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27 de abril de 2024
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14:07

Lei aprovada por Bolsonaro liberou exigência de alvará a pousadas; vice de Melo é autor de lei local

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Sul 21
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Pousada que pegou fogo na Capital não tinha alvará | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Pousada que pegou fogo na Capital não tinha alvará | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Por Hygino Vasconcellos

Uma lei aprovada em 2019 por Jair Bolsonaro (PL) retirou a exigência de alvará para o funcionamento de pensões. Entre as “beneficiadas” pela mudança na legislação estava a Pousada Garoa, que pegou fogo na madrugada de ontem, causando a morte de 10 pessoas em Porto Alegre. Esse tipo de alvará é diferente do PPCI, que a pousada não possuía.

Conhecido como Lei da Liberdade Econômica, o texto estabelece “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”. Por meio dela, uma série de leis foram alteradas.

Em Porto Alegre, a legislação federal ganhou uma versão local. Entre os três autores da lei está Ricardo Gomes (PL-RS), que hoje ocupa o cargo de vice-prefeito. Em 18 de dezembro de 2019, o político disse em um discurso em plenário que a legislação federal iria promover uma “transformação” no país, que iria “permitir a criação de emprego e renda”. A lei municipal acabou sendo regulamentada por um decreto do prefeito Sebastião Melo, assinado em abril de 2021. Além de Gomes, Felipe Camozzato (Novo) e Pablo Mendes Ribeiro (MDB) são autores da lei municipal.

Autores da lei, Felipe Camozzato, Ricardo Gomes e Mendes Ribeiro comemoram aprovação de projeto. Foto: Ederson Nunes/CMPA

“Não é o Estado, não é a mão pesada do governo que cria emprego e renda, são as pessoas, os indivíduos – todos e cada um dos indivíduos – quando atuam no fenômeno mais social que existe que é a economia livre, onde todos nós podemos atuar”, disse Ricardo Gomes.

Na época, o então vereador Felipe Camozzato (Novo) – hoje deputado estadual – disse que uma das “vantagens” da lei era “impedir que sejam exigidos documentos não previstos em lei”.

“Acreditamos que o Estado não deve representar um obstáculo para aqueles que empreendem e querem ser formalmente empreendedores. Em Porto Alegre, são 57 atividades (…) classificadas como de baixo potencial poluidor (…) que podem ser positivamente impactadas pela lei de liberdade econômica”, disse Camozzato na sessão de 2019.

De fato, a lei federal assinada por Bolsonaro removeu obstáculos. O texto retirou a exigência de alvarás para atividades de baixo risco – na lista estão 298 atividades diferentes nessa classificação. Uma resolução de 2020 colocou nesse rol as pensões – como a Pousada Garoa está registrada na Receita Federal.  Antes essas empresas precisavam de autorização pública para poder operar.

Em coletiva, o prefeito salientou que a pousada Garoa não precisava de alvará por conta da legislação federal.

A Lei da Liberdade Econômica era uma das principais bandeiras levantadas pelo então ministro Paulo Guedes, que criticava a burocracia para a abertura de empresas no Brasil. “Hoje, a pessoa precisa passar por uma junta comercial, pedir alvará, passar por seis ou sete lugares para, depois de oito ou nove meses, conseguir gerar emprego e poder abrir uma empresa”, afirmou em agosto de 2019.

Na Capital gaúcha, a Prefeitura disponibiliza um serviço para consulta de isenção de alvará. Por meio dele foi possível constatar que, de fato, a Pousada Garoa está enquadrada dessa maneira.

 

Consulta na página da Prefeitura confirma isenção de alvará. Foto: Reprodução

“Nós criamos esse sistema pensando no micro e pequeno empreendedor. A autodeclaração permite que ele tenha um documento que comprove o enquadramento do negócio na Lei de Liberdade Econômica, trazendo tranquilidade para que ele exerça sua atividade”, diz o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo e hoje deputado estadual, Rodrigo Lorenzoni (PL), em um texto presente no site.

Porém, para ser considerado de baixo risco é preciso atender algumas exigências, segundo a plataforma. É preciso que o local não possua subsolo com finalidade de uso diferente de estacionamento, ter líquido inflamável ou combustível acima de 1.000 litros ou ter gás liquefeito de petróleo (GLP) acima de 190 kg.

Também é necessário que as atividades sejam exercidas na residência do empresário, titular ou sócio (na hipótese em que a atividade não gere grande circulação de pessoas), ou ser tipicamente digital (de modo que não exija estabelecimento físico para sua operação), ou locar um espaço com no máximo 200 m² e até três pavimentos, com lotação de até 100 pessoas.

A Pousada Garoa não atende, pelo menos, aos dois últimos requisitos, por precisar de espaço físico para o funcionamento e pelo fato do prédio que pegou fogo (e outros da mesma rede) ter quatro andares. A reportagem do Sul21 entrou em contato com a assessoria da Prefeitura para entender melhor o enquadramento da empresa, no entanto, obteve resposta apenas em nota destacando que “a dispensa de alvará para alojamentos, pousadas e pensões está embasada em lei federal”.

O texto enviado à reportagem diz ainda que, desde 2020, a Prefeitura, de acordo com a Lei Complementar 876/20, e a Resolução CGSIM 51/19 (após alterada pela Resolução CGSIM 57/20) adota a liberação do documento para a plena e contínua operação e funcionamento do estabelecimento considerado de baixo risco, sem responder se a pousada Garoa se enquadra nos requisitos específicos da legislação.

Ainda segundo a Prefeitura, “não há necessidade de obter licenciamento prévio na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET)”. Por fim, a assessoria afirma que, “mesmo estando liberado de alvará, o empreendedor deve ter registro na Junta Comercial e cumprir com rigor todas as obrigações legais perante os órgãos fiscalizatórios”.

O site reforça que a dispensa de alvará de localização não desobriga a empresa a atender “normas de prevenção e segurança contra incêndio” ou a “exigências previstas nas legislações aplicáveis à atividade”. A liberação também não isenta o estabelecimento de posterior fiscalização pelos órgãos de controle federal, estadual ou municipal, ressalta a plataforma.

As leis federal e municipal estabelecem que a fiscalização das empresas que se declararam de baixo risco deve ocorrer “posteriormente”. Isso pode acontecer em duas situações: por meio de uma denúncia ou de ofício (por conta própria do órgão público, sem a necessidade de solicitação ou provocação).

Nas redes sociais, após o incêndio, Camozzato reforçou que a Lei de Liberdade Econômica “não exime o proprietário do empreendimento das suas obrigações quanto às normas de prevenção e proteção contra incêndio. Isso, aliás, está EXPRESSO NA LEI”, disse o deputado.

O parlamentar observou ainda que o estabelecimento deve obedecer às leis e o poder público, “nas suas diversas instâncias, deve fiscalizar o cumprimento dessas obrigações”. Camozzato disse que políticos e cidadãos deveriam cobrar investigação para apurar o que o proprietário da pousada deixou de fazer e quem não fez a fiscalização.

O deputado do Novo disse ainda que, “aparentemente”, houve fraude por parte do empresário dono da pousada. Segundo o parlamentar, duas determinações de uma lei estadual foram descumpridas. São elas: ser de baixo risco e ter menos de 200 m².

Além de não ter alvará, a pousada não tinha Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI), que é uma exigência dos Bombeiros.

“Em 2019 houve uma aprovação de projeto para utilização como escritórios, cabendo ao proprietário, à época, executar as medidas de proteção contra incêndio e solicitar a vistoria ao CBM, o que não foi feito”, disse o Corpo de Bombeiros em nota.

A corporação diz ainda que “qualquer alteração de finalidade do imóvel” resulta na abertura de um novo PPCI.


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