Porto Alegre prepara Plano Diretor ‘bastante liberal’ sob encomenda de empresários
11 de novembro de 2023
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09:07

Porto Alegre prepara Plano Diretor ‘bastante liberal’ sob encomenda de empresários

Atrasada pela pandemia, revisão do Plano Diretor deve chegar à Câmara prometendo o acesso de todos à cidade, mas fatiando bairros sob interesses restritos
Por
Luís Gomes
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A revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA) de Porto Alegre está atrasada. Na verdade, já estava atrasada na gestão anterior da Prefeitura. A justificativa oficial para o atraso é a pandemia de covid-19. Contudo, alterações já realizadas no regramento urbanístico da cidade nos últimos anos indicam que os planos da Prefeitura, e do setor da construção civil da cidade, não poderiam esperar o “longo e penoso” processo de revisão, que sequer chegou à Câmara de Vereadores no momento da publicação desta série de reportagens.

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O Estatuto da Cidade prevê, em seu artigo 30, que revisões ou alterações de planos diretores municipais devem ocorrer a cada 10 anos. Como a última revisão ocorreu em 2009, uma nova deveria ser realizada em 2019.

A primeira movimentação da Prefeitura, então na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), com relação ao Plano Diretor ocorreu em agosto de 2019, quando foi assinado um memorando de entendimento com a ONU-Habitat para que a entidade prestasse consultoria técnica.

Em dezembro de 2019 foi assinado um acordo de cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em que o órgão receberia cerca de R$ 11 milhões para fornecer subsídios para a elaboração do Plano Diretor.

Com a pandemia de covid-19, em 19 de março de 2020, a Prefeitura determinou a suspensão do processo de revisão do Plano Diretor, com exceção de atividades preparatórias e internas.

Ainda assim, em 30 junho daquele ano, assinou um contrato de financiamento do projeto de revisão, no valor de R$ 10,64 milhões, a serem pagos até 2021, com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). O financiamento teve o objetivo de pagar o contrato firmado com o PNUD.

 

Região central da Capital está no centro das discussões sobre planejamento urbano. Foto: Luiza Castro/Sul21

O processo de revisão só foi retomado em agosto de 2022, já na gestão de Sebastião Melo (MDB). O primeiro evento da retomada foi a exposição “Diagnóstico POA 2030”, organizada pela Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), que assumiu a dianteira do processo. Na ocasião, foi apresentado o cronograma de atividades para a revisão, prevista então para ocorrer em 2023.

Após o evento, teve início a etapa de consulta à população em eventos nas regiões de planejamento (RPs) da cidade. Paralelamente, começou uma consulta pública online. Esta etapa, segundo a SMAMUS, tinha o objetivo de promover a “leitura da cidade”.

Em março de 2023, a secretaria realizou a Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre, com o objetivo de discutir e apresentar moções em sete áreas temáticas a serem posteriormente analisadas pela Prefeitura.

A consultoria Ernst & Young, contratada no âmbito da parceria com o PNUD por R$ 6,5 milhões, apresentou o relatório com diagnóstico da cidade para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) em maio. Em julho, o documento foi exibido no seminário que encerrou a etapa de leitura da cidade. O documento, de 682 páginas, tem o objetivo de subsidiar o debate da revisão do Plano Diretor com informações sobre o território da cidade e as deficiências do atual planejamento urbano.

No evento de julho, um representante da consultoria afirmou que a revisão deve resultar em um Plano Diretor “bem diferente do atual” e defendeu a possibilidade de planos regionais — ao modelo do Centro Histórico e do 4º Distrito (como veremos a seguir) — e de pormenores para áreas especiais.

Entre os dias 7 e 9 de novembro, foi realizado o evento que deveria ser uma das últimas etapas do processo de discussão, a Conferência de Revisão do Plano Diretor. Com a previsão de ter caráter deliberativo sobre estratégias a serem priorizadas na revisão, o evento, no entanto, foi marcado por questionamentos sobre a sua própria legitimidade.

O questionamento decorre de uma decisão judicial que suspendeu o funcionamento do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), órgão que tem entre suas principais atribuições a gestão do Plano Diretor, até a realização de eleição para a escolha de novos conselheiros. Os autores da ação chegaram a peticionar a Justiça para que a realização da Conferência fosse considerada como descumprimento da decisão, mas, a poucos minutos da abertura do evento, a juíza Andreia Terre do Amaral, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, autorizou a realização. De outro lado, vedou que decisões a respeito do Plano Diretor fossem tomadas.

No primeiro dia da Conferência, a consultoria Ernst & Young apresentou as estratégias que considera que devem ser prioritárias para o processo. No segundo dia, os participantes foram divididos em grupos para discutir os cinco objetivos gerais propostos pela Prefeitura para a revisão, que consistem em:

1) Qualificar os espaços públicos e potencializar a utilização do Guaíba;

2) Reduzir o tempo de deslocamento das pessoas nos trajetos diários;

3) Reduzir o custo da moradia e garantir o acesso de todos à cidade;

4) Adaptar os efeitos das mudanças climáticas e zerar as Emissões de Gases de Efeito Estufa;

5) Fortalecer o Planejamento Urbano com base na economia urbana para responder eficientemente às dinâmicas da cidade e potencializar suas formas de financiamento.

No último dia da Conferência, as análises feitas por cada grupo foram apresentadas, sem que houvesse deliberação sobre as estratégias a serem priorizadas. No encerramento dos trabalhos, o secretário Germano Bremm, titular da SMAMUS, anunciou a convocação das eleições para o CMDUA, a serem realizadas entre 9 de janeiro e 1º de fevereiro de 2024.

Antes da Prefeitura encaminhar o projeto de lei da revisão do Plano Diretor, o processo de discussão ainda prevê a realização de uma audiência pública, que estava prevista para acontecer em dezembro. Diante da situação do CMDUA, ainda não há confirmação de quando a etapa ocorrerá.

Em entrevista ao podcast De Poa, do Sul21, em maio de 2023,  Germano Bremm afirmou que a expectativa é de que a revisão seja aprovada em 2024. Contudo, no processo de revisão anterior, a discussão na Câmara se estendeu durante dois anos, entre 2007 e 2009.

Apesar de o projeto ainda não ter chegado para a análise dos vereadores, a Câmara homologou em maio a criação da comissão especial que irá avaliar o Plano Diretor, formada por 14 vereadores titulares e 11 suplentes. Anunciada em fevereiro e homologada em maio deste ano, até a publicação desta reportagem, a comissão especial não deu nenhum andamento concreto ao processo.

O atraso no processo não significa, contudo, que o regramento urbanístico da cidade se manteve inerte nos últimos 14 anos. Pelo contrário, uma série de leis com mudanças no Plano Diretor foram aprovadas ao longo dos últimos anos, um processo que foi acelerado durante o governo Melo com o avanço de projetos específicos para duas regiões da cidade: o 4º Distrito e o Centro Histórico.

Em novembro de 2021, a Câmara aprovou o Programa de Reabilitação do Centro Histórico. Com o objetivo de aumentar a densificação do Centro, com meta de quase dobrar a população, dos atuais 45 mil residentes para cerca 85 mil, o programa permite a flexibilização do regime urbanístico, facilitando o reaproveitamento de imóveis desocupados ou subocupados e a construção de novas edificações, que poderão ter alturas maiores do que as atuais. Em um dos cenários previstos, poderiam ser construídos prédios de até 200 m de altura.

Em 18 de agosto de 2022 foi a vez dos vereadores aprovarem o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito, região que abrange os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O programa estabelece regramentos urbanísticos específicos para a região, além de incentivos urbanísticos e tributários. À semelhança do projeto para o Centro, uma das metas do Programa +4D é ao menos triplicar o número de economias na região.

Em entrevista ao Sul21 em janeiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo argumentou que o Centro e o 4º Distrito não poderiam esperar a conclusão do Plano Diretor. Além disso, defendeu uma visão de que a cidade deveria ter muitos “planos diretores” regionais. “Tu não pode tratar o Lami, o Cantagalo, a Boa Vista ou o Bom Fim como o Centro. Tu não pode tratar o 4º Distrito como se fosse o Rubem Berta”, argumentou.

Copresidenta do departamento gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Clarice de Oliveira acredita que os planos do Centro Histórico e do 4º Distrito configuram um “adiantamento” do Plano Diretor, uma vez que tratam de questões que deveriam ser reservadas a ele.

 

Av. Farrapos esquina com a Av. São Pedro, bairro São Geraldo, no 4º Distrito. Foto: Luiza Castro/Sul21

“O Ministério Público encaminhou uma recomendação à Prefeitura de Porto Alegre, na época da chegada do plano do Centro Histórico na Câmara, apontando que era reserva de Plano Diretor e que isso deveria ter sido debatido em processo de revisão do Plano Diretor, e não num plano de bairro”, diz.

Para ela, os planos de bairros podem ser interessantes, uma vez que permitem olhar para realidades locais com uma “escala mais detalhada”. Porém, acredita que os planos do Centro e do 4º Distrito têm o objetivo de buscar um “retorno para os investimentos” feitos na região da orla do Guaíba.

“Sempre que a gente tem um incremento de infraestrutura, seja ela de transporte, abastecimento d’água, iluminação, espaços de lazer, cultura, etc., isso cria uma qualidade da vida urbana e o mercado imobiliário se apropria dessa qualidade de vida para gerar valor. Então, o que a gente percebe é que o programa do Centro Histórico vem na verdade numa viabilização de abrir as possibilidades para o mercado imobiliário aproveitar essa valorização de infraestrutura”, afirma Clarice.

A participação ativa do setor empresarial foi demarcada na véspera do início da Conferência de Revisão do Plano Diretor, quando representantes de 46 entidades do setor convocaram uma entrevista coletiva para lançar o movimento Porto Alegre+, cujo objetivo é justamente apresentar contribuições ao processo.

Na ocasião, pontuaram que têm preocupação especial com as regiões que vão da Avenida Ipiranga ao Centro Histórico e ao 4º Distrito. Publicamente, os empresários fizeram a defesa de conceitos como: valorização dos espaços públicos, cidade mais compacta para reduzir deslocamentos, melhor aproveitamento do solo para diminuir o valor de imóveis ofertados, maior caminhabilidade das ruas, regularização fundiária e implementação de novos modais de transporte coletivo.

Contudo, a influência e interesses dos empresários no processo ficam mais claros a partir da participação do secretário Germano Bremm em duas lives promovidas pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) em 2020, ainda no governo Marchezan.

Na primeira delas, realizada em abril, chama atenção a cobrança do empresariado para a aceleração dos processos de licenciamento. Na ocasião, a Prefeitura acabara de implementar, por meio do Decreto 20.542/2020, medidas para o autolicenciamento de obras de baixo impacto ambiental. Entre elas, a definição de que a assinatura de um responsável técnico substituiria a vistoria para expedição da Carta de Habitação. O tema do autolicenciamento aparece, nas palavras do presidente do Sinduscon, Aquiles Dal Molin, como um “sonho” do setor.

No entanto é na segunda live, de outubro, que as reivindicações do empresariado e projeções da Prefeitura para o Plano Diretor ficam mais claras, entre elas o maior “adensamento da cidade”, para aproveitar a infraestrutura já instalada e a valorização promovida pelo “embelezamento” da Capital, como no caso da orla do Guaíba.

Consultor do Sinduscon, o arquiteto Antonio Carlos Zago questiona quanto tempo levaria para que o secretário Bremm pudesse atender as “ansiedades” das construtoras, como usar o índice máximo de solo criado. A mensagem é clara: o Plano Diretor é importante, mas o setor demanda mudanças mais urgentes.

 

Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre. Foto: Alex Rocha/PMPA

Na mesma linha, a então diretora da RottaEly Construtora e Incorporadora — hoje na Melnick –, Lisandra de Lucena Theil, comemora que a Prefeitura vinha publicando uma série de decretos para o setor, mas cobra mais medidas para “limpar” a legislação antes da revisão do Plano Diretor. “Como a gente pode ter mais decretos, mais leis complementares, nos próximos um, dois anos, até a gente ter o Plano Diretor?”, questiona.

Uma reivindicação direta é feita pelo CEO da Melnick, Juliano Melnick, quando ele pede a simplificação dos processos de licenciamento, considerando que é um exagero a necessidade de as construtoras apresentarem um “projeto inteiro” na fase de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e, em casos de modificação no projeto, o processo de licenciamento precisar ser reiniciado. Lisandra Theil sugere que EVUs de projetos especiais poderiam tomar como base projetos já aprovados, inclusive com as exceções já autorizadas sendo incluídas no Plano Diretor.

Ao responder às “ansiedades” do setor, a diretora de Planejamento Urbano da então Smams, Patrícia Tschoepke, explica que a ideia da pasta era buscar uma solução para o planejamento que fosse além do Plano Diretor, com mudanças no sistema como os processos são avaliados. Uma das ideias seria que o processo de licenciamento deixasse de olhar tanto para o lote – isto é, deixasse de ficar restrito a análises caso a caso – e passasse a olhar o território de forma mais estratégica.

Na prática, isso significaria, por exemplo, que um território que já tivesse sido analisado durante o processo de um EVU para um empreendimento não precisaria ser reanalisado em outro empreendimento próximo. Hoje, mesmo que sejam vizinhos, cada caso é analisado individualmente.

“A ideia é que essas avaliações de estudos de viabilidade passem a compor um território em si, e não simplesmente um lote”, diz Patrícia.

Ao longo dos últimos anos, Germano Bremm vem afirmando que está sendo construído um consenso com diversas entidades envolvidas no planejamento urbano e com o mercado sobre mudanças que seriam necessárias na revisão do Plano Diretor. Se o consenso existe ou não na cidade, isso poderá ser avaliado quando a proposta da Prefeitura for apresentada e nas subsequentes discussões. No entanto, nas conversas que Melo e Bremm tiveram com o Sul21 nos últimos anos, é possível perceber que as demandas de um setor em especial, os empresários da construção civil, encontraram ressonância na gestão municipal.

A ideia de “reaproveitar” o EVU de um projeto para balizar outros apareceu, por exemplo, na entrevista concedida por Melo ao Sul21 em 2022. “Se a revisão do Plano Diretor vai determinar que não tem mais regra para projetos especiais, é uma decisão que a Câmara de Vereadores vai tomar”, disse. Contudo, acrescentou que a proposta da Prefeitura seria “bastante liberal, do ponto de vista urbanístico, permitindo adensamento”.

A liberação do limite de altura já está prevista para o Centro Histórico, a partir do programa de reabilitação aprovado em 2021. Pelas regras do programa, o limite passa a ser definido em cada quadra, sendo necessária a edição de um decreto para definir o regime máximo do território. A partir deste decreto, o maior prédio da região passa a servir de baliza para os demais.

 

Prefeito defende que novo Plano Diretor seja “bastante liberal”. Foto: Luiza Castro/Sul21

No podcast de De Poa, o secretário Bremm apontou que o desejo da Prefeitura é de que o poder público passe a atuar principalmente no monitoramento do regramento urbanístico, e não no que é permitido ou não em um lote privado.

“Dentro do lote privado, a gente deixa para o mercado, que tem condição, tem capacidade de fazer o melhor projeto da cidade. Nós vamos focar muito mais o nosso esforço para a área pública, atender aquilo que gera qualidade de vida, que melhora a condição das pessoas acessarem o mercado de trabalho, que impeça a invasão de áreas não urbanizadas, que a gente trabalhe na regularização”, disse.

Instado a explicar melhor o papel do ente público, Bremm afirmou que ainda seria necessário realizar a análise detalhada sobre impactos de empreendimentos de grande porte no território urbano, inclusive pela necessidade de adequação às redes de água, esgoto e mobilidade, entre outros. Porém, explicou que a ideia é de que, em uma área de ocupação intensiva, o Plano Diretor calcule qual o potencial construtivo do território, mas sem se aprofundar na forma como ele pode ser empregado pelo construtor. “A partir da mensuração prévia, uma vez estabelecida e aprovada no nosso Plano Diretor, dentro daqueles limites, tu tem uma certa liberdade”, afirmou.

Além da influência direta dos representantes do mercado imobiliário, outro fator de influência na revisão do Plano Diretor ganhou força em 2023, o urbanista francês Alain Bertaud. Autor do livro “Ordem sem Design”, ele entrou no debate ao conceder, em abril, uma entrevista à GZH no âmbito de sua participação no Fórum da Liberdade — evento patrocinado por grandes empresários do Estado com o objetivo de propagação da ideologia liberal.

Ganhou repercussão a defesa que Bertaud fez, na entrevista, da iniciativa privada para solucionar problemas urbanos, como a falta de moradia, e a gentrificação — processo de mudar o caráter de um bairro ou região de um perfil de renda baixa ou média para renda alta — para a preservação do Centro Histórico. “Se você quer manter algum tipo de centro histórico, minha experiência é que apenas a gentrificação pode fazer isso”, disse a GZH.

Bertaud foi convidado a participar, dois dias depois da publicação da entrevista, de uma conversa com o prefeito Melo, com o secretário Bremm e com o quadro técnico da SMAMUS. O caráter oficial da influência do francês na revisão viria no final do mês de outubro, quando ele foi o palestrante oficial do evento “Qual o papel dos Planos Diretores no Planejamento Urbano das Cidades?”, promovido pela secretaria.

Na palestra, Bertaud voltou a defender ideais que encontraram consonância nas falas de Melo e Bremm, como a crítica a planos diretores que sejam excessivamente focados em regras urbanísticas para cada lote, como necessidades de recuos e afastamentos para novas construções, e a defesa de que o planejamento urbano não deveria ficar limitado a planos de longo prazo, mas ser baseado em indicadores que possam ser monitorados “em tempo real”.

Ele defendeu que dados como acessibilidade das moradias, renda das famílias, média de aluguéis, preço da terra, tempo de deslocamento para o trabalho, entre outros, devem ser constantemente avaliados e levados em conta nas decisões urbanísticas tomadas pela cidade.

O foco no monitoramento, como vimos, já era defendido, em abstrato, pelo secretário Bremm, mas, até o momento, não está claro como ele passará a ocorrer em Porto Alegre e contrasta com a realidade de uma Prefeitura que tem grandes dificuldades em fornecer dados que seriam básicos para este trabalho. Após a palestra de Bertaud, ao ser questionado sobre o assunto, o secretário afirmou que um dos objetivos da proposta de Plano Diretor a ser encaminhada pela Prefeitura é fortalecer essa estrutura e reorganizar a SMAMUS para este fim.

 

Urbanista francês Alain Bertaud ministro a palestra “Qual o papel dos Planos Diretores no planejamento urbano das cidades?”. Foto: Alex Rocha/PMPA

Para Clarice Oliveira, do IAB-RS, o foco no monitoramento não é uma proposta ruim. No entanto, ele passa obrigatoriamente por um processo anterior, que é definir parâmetros e indicadores que vão guiar esse monitoramento.

“Para ter monitoramento, antes precisa ter um planejamento de entender ‘olha, a densidade de um bairro vai atender um número X’. Então, o monitoramento vai entender que cidade vai até aqui, ‘olha, chegou nesse número X, não vai mais poder construir’. Mas, se a gente não tem esse planejamento da cidade como um todo, a gente não sabe o que isso vai atingir”, diz.

Clarice avalia que as propostas defendidas pela Prefeitura vão no caminho de flexibilizar parâmetros e normas urbanísticas. “Quando o prefeito Melo diz que Porto Alegre terá um plano muito liberal, é que talvez a cidade inteira vire um projeto especial, que tudo seja no caso a caso. E, se a gente não tem uma definição de quais são as características de cada região, de cada bairro, é conforme os interesses do mercado. É um monitoramento que vai servir não ao Estado, não à cidade, não à população, mas é um monitoramento que vai servir aos interesses do mercado”, afirma.

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