, nos terá também na linha de frente desse processo.


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