Entrevistas
|
19 de janeiro de 2024
|
09:48

Melo: ‘Se tem 100 mil apartamentos vazios, é o capitalismo, não vou intervir’

Por
Sul 21
[email protected]
Melo recebeu a reportagem do Sul21 em seu gabinete para uma conversa de 40 minutos. Foto: Willian Correa/Sul21
Melo recebeu a reportagem do Sul21 em seu gabinete para uma conversa de 40 minutos. Foto: Willian Correa/Sul21

Luciano Velleda e Luís Gomes

Na terceira parte da entrevista que Sebastião Melo (MDB) concedeu com exclusividade ao Sul21 na última terça-feira (16), o prefeito de Porto Alegre aborda o tema do Plano Diretor, em debate na Capital atualmente. Interrompido em 2020 devido à pandemia do novo coronavírus, o assunto tem atraído a atenção da sociedade pela sua importância em estabelecer as regras urbanísticas que regerão a cidade pelos próximos anos. 

Leia mais:
Melo: ‘Quem não estiver preparado para crises, não pode ter sucesso em cadeira de prefeito’
Melo diz que já tem apoio de PL, PP e PRD à reeleição, mas só decidirá se concorre em abril

Após muita polêmica em torno da manutenção dos conselheiros eleitos em 2018, cujo mandado deveria ter sido encerrado em 2020, mas foi seguidamente estendido, uma decisão judicial obrigou a Prefeitura a finalmente realizar a eleição dos novos membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), órgão que tem a responsabilidade de discutir o novo Plano Diretor. 

Na conversa, Melo reforçou sua crença de que é preciso verticalizar a cidade, ou seja, construir prédios mais altos e em regiões onde já exista infraestrutura urbana. Confrontado com a ponderação de que os imóveis oferecidos pelo mercado imobiliário nestas regiões são muito caros e inacessíveis para a população de menor renda, o prefeito reconheceu o problema e disse que a solução passa pelo apoio dos governos federal e estadual. “Se não tiver uma política de subsídio nos entes federados, não tem outro caminho”, afirmou.

O alto valor dos imóveis é uma faceta do problema, mas não é a única. Segundo o último censo do IBGE, Porto Alegre tem, atualmente, 101 mil imóveis vazios. A verticalização defendida pelo prefeito, combinada com o preço elevado, pode criar uma cidade com ainda mais apartamentos vazios, comprados por investidores para servir a propósitos financeiros e não habitacionais. 

“Eu respeito o mercado. Se tem alguém que tem 100 mil apartamentos vazios e não tá ganhando com isso, é culpa do capitalismo. Não sou eu, o prefeito, que vou intervir nisso”, afirmou o prefeito.

Leia os principais trechos da entrevista:

Sul21: O senhor fala do conceito de construir cidade de modo que as pessoas vivam em áreas onde já existe infraestrutura urbana. Como a prefeitura está vendo essa questão agora na revisão do Plano Diretor?

Sebastião Melo: Primeiro, o Plano Diretor é a lei mais importante de uma cidade, com todo respeito à lei orgânica e todas as outras milhares de leis produzidas ao longo da história, porque ele regula o solo urbano de que cidade eu quero. Segundo, não tem plano diretor ideal em nenhum lugar do mundo, porque ele mexe com interesses das mais diversas maneiras, econômicos, sociais e urbanísticos. O plano que está em vigência hoje vem de 1999, quando o Raul Pont era o prefeito, e estamos na segunda revisão do plano. Eu presidi parte da revisão em 2009, quando era presidente da Câmara. 

Não acho errado revisar o Plano Diretor depois da pandemia, enfrento essa discussão com muita tranquilidade, porque acho que a cidade que nasceu depois da pandemia é outra, do ponto de vista do trabalho em casa, do ensino à distância. Tudo isso tem que levar em conta no Plano Diretor porque é o plano da habitação, da logística, da mobilidade urbana, é o plano urbanístico. Defendo que nós deveríamos dar mais condições habitacionais, para todas as classes sociais, onde tem equipamento público. Se eu tenho equipamento público ou ele pode estar ocioso, posso aumentar o posto de saúde e não fazer um posto de saúde novo, aumentar a creche e não fazer uma creche nova, aumentar a rede d’água e não fazer uma rede d’água nova, aumentar a carga elétrica e não fazer uma rede nova. 

Vamos pegar o caso do Centro Histórico: o Centro histórico tem condições de acolher 90 mil pessoas e hoje tem só 45 mil pessoas. A mudança urbanista que temos aqui, agora começa a brotar alguns resultados. Tô vendo muita gente transformar escritório comercial em apartamento e acho que esse assunto deveria ser analisado em toda cidade porque vejo hoje escritórios fechados, porque o cara trabalha em casa ou foi trabalhar na praia. Não tem escritório fechado só no Centro. Eu tava pronto para mandar o Plano Diretor esse ano. Os conselheiros acordaram que iam terminar o debate do Plano Diretor e depois fazer eleição. Alguns conselheiros mudaram de ideia no caminho, se fez uma representação na Justiça, se entendeu de fazer a eleição e nós estamos no processo de eleição. Pretendo mandar a revisão do Plano Diretor assim que terminar a eleição (municipal). 

Vamos terminar a eleição (do Plano Diretor) no final de fevereiro. Aí vai haver a discussão daqueles atos praticados antes, a juíza vai entender se tem que ser refeitos ou não, aí já podemos estar em agosto e tem eleição (para prefeito) em outubro. Então vou mandar depois da eleição.

Sul21: O senhor fala que a solução é verticalizar a cidade, mas, na prática, é muito caro morar nas regiões que já tenham infraestrutura urbana. Como fazer com que essa verticalização, o adensamento urbano, realmente traga as pessoas para morarem em áreas com melhor infraestrutura, ao mesmo tempo em que o mercado oferece opções de imóveis muito caros?

Sebastião Melo: Não é uma tarefa fácil. A pergunta é bastante consistente. Um dos eixos da discussão do Plano Diretor trata desse tema, que é como diminuir o valor da terra para ter habitação. Por exemplo, vou destinar aquele prédio da Andradas, que foi ocupado, perto da Santa Casa, para moradia popular aqui no Centro. O mercado é o mercado. É verdade o que você está dizendo. Os apartamentos são muito caros, a terra é muito cara. Se não tiver uma política de subsídio nos entes federados, não tem outro caminho. O mundo faz vários modelos, faz habitação popular, locação para estudantes, é um processo muito comum. O Quarto Distrito agora está fazendo apartamentos de 35 m², com coworking para ter espaços comuns. Acho que cada vez mais o mundo está virando para isso, mas se não tiver subsídio de dinheiro público para as classes populares, não tem saída.  

Agora isentei, por exemplo, 13 mil economias que não pagarão mais IPTU. Peguei uma lista onde tem regularização fundiária, Minha Casa Minha Vida e deu 13 mil famílias. Fiz uma remissão para trás de possíveis dívidas e não pagarão mais daqui pra frente. É uma maneira de contribuir com aquele cidadão que pouco tem, aquele pouco que ia pagar de IPTU, agora pode melhorar a casinha dele. Pode ter vários modelos, mas sem dinheiro público, o cidadão comum não tem acesso à moradia. Se ele for para o mercado, o cara de baixa renda simplesmente não tem como.

Sul21: Então, sem o subsídio, a verticalização pode ter como efeito prático mais apartamentos vazios ou mais apartamentos comprados para investimento. Já vivemos numa cidade com muitos apartamentos vazios, o último Censo apontou cerca de 100 mil imóveis vazios.

Sebastião Melo: Eu respeito o mercado. Se tem alguém que tem 100 mil apartamentos vazios e não tá ganhando com isso, é culpa do capitalismo. Não sou eu, o prefeito, que vou intervir nisso. Vejo muitos licenciamentos aconteceram, apartamentos sendo vendidos e outros pode acontecer o que você está dizendo. Enquanto for prefeito, vou trabalhar para ter subsídio para moradia popular. Agora, se tem gente que vai comprar apartamento de um milhão, de dois milhões, de três milhões ou de R$ 400 mil, isso é o mercado que resolve, não me compete intervir. 

Tenho pra mim que a liberdade econômica dialoga profundamente com a questão social. Enquanto gestor local, estarei em todas as frentes para trabalhar naquilo que eu puder botar recurso. Por exemplo, o bônus moradia, nós pulamos de R$ 73 mil para R$ 127 mil,  R$ 132 mil. “Ah são 280 famílias…”, mas bom, são 280 famílias que adquiriram sua casa com dinheiro municipal. Botamos R$ 15 milhões para a compra compartilhada, que são os R$ 15 mil para entrada (do imóvel) que vai atingir mil pessoas. Agora, volto a dizer,  independente de cor partidária e ideologia, quem detém o maior orçamento do Brasil é a União e, se não tiver uma política nacional sobre esse tema, não tem saída.

Sul21: O mercado não tem a preocupação de como vai ser a cidade daqui a 20 ou 30 anos. Não tem como a Prefeitura, se não regular, mas pressionar esses agentes imobiliários para oferecerem moradia popular como contrapartida dos seus grandes empreendimentos?

Sebastião Melo: A Prefeitura regula o solo urbano. Isso é papel da Prefeitura. Agora, a Prefeitura não regula o mercado e não é o papel da Prefeitura. Então, veja bem, vou pegar um exemplo: se o governo federal pegar os prédios do INSS, os prédios da União e o Estado também, eu topo incluir os do município. Pegar todos os prédios que tiver aqui no centro e vamos transformar em moradia popular, eu topo essa parada, topo agora. Agora, depois dessa mudança urbanística, vejo apartamento de R$ 160 mil aqui no Centro, que são escritórios que foram transformados.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora