Geral
|
25 de outubro de 2023
|
16:09

Justiça suspende funcionamento do CMDUA e determina eleição de novos conselheiros

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Última eleição de conselheiros do CMDUA ocorreu em 2018. Foto: Eduardo Beleske/PMPA
Última eleição de conselheiros do CMDUA ocorreu em 2018. Foto: Eduardo Beleske/PMPA

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou a suspensão do funcionamento do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e a realização de eleição dos novos conselheiros em até 90 dias. A decisão, em caráter liminar, atende a uma ação popular movida contra a Prefeitura de Porto Alegre por ter prorrogado sucessivamente os mandatos dos atuais conselheiros, que deveriam ter terminado em 2020.

Na decisão, a juíza Andreia Terre do Amaral, da 3ª Vara da Fazenda Pública, pondera que a primeira prorrogação ocorreu em julho de 2020, no contexto dos primeiros meses da  pandemia da covid-19, devido à inviabilidade de se realizar o processo eleitoral naquelas circunstâncias. Os mandados dos conselheiros foram então estendidos até 31 de dezembro de 2020.

O problema apontado pelos autores da ação é que novas e sucessivas prorrogações de mandato ocorreram, já sob o governo do prefeito Sebastião Melo (MDB), em 2021 e, mais recentemente, em dezembro de 2022, esticando até o dia 31 de dezembro de 2023 mandatos que deveriam ter terminado em 2020.

Na decisão, assinada no última dia 20 de outubro, a juíza destaca que já ao final do ano de 2021, com a redução no número de infecções e mortes, houve o relaxamento das normas de isolamento, que foram aos poucos substituídas por regras mais brandas de distanciamento social e de monitoramento, permitindo o retorno da circulação normal de pessoas nas suas atividades comerciais, esportivas e de trabalho.

“Não mais subsistia, a partir daí, normas que fossem rigorosamente aptas a impedir a realização de eleições, tanto que, de fato, foram realizadas as eleições regulares em 2022 para escolha dos representantes em cargos eletivos (Presidente da República, Deputados Federais e Estaduais, Senadores e Governador), inclusive em dois turnos, na forma da lei eleitoral”, assinala a magistrada.

A juíza salienta que a última prorrogação dos mandatos, feita por meio de portaria, foi publicada no dia 26 de dezembro de 2022, quando “não mais havia razão para postergar eleições sob justificativa de crise sanitária (pandemia)”.

“E, nesse contexto, basta que se reitere que a necessidade de eleições periódicas está prevista em lei complementar que regulamenta o conselho, não se tendo informação de norma que tivesse expressamente autorizado a quebra desta obrigação legal, ainda que por vontade da presidência e por portaria municipal”, afirma a juíza.

“Ademais, há, de fato, expressa previsão em norma legal (LC 434/99 – PDDUA), inclusive se tratando de uma lei complementar – que, por sua força normativa, possui peculiaridades próprias e procedimento diferenciado de elaboração – estabelecendo claramente a renovação bienal, cujas eleições devem ocorrer em fóruns específicos e em plenárias da comunidade e do orçamento participativo (artigo 40 / evento 1, OUT26)”, diz trecho da sentença. “Logo, impor prorrogações por meio de portarias, desconsiderando a previsão de necessidade de processo eleitoral, é uma circunstância que vem a corroborar a probabilidade do direito alegado, no sentido da presença de invalidade quanto à competência e ao vício de forma.”

Em sua decisão, a juíza Andreia Terre do Amaral enfatiza não ter havido justificativa nos dois últimos atos de prorrogação dos mandatos dos conselheiros do CMDUA, “por meio das quais se pudesse avaliar a legitimidade da quebra da exigência legal de eleições periódicas, o que denota uma aparente ausência de motivos para o ato, a evidenciar a possibilidade de se reconhecer a nulidade pleiteada”.

Em nota, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) informa que recorrerá da decisão. A pasta reconhece que, num primeiro momento, a prorrogação dos mandatos dos conselheiros do CMDUA se deu em função da crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, mas que depois, a extensão dos mandatos foi motivada para que “não houvesse prejuízo” no processo de revisão do Plano Diretor.

“Após esse período, a prorrogação dos mandatos foi discutida em reuniões ordinárias do órgão, consultada e construída em comum acordo com a maioria dos integrantes do Conselho para garantir que não houvesse prejuízo ao processo de revisão do Plano Diretor, já que se trata de um processo complexo que exige ampla compreensão por parte dos representantes da sociedade. Entendemos que não seria apropriado, no transcurso da revisão, fazermos uma nova eleição, já que atuais conselheiros estão preparados para conduzir esse importante processo”, diz o comunicado do governo Melo.

A Smamus ainda justifica que a opção por prorrogar a atual gestão do CMDUA também ocorre pela intenção de alterar, na nova legislação, o mandato dos próximos conselheiros de dois para quatro anos.

“A suspensão do funcionamento do Conselho e anulação das decisões tomadas pelo referido órgão causarão um imenso prejuízo à cidade que deve se desenvolver de forma atrativa, competitiva e sustentável, impulsionando a diversidade, qualidade de vida, prosperidade com foco nas pessoas, priorizando as comunidades carentes e vulneráveis”, conclui a nota.

A manifestação da prefeitura se choca com trechos da decisão da juíza Andreia Terre do Amaral. Embora o governo Melo diga que a opção por prorrogar os mandatos tenha sido tomada mediante consulta aos conselheiros, a sentença judicial transcreve a fala do conselheiro Mark Ramos Kuschick, representante da Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul (Socecon/RS), na qual disse, em reunião do órgão, ter sido surpreendido com a última prorrogação.

“Eu acompanhei as reuniões durante todo ano e supunha, imaginava, tinha como certo que nós teríamos um processo eleitoral de renovação das representações, conforme prevê a legislação e a estrutura legal que nos coloca em funcionamento. Nós estávamos em recesso e eu fui surpreendido pela portaria de prorrogação dos mandatos até o dia 31/12/2023. Como eu imaginava que haveria eleições me surpreendi, porque nós estamos em um conselho municipal composto por conselheiros e por conselheiras, eu supunha que uma decisão desse porte pelo menos passaria pela decisão conversada, dialogada entre conselheiros e conselheiras deste nosso Conselho. Como isso não ocorre e houve essa recondução, eu acho que isso descaracteriza muito o nosso Conselho na sua função de diálogo. E eu acho que pelo menos nós deveríamos ter realizado uma sessão plenária para discutir esta temática, onde poderia se decidir ou não pela recondução, mas o Conselho teria sido chamado e participado no encaminhamento de alguma decisão. Esse tipo de decisão impositiva que aconteceu fere, no meu ponto de vista, a representação da cidadania em um processo de discussão do nosso Plano Diretor e desabilita o nosso CMDUA”, afirmou Kuschick.

A decisão da juíza também enfatiza que a realização de novas eleições é uma determinação da lei e não uma opção da Prefeitura. A magistrada diz que, a julgar pelos esclarecimentos feitos pelo presidente do CMDUA em sessão realizada em janeiro deste ano, a prorrogação foi necessária para que não se perca “todo aquele preparo que foi dado aos conselheiros”, que atualmente estariam muito capacitados para contribuírem”. A fala levou a juíza a concluir que a prorrogação dos mandatos foi levada ao prefeito Melo e foi acatada. “A iniciativa partiu do atual presidente da comissão com outros conselheiros, sendo, assim, um ato praticado por eles próprios com a ratificação do Prefeito Municipal”, afirma a juíza.

“E, nesse contexto, basta que se reitere que a necessidade de eleições periódicas está prevista em lei complementar que regulamenta o conselho, não se tendo informação de norma que tivesse expressamente autorizado a quebra desta obrigação legal, ainda que por vontade da presidência e por portaria municipal”, salienta trecho da decisão, que continua ao destacar que o cumprimento da lei não é uma escolha do prefeitura: “A propósito, havendo expressa previsão legal de eleições, de forma clara e objetiva, em princípio, não se pode dizer que se estaria diante de um fato que deixasse margem à discricionariedade, mediante um juízo de oportunidade e conveniência da administração pública, como se tal exigência oriunda da lei complementar fosse apenas uma faculdade a ser exercida ou não pelo interesse do administrador”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora