Entrevistas
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17 de janeiro de 2024
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17:12

Melo: ‘Quem não estiver preparado para crises, não pode ter sucesso em cadeira de prefeito’

Sebastião Melo, em entrevista exclusiva ao Sul21. Foto: Willian Correa/Sul21
Sebastião Melo, em entrevista exclusiva ao Sul21. Foto: Willian Correa/Sul21

Luciano Velleda e Luís Gomes 

Por volta de 10h30 de uma manhã de sol e algumas nuvens, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), recebeu a reportagem do Sul21 para uma entrevista exclusiva. De seu gabinete, no 17º andar do novo centro administrativo municipal, a vista é privilegiada: enormes janelas de vidro estão posicionadas de frente para o Guaíba, bem diante do Cais Mauá. O olhar alcança o horizonte distante.

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Menos de 12h depois, a capital gaúcha sofreria uma das tempestades mais violentas dos últimos anos. Segundo a empresa de meteorologia MetSul, os ventos passaram de 100 km/h e choveu, em apenas uma hora, metade da média prevista para o mês de janeiro. A tormenta que se abateu sobre a Capital, causando um rastro de destruição, estava prevista. Ainda antes dos microfones serem ligados, perguntado como tinha sido observar a enchente histórica do Guaíba no ano passado do seu gabinete, Melo comentou sobre as previsões meteorológicas que indicavam a chegada de uma forte chuva para terça-feira (16).

Na segunda parte da entrevista exclusiva ao Sul21, Melo comenta como foi ter passado pela pandemia do novo coronavírus e pelos eventos climáticos extremos de 2023, ressaltando ter ciência de que a crise do clima é uma realidade que chegou para ficar em nossas vidas. O prefeito se disse preparado para enfrentar crises, afirmou precisar de recursos federais para reassentar famílias que vivem em áreas de risco, ao mesmo tempo em que defendeu a verticalização da Capital como solução de moradia – ainda que Porto Alegre hoje seja uma cidade com milhares de imóveis vazios e os valores do mercado imobiliário tornem cada vez mais distante o sonho da casa própria, principalmente para as famílias de menor renda.

Confira os principais trechos da entrevista:

Sul21: O senhor assumiu a Prefeitura e pegou a pandemia, com o ano de 2021 bastante crítico e, agora no ano passado, as enchentes do Guaíba. Como foi a experiência do mandato com estes dois eventos históricos?

Sebastião Melo: Estive no Legislativo, presidi a Câmara e depois acho que o meu melhor estágio para ser gestor público foi quando fui vice-prefeito, porque eu fui um vice dedicado. Sempre dizia que quem não estiver preparado para crises não pode ter sucesso em cadeira de prefeito, especialmente em cidades grandes. Porque tudo que dá certo numa cidade, não é atribuição do prefeito, mas tudo que dá errado, é. Ou se atribui ao prefeito. 

Então já vivi várias crises. Como vice-prefeito, ao lado do Fortunatti, a crise da enchente em 2015. Peguei, como prefeito em exercício, aquele tufão que deu em Porto Alegre. E assumimos a Prefeitura no meio da maior crise da história, que foi a pandemia. Então, essa questão climática, a gente precisa ter muita clareza que ela veio para ficar. O trabalho que a gente tem feito é de adaptação, você tem que ir adaptando a cidade.  Mapeamos todas nossas áreas de risco. 

“Ah…mapeou, mas as pessoas continuam lá?” Claro, você não consegue tirar 82 mil pessoas de uma hora pra outra. Acho que o Brasil tem que ter um programa nacional para áreas de risco, levando em conta cada região do País. Você tem que ter uma prevenção melhor, mas tem que ter adaptação da cidade em várias áreas, seja na questão dos alagamentos, da energia, reduzir a poluição que vem especialmente do automóvel, que hoje é 70% da nossa cidade. 

Transferi a Defesa Civil para o gabinete do prefeito, ela estava ligada a Segurança Pública. Contratamos o Climatempo, criamos as microrregiões com medição de clima, porque, às vezes, o que chove no Sarandi não é o que chove no Lami ou no Partenon. E, tentando trabalhar em conjunto com o Governo do Estado, acho que as Defesas Civis devem estar juntas. E uma sala de situação estadual tem uma capacidade maior.

Também reconheço que o Rio Grande do Sul tem suas dificuldades. Os radares que nos servem, um está em Canguçu e outro em Santa Catarina, muito distante da realidade do nosso dia a dia. Nosso sistema para medição de velocidade e quantidade de água também é muito precário ainda. São quatro rios que abastecem o Guaíba e esses rios são abastecidos por dezenas de arroios. Então, quando chove nas cabeceiras dos rios, com a chuvarada de Porto Alegre e mais o vento que trancou tudo, deu no que deu. A gente tem que trabalhar muito esse tema de forma nacional, estadual e municipal. É um tema que não tem volta, a Mãe-Terra foi judiada e está respondendo.

Sul21: De que maneira a enchente histórica do ano passado mudou os planos que o senhor tinha para a Prefeitura nessa área? Acelerou algumas medidas que devem ser tomadas?

Sebastião Melo: Tem muitos remédios para esse processo. Acho que o primeiro remédio, o mais eficiente para combater a questão climática, é você combater a pobreza. A grande transformação urbana que aconteceu no Brasil é da década de 1960 para cá. Você tinha uma cidade com 400 mil habitantes e, daqui a pouco, chegou em um milhão e meio. E como essas cidades cresceram? Cresceram de forma desordenada. As pessoas foram chegando, não tinha cidade, mas tinha pessoas e as pessoas foram indo. A Restinga, por exemplo, em 1972 tinha… sei lá… 20 famílias, hoje tem mais de 100 mil pessoas. 

Esse crescimento desordenado levou a não ter água potável para todo mundo, chegando na hora certa, energia elétrica, o asfalto, as bacias de contenção, a fiação aérea, que é um problema sério. Isso é a vida real da cidade e para você fazer o inverso disso, você tem que ter planejamento e dinheiro. 

E o Brasil adota uma política profundamente equivocada, porque você atribui aos municípios as funções da vida para o cidadão, mas você não dá aos municípios as condições financeiras e você concentra poder político e econômico nas mãos do governo federal. E ninguém quer abrir mão de poder, porque abrir mão de dinheiro é abrir mão de poder.

Para fazer uma governança dessa, você tem que ter uma governança nacional. Tem que ter uma política nacional para áreas de risco. Agora, também não adianta acolher as pessoas em programas dos mais diversos se você também não construir uma governança urbanística para as pessoas não voltarem para aquele local. Porque a regra no Brasil é você acolhe as pessoas que estão na beira do arroio e outras vão para lá depois. Então, tem que ser uma coisa casada.

Sul21: Se existisse dinheiro do governo federal, a Prefeitura teria hoje um plano para a questão das áreas de risco? 

Sebastião Melo: Você para assentar essas pessoas hoje, na cidade de Porto Alegre, só tem um caminho: tem que verticalizar a cidade. Você não tem como construir casas para 80 mil pessoas na horizontal, você tem que adaptar em conjuntos. E aí tem problemas de terrenos. Por exemplo, no Humaitá, dificilmente tu achas hoje um terreno. O Brasil tem políticas aqui e acolá… Agora botei 15 milhões de reais num programa que acho muito interessante, que é você dar 15 mil reais para ajudar na entrada dessas habitações de baixa renda. Porque o Fundo de Garantia, pela Caixa Econômica Federal, já dá um valor de 40 mil ou 50 mil, dependendo da vida do cidadão, pega mais 15 mil, já dá 60 mil e pouco. O Governo do Estado diz que vai fazer também esse caminho, se botasse mais um pouquinho, você tava falando de 90 mil reais. Então, o cara que paga hoje um aluguel de R$ 600,00, ele vai pagar talvez uma prestação menor. E aí tu pega o mercado, com imóveis que já estão prontos. 

Então, não tem um remédio único. Tem o Minha Casa Minha Vida, construções próprias, bônus moradia, moradia social, tem de tudo um pouco. Não dá para dizer que só dessa forma é o certo. O certo é que tem que enfrentar. O Brasil enfrentou, ao longo da história, programas habitacionais sazonalmente. 

Eu diria que tem que fazer cidade e, dentro da cidade, tem que fazer habitações. Porque uma coisa é fazer habitação, outra coisa é fazer cidade. Fazer habitação é tu levar para Restinga, onde o posto de saúde já tá cheio, não tem mais creche, não tem mais ônibus, não tem mais asfalto, não tem mais rede d’água e eu boto mais milhares de pessoas lá dentro. É o que o Brasil fez. Bota mais pessoas e não tem estrutura. Isso é uma política errática urbanisticamente.


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