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27 de outubro de 2023
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18:54

‘Guru’ da gestão Melo para revisão do Plano Diretor defende planejamento em tempo real

Por
Luís Gomes
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Urbanista francês Alain Bertaud ministro a palestra
Urbanista francês Alain Bertaud ministro a palestra "Qual o papel dos Planos Diretores no planejamento urbano das cidades?" | Foto: Alex Rocha/PMPA

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) de Porto Alegre promoveu na tarde desta sexta-feira (27), na sede do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) na Capital, a palestra do urbanista francês Alain Bertaud sobre o papel dos planos diretores no planejamento urbano das cidades. A palestra do autor do livro “Ordem sem Design”, tido quase como um “guru” pela gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) durante o atual processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, teve um caráter que se aproximou do oficial pela Smamus, uma vez que um e-mail enviado pelo secretário Germano Bremm na semana passada fez a convocação para que todo o quadro técnico da pasta comparecessem ao evento “devido à importância do tema”, com a participação no evento contando como hora trabalhada.

Em passagem anterior por Porto Alegre, no início do ano, Bertaud cativou a gestão municipal com uma proposta de planejamento urbano voltada para enfrentar os “problemas reais” das cidades e menos focada em planos de longo prazo, como se caracterizam os planos diretores. Aquela passagem foi noticiada como uma defesa da desregulamentação urbanísticas da cidade com flexibilização de regras, interpretação que encontrou eco em entrevistas posteriores do prefeito Melo e do secretário Bremm.

Contudo, na palestra desta sexta, Bertaud dedicou quase a totalidade da sua fala para fazer a defesa do planejamento baseado em indicadores que possam ser monitorados “em tempo real”. “O nosso objetivo não é discutir ideias, mas resultados no chão”, disse.

Nesse sentido, é importante destacar que, se é verdade que as propostas defendidas pela gestão Melo encontram consonância com as ideais de Bertaud, como, por exemplo, a crítica a planos diretores que sejam excessivamente focados em regras urbanísticas para cada lote, como necessidades de recuos e afastamentos para novas construções, também há questões que não conversam com a realidade da gestão municipal.

Ao longo da palestra, Bertaud fez uma clara defesa da necessidade do fortalecimento das equipes de planejamento dos municípios para que possam produzir e monitorar constantemente indicadores como acessibilidade das moradias, renda das famílias, média de aluguéis, preço da terra, tempo de deslocamento para o trabalho, entre outros. Essa estrutura de monitoramento contrasta com a realidade de Porto Alegre, em que há grande dificuldade da Prefeitura em fornecer dados básicos sobre a cidade, como, por exemplo, quantas famílias moram em situação irregular ou informal na Capital.

O urbanista avalia que a principal diferença do momento atual para 50 anos atrás, quando os planos diretores se popularizaram no mundo, é o fato de dados e informações serem muito mais abundantes na atualidade. “Se você não tem muitos dados, é muito mais fácil dizer ‘é isso que nós vamos fazer’ do que ‘isso é um problema’. Você sabe vagamente o que é um problema. Agora é o contrário, podemos gerar grandes quantidades de dados, de diversas fontes, mas não sabemos usar os dados muito bem”, afirmou.

Para o francês, um modelo próximo do ideal de planejamento urbano seriam planos de mais curta duração que não se atenham ao detalhamento do uso do solo, mas que apresentem, de forma clara, quais objetivos a cidade pretende alcançar a partir daquela proposta, em que haja capacidade de se monitorar desde os investimentos até o impacto final. Ele deu como exemplo a questão de reduzir a pobreza em uma vizinhança, o que passaria por um investimento inicial, como a compra de ônibus para permitir o maior acesso de pessoas a empregos. Contudo, pontuou que o trabalho do planejamento não poderia acabar aí, destacando que mais importante do que fornecer o financiamento é saber em quantos passageiros a mais a compra dos ônibus resultou e o efeito da ação na redução do desemprego.

Bertaud destacou que a cidade de Copenhagen, na Dinamarca, com cerca de 600 mil moradores, faz planos ligados às gestões dos prefeitos, com cada gestor eleito tendo a obrigatoriedade de apresentar, na primeira metade de seu mandato, estratégias a serem adotadas pelo planejamento urbano e objetivos que deseja alcançar. Por exemplo, uma proposta da cidade dinamarquesa é criar espaço para 100 mil novos moradores até 2031 a partir da construção de novas moradias, o que seria uma resposta a cidade ter se tornado muito cara para se morar.

Após encerrar a palestra, Bertaud foi então questionado por técnicas da Smamus se ele se considerava um advogado da desregulamentação total da cidade, o que negou. Ao responder, lançou mão de uma analogia em que comparou a regulamentação da cidade a uma árvore em que periodicamente deve ter seus galhos cortados. Para o francês, o objetivo não deve ser cortar galhos por cortar, mas, sim, constantemente analisar quais galhos estão contribuindo para a produtividade da árvore e cortar aqueles que estejam atrapalhando. “Eu não sou contra a regulamentação, eu sou contra a letra morta da regulamentação”, afirmou, fazendo a defesa da constante da análise da relevância das regras urbanísticas vigentes e sua revisão, caso deixem de ser úteis.

Ele destacou, por exemplo, que propostas de eliminação de regras de prevenção contra incêndios podem ser muito ruins.

Ao final do evento, em entrevista ao Sul21, Germano Bremm pontuou: “O que ele ensina, em resumo? O planejamento urbano, o plano diretor, tem que focar os seus esforços para resolver o desafio real da cidade. A cidade é dinâmica, ela tem uma cidade informal, tem uma cidade real e, se a gente consegue resolver esses desafios, tu cria um território de geração de riqueza, de retenção de talentos, de atrair novos talentos”, disse. “A transformação do planejamento urbano da cidade para parar de ser reativo, com regras previamente estabelecidas. Achar que, na lei, tu vai conseguir resolver todos os problemas da cidade, mas uma organização interna de um planejamento urbano, de profissionais do urbanismo muito mais proativos para monitorar e, a partir desse monitoramento, identificando os problemas, equacionar eles da melhor forma possível”, complementou.

Questionado sobre como a Prefeitura está se organizando para qualificar a produção de indicadores e monitoramento da cidade em tempo real, hoje longe do ideal, Bremm pontuou que um dos objetivos da revisão é basear o planejamento da cidade na economia urbana. “A gente entende que é uma realidade de Porto Alegre, mas de grande parte da cidades brasileiras, ter um planejamento urbano, às vezes, muito utópico, de prancheta, de princípios e parâmetros, sem essa base científica. E, por isso, a gente está propondo, no quinto objetivo, o fortalecimento dessa estrutura, muito mais para a gente se organizar internamente, para ter essa condição de fazer o monitoramento. A gente quer trazer uma série de indicadores para, ao longo do processo de construção da cidade nos próximos anos, poder acompanhar se nós estamos de fato conseguindo, a partir das nossas políticas públicas, reduzir o custo da habitação, se a gente está efetivamente conseguindo reduzir o tempo de deslocamento, qualificar os espaços públicos, adaptar a cidade para os efeitos das mudanças climáticas, mitigar as emissões”, afirmou.


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