Entrevistas
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7 de janeiro de 2022
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10:15

Sebastião Melo: ‘O Plano Diretor que vamos mandar para a Câmara será bastante liberal’

O prefeito Sebastião Melo concede entrevista exclusiva ao Sul21  | Foto: Luiza Castro/Sul21
O prefeito Sebastião Melo concede entrevista exclusiva ao Sul21 | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Velleda e Luís Eduardo Gomes

Cinco horas e dez minutos da tarde de quarta-feira, 5 de janeiro, no Paço Municipal. Uma chuvarada de verão cai sobre Porto Alegre. Com um pequeno atraso da hora marcada, Sebastião Melo (MDB) senta na ampla mesa do seu gabinete, coberta por fichários, dois potes de álcool em gel e um pequeno tubo de creme para as mãos, para receber a reportagem do Sul21 para uma conversa sobre o seu primeiro ano de mandato. O chapéu, marca visual pessoal do começo do mandato, não está à vista. A conversa deveria durar 45 minutos, pois a agenda do prefeito está apertada. Ao fim, após responder principalmente a questionamentos sobre os desafios do transporte público, suas ideias para as mudanças urbanísticas em andamento na cidade e como a sustentabilidade social e ambiental se encaixam nelas, a entrevista se estenderia por 56 minutos. Melo ainda encontraria tempo para especular brevemente sobre as eleições de 2022, tema que não entrou na conversa gravada.

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Melo tem uma ideia bem definida sobre o falido, em suas palavras, transporte público de Porto Alegre: vai privatizar a Carris. Se não for possível extinguir a empresa, pretende desmobilizar sua estrutura e passar à iniciativa privada. Quando questionado qual o benefício que o fim da companhia pública de transporte trará para os cidadãos, tergiversa com a ideia de que, se ter uma empresa pública fosse solução, outras capitais teriam sistemas públicos, o que, diz, não ser o caso.

O primeiro ano da gestão Melo, como analisado no especial ‘Que Porto É Esse?’, publicado em julho pelo Sul21, foi marcado por projetos que devem gerar grandes mudanças na paisagem urbanísticas da cidade. Entre as propostas defendidas pelo prefeito, estão as revitalizações do Centro e do Quarto Distrito, com as quais ele pretende atrair mais moradores para as regiões e promover a densificação da área central da cidade.

Já atrasado desde 2019, o projeto de revisão do Plano Diretor é prometido pelo prefeito para ser entregue à Câmara de Vereadores para o segundo semestre de 2023. Segundo ele, a ideia é que seja “bastante liberal” e que não se atenha a discussões de altura, como diz ter sido o debate nas revisões anteriores. Contudo, enquanto ela não vem, diz que o Centro não pode esperar, por isso estaria encaminhando projetos que alteram o Plano Diretor atual de forma separada.

Ao longo da conversa, Melo ainda vai afirmar que deseja conceder à iniciativa privada outro serviço público de Porto Alegre: o tratamento de água e esgoto, a partir da outorga dos serviços prestados atualmente pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE). Contudo, neste ponto, diz que a privatização do serviço dependeria da entrega simultânea do serviço de drenagem, o que deixa a entender que é algo que diminuiria o atrativo da iniciativa privada na operação. Portanto, uma questão ainda a ser resolvida no processo de “modelagem”.

Ao fim, afirma que enxerga o seu mandato como um “contrato de quatro anos firmado com a cidade”, mas prefere não responder se pensa ou não em reeleição. A seguir, confira a entrevista do Sul21 com Sebastião Melo.

Sul21: Qual sua avaliação do primeiro ano de mandato?

Melo: Acho que posso avaliar um pouco a cidade, a gestão quem tem que avaliar é a população. Acho que, do ponto de vista de cidade, todos nós gestores tínhamos um desafio enorme que é questão da pandemia. Nosso desafio era enfrentar a pandemia e fazer a cidade funcionar, porque as pessoas não saíram das cidades, muitas delas ficaram em casa, mas a cidade precisava ter ônibus, ter água, esgoto funcionando, a cidade precisava funcionar, então sempre elencamos aqui em primeiro lugar a questão da pandemia. Vocês sabem a nossa posição, defendemos isso na eleição, de que achávamos que a cidade precisava funcionar com responsabilidade, com distanciamento, mas ela devia funcionar.

E foi assim que nos portamos dentro dos regramentos estabelecidos na hierarquia das leis, revogamos mais de cem decretos no dia primeiro, que estabeleciam regramentos para a pandemia, e nos alinhamos ao decreto estadual, porque senão ficava confuso na cabeça da população. Passamos a tensionar dentro do governo do Estado um comitê que foi criado, aquilo que passou a ser normatizado que era a questão das bandeiras, que nós tínhamos muitas críticas, e que depois acabou terminando com as bandeiras e criando o sistema 3A. E aí veio a questão da vacina. Acho que Porto Alegre teve a capacidade de montar uma governança de ser uma das cidades que mais vacinou neste período de pandemia. Teve todo um processo de busca ativa, sempre defendi que a vacina não é só uma questão individual, é coletiva, nunca obrigamos ninguém a vacinar, nós tentamos convencer as pessoas de se vacinarem e aí teve parceria das farmácias, do Exército brasileiro, dos voluntários, então essa grandiosidade da vacina também se deve aos parceiros, não é uma obra só do governo local.

E teve aquele momento do surto em fevereiro, que foi o momento mais difícil, porque explodiu a questão do covid e nós tivemos que rapidamente habilitar mais de 600 leitos de retaguarda e 249 leitos de UTI. E com dificuldade de caixa, porque o governo federal teve, financeiramente, dois momentos na covid. No ano de 2020, aportou a Porto Alegre meio bilhão de reais, 350 milhões para a pandemia e em torno de 150 milhões que era chamado de reposição das perdas de arrecadação. O governo federal, por razões acho que financeiras, em 2021 não teve mais essa política. Então, nós acabamos gastando dinheiro do fundo na covid, dinheiro que vai nos faltar ali na frente. E, hoje, nós estamos com 26 ou 27 pacientes na UTI e temos mais de 100% vacinados de primeira dose (a Capital passou a não mais exigir comprovante de residência e imunizar qualquer um que esteja na cidade).

Depois veio a questão da segunda dose, pode-se dizer que a cidade está imunizada. Esta semana estamos vivendo um crescimento de pedido de testes, inclusive a partir de sexta-feira (7), temos hoje 31 unidades que fazem teste e vai passar para 60, porque está uma procura bem maior. Acho que estamos enfrentando a questão da pandemia, mas precisávamos também fazer mudanças estruturantes de coisas que na nossa avaliação a cidade precisaria avançar.

A Reforma da Previdência, o Brasil tinha feito a sua, os estados muitos já tinham feito, Porto Alegre não tinha feito a sua reforma. Foi a reforma mais significativa, porque ela tinha um peso no orçamento muito grande. Ela começa a ter efeito nas finanças do município a partir deste ano, mas ela vai ter um equilíbrio mesmo somente lá em 2040. Tomamos uma série de medidas estruturantes econômicas para a retomada, baixamos vários impostos, cancelamos o aumento de IPTU, para poder fazer uma retomada econômica da cidade. Porque aqueles imóveis que nós baixamos e cancelamos o IPTU, a maioria deles são comerciais, então a gente cancelou o IPTU na expectativa de que eles reascendam os seus negócios ou reabram novos negócios. Desburocratizamos muito, facilitamos muito para abertura de negócios, parceria com Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], Sala do Empreendedor. Inovação é um tema que é desafiador para a cidade, foi um dos temas que também baixamos o imposto de 5% para 2% para a cidade ser mais inovadora.

Aí tem que chegar na questão do transporte urbano, acho que é outro desafio do ano e perpassa pra esse ano. Nós dividimos a questão em três momentos. A curtíssimo prazo, era não deixar parar e pra isso a gente teve que aportar recursos públicos. Nesse segundo momento, estamos numa fase de renegociação com os empresários e qualquer aporte público a partir deste momento ele tem de ser sinalizado por parte dos empresários numa melhoria do sistema. Não vamos mais colocar dinheiro se não houver uma melhoria no sistema. E quatro leis foram aprovadas no legislativo que vão vir para a vida real em curtíssimo prazo pouca coisa, mas a médio prazo tem a retirada dos cobradores, que vai até 2025, então até lá vai ter retirada gradativa nas linhas que vão aposentando, na linha em que o sujeito pediu demissão ou foi demitido por justa causa, ou fez um curso pra ir para outra atividade.

Tem as isenções que foram baixadas de 14, acho, para sete isenções. Fizemos corte de renda, isso vai ter também ao longo dos próximos anos alguns reflexos, e estamos aportando R$ 25 milhões para os estudantes de baixa renda. Então, a partir desse ano, os alunos de baixíssima renda do ensino fundamental em Porto Alegre, eles pagavam 50%, não pagarão mais nada, e os de segundo grau pagarão 25%, antes pagavam 50%. Aqui tem um traço importante para estimular também com que esses alunos voltem, hoje você tem uma evasão escolar muito grande. Depois tivemos a privatização da Carris, que está em fase de discussão do seu edital, e espero mandar para exame do Tribunal de Contas até março.

Melo é enfático na defesa da privatização da Carris | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21: O que que a população pode esperar com a privatização da Carris, o que o senhor acredita que vai proporcionar de benefício para a população?

Melo: Até onde eu tenho conhecimento, a única empresa de ônibus estatal de Prefeitura no Brasil, em Capital, é a nossa. Então se fosse uma coisa tão boa ser estatal, talvez outras capitais teriam. Ela é uma empresa que, por ser pública, segue um regramento diferente. Então o custo da Carris é muito maior, porque tu calcula o custo por km rodado. O km rodado da Carris é 21, 21,5%, 22% mais caro do que do consórcio privado. Como ela faz parte do sistema, o que que acontece? Quando vou levar em conta o aumento da passagem, automaticamente a passagem vai lá pra cima, então ela é uma empresa mais cara, por ser uma empresa mais cara ela requer aporte financeiro. Tenho aportado em torno de R$ 6 ou R$ 6,5 milhões por mês para suportar o déficit da Carris.

Então, acho que privatizar a Carris… primeiro que o serviço público pode ser prestado pelo público ou por aquele que o poder público delega, o importante é que ele seja bom. Hoje, nem o público é bom, nem o privado é bom, porque tem problema de ônibus, horários, deficiências. O sistema faliu antes da pandemia e escancarou na pandemia, porque o Brasil teve uma política errática. Desde o governo Juscelino (Kubitchek, presidente de 1950-1955), quando abriu-se as primeiras montadoras, você teve grande estímulo ao carro particular e você não teve um financiamento perene de modais de metrô, de trem, de BRT, de ônibus elétrico e de infraestrutura. Então é uma política errática, umas das piores do mundo.

Por outro lado, antes da pandemia o sistema requeria uma receita extra tarifária que não vem só do cidadão que entra no ônibus. O mundo opera dessa forma. Então, na pandemia, o que aconteceu é que a corda arrebentou nos municípios e os municípios acabaram sozinhos colocando aquilo que deveria ser um compartilhamento do governo federal e dos governos estaduais. Quer dizer, tu criar um SUS do sistema. Tenho aqui 30% que não podem pagar e não podem mesmo. Como é que a gente custeia essa passagem para uma senhora que está no Bolsa Família, que tem um filho que tem que ser levado no médico, a outra tem um comportamento especial que precisa ser acompanhada?

Essas pessoas não podem pagar ônibus, não devem, agora alguém tem que pagar por elas. Hoje, o sistema é cruel porque é o pobre que tem que financiar o pobre, porque aquele que tá do lado pagando a passagem cheia, que é o desempregado, que vem no Sine, é o camelo que vem aqui, é o cara que vai cortar grama, este é o que menos pode pagar, mas ele tá pagando para o vizinho do lado que muitas vezes deveria pagar e não paga. Acho que não basta ter 65 anos para ter isenção, tem que ter necessidade. Agora também não acho que um pai que tem condições de pagar a faculdade do filho na PUC, na Unisinos, que paga R$ 10, 12 mil, pode ter isenção de 50% e o operário pagar a passagem cheia. A lei mudou nesse sentido.

Então, tu tem que ter infraestrutura, tem que ter modais, tem que ter um financiamento extra tarifário. O Brasil vive um drama hoje. Nós acampamos em Brasília há cerca de uns 15 dias pra falar com senador e com deputado, presidente acabou não nos recebendo, e quero dizer o seguinte: não tem saída se não tiver um entendimento entre os entes federados. Os orçamentos municipais são insuficientes para enfrentar. Você vai ver o estouro da boiada agora, tem aumento de passagem dia 1 de fevereiro, inflação, óleo diesel subindo, tudo subindo. Ontem (terça-feira, 4), os trabalhadores e empresários acertaram um acordo coletivo de aumento e isso vem para a tarifa da passagem. É um momento muito difícil do transporte. Esse assunto a curto prazo dos cobradores, diminuímos as isenções, o passe livre baixou de 12 dias para dois, e teve a privatização da Carris, então são esses quatro projetos.

Sul21: O governo Marchezan começou a gestão apostando nas isenções, diminuiu a segunda passagem e em determinado momento percebeu que a questão das isenções não seria suficiente para enfrentar o problema. Então apresentou um pacote de medidas que tentava uma solução, o senhor assumiu e voltou à questão das isenções. Sem entrar no mérito dos projetos em si, a cidade não deveria ter aprofundado alguma discussão daqueles projetos? Não necessariamente para reaproveitá-los, mas para entender algumas questões que poderiam sair da Prefeitura? Se o governo federal não fizer nada, e parece não querer fazer, o problema vai ser cada vez maior.

Melo: Esses 25 milhões é uma mudança, isso vai passar a ser perene no orçamento para outro sistema. Estamos finalizando um estudo da Área Azul onde vamos aumentar o valor e vamos mudar um sistema que hoje muita gente usa, mas não paga, um sistema muito desorganizado. Esse aumento que vamos produzir para quem tem carro particular estacionar nas vias públicas, esse valor a mais, vamos reverter para o fundo de mobilidade para custear a passagem.

O que tinha nos projetos do governo anterior. O pedágio, não acho adequado e no nosso governo não terá pedágio. ‘Ah mas por que em Londres tem…’ Bom, o dia em que Porto Alegre for Londres a gente pode pensar em pedágio. Pedágio urbano no nosso governo não transita porque acho que não é o caminho. Nós vamos fazer, por exemplo, pedágio no Centro, que já está com uma série de problemas? Vou liquidar o resto do Centro.

A segunda questão, dos aplicativos, acho que vocês jornalistas bem informados estão acompanhando. O que já era ruim piorou. Hoje, tu chega em Porto Alegre em certo horário, não tem mais Uber, como não tem em Brasília, porque as pessoas estão pagando para trabalhar. Se fosse para taxar as empresas, topo fazer isso, agora taxar as pessoas que já estão ganhando diminutamente não vou fazer isso, e ainda tem uma pendenga judicial sobre esse tema que vocês sabem disso. Então, não adianta dizer que vamos resolver a questão do sistema de transporte com os aplicativos, isso também é um paliativo.

O que poderia enfrentar, resolver, e aí esse tema não prosseguiu porque não há um consenso sobre ele, seria taxar um valor das empresas por funcionário. Isso o que a França adota, outros países adotam, mas aí não há um consenso no setor empresarial. Para determinado setor, isso é uma situação muito benéfica, mas boa parte da economia não concorda, e isso também poderia se transformar numa outra questão judicial.

Então, prefiro o caminho de ter um orçamento para o sistema e que ele pudesse ser definido pelos entes Federal, Estadual e Municipal. Já que não tem, penso que uma saída seria transformar o dinheiro que boto hoje na Carris, no sistema. Estaria colocando R$ 25 milhões que boto hoje, eu boto mais R$ 60 milhões, estou falando de R$ 90 milhões por ano, não é um dinheiro qualquer. O que eu não tenho é como botar R$ 65 milhões na Carris todo ano, que é um sistema que transporta 22,8%, e botar no privado mais R$ 200 milhões. Agora R$ 90 milhões dá pra botar. Então privatizando a Carris, estou disposto a abrir essa discussão. Tenho dito aos empresários isso, que a gente pode botar o dinheiro no sistema.

Sul21: E se ninguém quiser comprar a Carris? Porque é um sistema que está falido. Se ninguém quiser comprar, o que acontece?

Melo: Trabalhamos com dois “bicos”. O primeiro é fazer um leilão e ver se tem comprador. Se não tiver, nós vamos liquidar a Carris. Liquidar a Carris significa ter um terreno avaliado em R$ 43 milhões, têm os ônibus e as linhas da Carris. Então, o modelo que vamos adotar é esse. Vamos afinar os detalhes do edital (do leilão), queremos acertar o tom. É isso que está colocado, agora…pode mesmo não ter comprador, pode. Por isso temos que tornar o sistema um pouco atrativo. Espero, durante o ano, sinalizar pro mercado: ‘Olha, vou botar o dinheiro da Carris no sistema’.

Melo diz que o Plano Diretor é a principal lei da cidade, mas também faz a defesa de projetos especiais, que correm por fora do planejamento urbanístico | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21: Foi uma característica do seu primeiro ano de gestão incentivar projetos urbanísticos para o Centro e o 4º Distrito, mas há a crítica de que tais projetos passam à margem do Plano Diretor, como um “picoteamento” do Plano. Como o senhor recebe esse tipo de crítica?

Melo: Sempre vejo as críticas como contribuições pra gente poder corrigir coisas que podem estar erradas. Nesse caso, não estou muito convencido. Primeiro que não existe Plano Diretor ideal, existe o possível. Segundo, há um grande equívoco de se discutir só altura em Plano Diretor, tem 200 itens no Plano Diretor, que pra mim é a lei mais importante de uma cidade. E, entre os 200 itens que se tem que discutir urbanisticamente, economicamente e socialmente, tem as alturas. Sou favorável que altura não devesse constar em Plano Diretor, devesse constar no licenciamento. O Estudo de Viabilidade Urbanística que deveria dizer isso, e não botar isso em lei. Mas hoje tem lei que regula isso.

O Plano Diretor é de 1999 e teve uma revisão em 2009, quando fui presidente da Câmara. O governo Marchezan fez um contrato com o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] e a pandemia atrasou o Plano Diretor [revisão deveria ter ocorrido em 2019 e 2020]. Com o nosso cronograma, disponível no site da SMAMUS [ Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre], tem a fase 1 que já foi cumprida e, se der tudo certo, vamos entregar em setembro ou outubro de 2023 a nossa proposta de revisão na Câmara de Vereadores. Se perguntar se é possível ser antes, digo que não, nós queimaríamos etapas e faríamos a mesmice. Prefiro que demore um pouco mais, mas que saia uma revisão verdadeira.

Agora, o tempo pra enfrentar o Centro e o 4º Distrito não dá pra ser 2023, e por isso esses dois recortes. Mas também tem uma visão urbanística do prefeito compartilhada com o vice: penso que a cidade, mesmo tendo um Plano Diretor geral, deveria ter a capacidade de ter muitos ‘planos diretores’. Tu não pode tratar o Lami, o Cantagalo, a Boa Vista ou o Bom Fim como o Centro. Tu não pode tratar o 4º Distrito como se fosse o Rubem Berta. Ou seja, sou muito favorável as operações consorciadas urbanas, que é fazer um recorte urbanístico e dar a potencialidade para esses bairros.

Operações consorciadas, o que é isso? Você cria um fundo e aquele dinheiro que você vende do solo criado, você pode investir em infraestrutura. Sou extremamente favorável a isso. Aqui no Centro a lei já está sancionada e começa a operar. O 4º Distrito a gente pretende mandar a lei pra Câmara até final de março, abril ou maio. A Câmara tem o seu tempo pra enfrentar. O (projeto) 4º Distrito também tem fase 1, 2 e 3. Somos favoráveis, vamos fazer a revisão do Plano Diretor e considero a lei mais importante da cidade. Agora, Porto Alegre foi uma certa referência até a década de 1970 em planejamento urbano e, na minha avaliação, assim como outras capitais brasileiras, perderam o rumo quando espraiaram a cidade demais e não construíram e potencializaram onde tinha equipamentos públicos. A Restinga foi criada em 1973 e 1974 e hoje é maior que 98% das cidades do Rio Grande do Sul. Quer dizer, podia ter adensado mais a cidade nas regiões centrais e se preferiu criar a Restinga, Parque dos Maias, Lomba do Pinheiro e foi indo, e isso não tem volta mais.

Agora, fazer mudança urbanística no Centro é atrair muito mais gente que pode voltar ou morar no Centro. Então, sou muito favorável a adensar e acho que altura não é o problema, o problema é reforçar os equipamentos públicos já existentes. E você ter mais pessoas, é mais adensamento e mais equipamentos públicos.

Sul21: Não é uma contradição defender o adensamento, que é algo que vários urbanistas e arquitetos defendem, e ao mesmo tempo a Prefeitura autorizar o condomínio na Ponta do Arado, que vai trazer em torno de 6 mil famílias numa região que não tem condição de suportar?

Melo: Temos que olhar holisticamente as coisas. A gente podia falar um pouco, antes de chegar no Arado, e conversar sobre quantos loteamentos irregulares têm no lado do Arado. Queria começar essa conversa por aí, nunca vi vocês questionarem sobre os loteamentos irregulares, agora quando é o Arado questionam. Quando se ocupou as terras da antiga Febem e hoje não tem água, não tem esgoto, tem mais dez vilas populares do lado do Arado, e que talvez passe a gestão do Melo e de mais dez prefeitos e não serão regulares, pode. Agora, quando tem uma área que foi comprada, adquirida, que foi feito o loteamento, que passou pelo regramento, que tem compensação, que tem doação pra Estação Ponta do Arado (do Dmae), que tem o calçadão do Veloso… então, temos que tratar o conjunto da obra. Eu acho que a cidade estendeu demais, mas existe uma regra urbanística estabelecida e não posso quebrar essa regra. Alguém comprou aquela terra sob as regras urbanísticas da cidade.

Sul21: Mas o projeto do Arado está mudando as regras, está ampliando o potencial de construção na região…

Melo: São projetos especiais que acontecem desde que a cidade nasceu. Existem os projetos normais e os especiais. E os projetos especiais fazem parte. O Foro Central de Porto Alegre é fruto de um projeto especial, não podia construir a altura do Foro. Eu era presidente da Câmara e esse projeto lá tramitou. Quer dizer, você ia fazer um paredão no Guaíba muito pior, então se levanta mais e deixa mais afastamento. Então projetos especiais existem, como o Beira-Rio quer fazer as suas torres e outros. Não vejo contradição nisso. A cidade estendeu, estamos tentando fazer mudanças agora pra atrair pessoas. Agora, se aquela área (Arado) não for feita o que está estabelecido, vai ser mais uma ocupação. É melhor ter mais uma ocupação ou é melhor ter um loteamento regular? Essa é a pergunta que, pra mim, precisa ser respondida. Porque não tenho dúvida de que se ela continuar sem uma destinação, ela será ocupada.

Sul21: E não há como evitar que ela seja ocupada?

Melo: É que as ocupações não dependem do prefeito, elas acontecem. Quando há uma ocupação, o proprietário privado vai lá e busca a reintegração, daqui um pouco leva tempo pra sair, depois já não sai mais, vem a mediação judicial, aí tem uma série de questões. É uma terra privada, não cabe à Prefeitura fazer reintegração de posse de terra que não é dela, agora, a regra que nós temos na cidade é essa: terra vazia urbana, a regra em Porto Alegre é ocupação.

Sul21 – Prefeito, eu queria voltar à questão do ‘picoteamento’ do Plano Diretor. Como o senhor disse, é a lei mais importante da cidade. O senhor falou há pouco das torres do Beira-Rio, poderia citar também a questão do Cais Mauá…

Melo: Que está liberada a altura.

Sul21 – Um dos problemas que se aponta em relação ao ‘picoteamento’ é que essas regras vão valer agora, mas o Plano Diretor pode determinar outras regras que irão valer a partir de 2023. Isso não cria um problema de confusão nas regras? Por exemplo, as regras atuais não permitem a construção das torres do Beira-Rio.

Melo: É que tu propõe de revisar para frente. Então, o que está consolidado está consolidado. Se tiver um projeto especial que aprova as torres do Beira-Rio, o Plano Diretor vai mudar as regras, mas esse projeto já vai estar consolidado.

Melo conversou com a reportagem do Sul21 por cerca de uma hora no Paço Municipal | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Mas por que essas regras poderão valer para o Beira-Rio e não para outros lugares se o Plano Diretor disser que projetos semelhantes não poderão ser construídos?

Melo: Mas tu pode até definir na revisão do Plano Diretor que o limite da altura naquela região possa ser o do Beira-Rio, não estou dizendo que não possa. Eu estou dizendo que as regras de projetos especiais estão dentro do Plano Diretor. Se a revisão do Plano Diretor vai determinar que não tem mais regra para projetos especiais, é uma decisão que a Câmara de Vereadores vai tomar. Eu quero dizer que a proposta que nós vamos mandar para a Câmara será uma proposta bastante liberal, do ponto de vista urbanístico, permitindo adensamento.

Sul21 – Ainda nesse ponto dos grandes projetos em andamento, Beira-Rio, Cais Mauá, torres ao lado do Barra Shopping Sul. Todos eles são voltados para a população de alta renda, com apartamentos avaliados em milhões de reais. O adensamento da cidade não vai vir dessa população, porque ela é minoritária. Como o senhor está pensando em atrair uma massa populacional relevante para o Centro? Como não ser apenas apartamentos de alto padrão que, daqui a pouco, vão ficar na mão de investidores?

Melo: Eu acho que a cidade é para todos. Já defendi há pouco que defendo o adensamento, que achei um equívoco centrifugar os que ganham menos para as periferias. O Plano Diretor que nasce tem espaço para habitações sociais também. Agora, habitações sociais o Brasil tem de vez em quando alguma política dita habitacional, mas não é uma política de cidade. Porque uma coisa é tu fazer apartamento de Minha Casa Minha Vida, Casa Amarela e outros. Outra coisa é você fazer uma cidade. Você não tem nenhuma contrapartida para a infraestrutura no Minha Casa Minha Vida ou outros programas sociais. Você vai lá e coloca na Afonso Lourenço Mariante [estrada na Lomba do Pinheiro] cinco mil pessoas a morar, o esgoto cai a céu aberto, a parada de ônibus fica longe, não tem posto de saúde, não tem infraestrutura. Isso não é fazer cidade, isso é fazer habitação por alguém que compra o terreno por um preço razoável, produz, vende e tal. Esse conceito é profundamente equivocado e levou a essa Porto Alegre, essa Grande Porto Alegre, essa São Paulo, essa Curitiba, essa Goiânia. Isso foi o que aconteceu agora.

A nossa política habitacional, primeiro, nós vamos regularizar 35 mil imóveis que hoje passaram por muitas mãos. O cara comprou, fez um ‘gavetaço’. Segundo ‘gavetaço’ para cá, terceiro, quarto, quinto ‘gavetaço’. Agora, o Refis [programa de refinanciamento de dívidas com a Prefeitura] vai permitir que a gente regularize o imóvel mediante ao pagamento de um percentual por aquele que está lá e se torna propriedade dele. Eu acho que esse é um passo importante. A segunda questão é que nós estamos buscando um financiamento do Bird para a área social e fiscal, que parte vem para os precatórios. Nós temos em torno de 45 mil, 50 mil pessoas que moram nas chamadas áreas de risco. Para mim, isso é um dos maiores dramas da cidade de Porto Alegre, porque nós temos 27 bacias hidrográficas e as pessoas moram na beira desses arroios. Basta começar a chuva para ver o que acontece lá no Sarandi, no Passo das Padres, no Passo da Mangueira, no Capivara e assim vai indo. Com parte desse recurso, vamos começar a trabalhar nos projetos agora, a gente quer reassentar essas famílias que vivem nessas áreas de risco e não permitir mais reurbanização. Hoje é o seguinte, você acolhe as pessoas e depois voltam outras. Aqui tem um braço muito importante.

Por outro lado, volto à questão do Centro, o Plano Diretor não proíbe habitação de baixa renda. O atrativo do mercado é que vai resolver. Por exemplo, nós vamos permitir com a nova lei o ‘retrofit’, onde você vai permitir que uma sala comercial de 60 m² no Centro possa virar um apartamento. Esse é um ganho muito importante. Você tem hoje uma garagem comercial e vai permitir que, em cima dela, possa construir residências. Uma área como a da Voluntários que hoje está com dificuldades, ali tem a moeda do solo criado que nós vamos praticamente dar altura de graça para as pessoas investirem ali e nas outras regiões vamos diminuir o valor do solo criado para atrair também. E estamos pensando, inclusive, em baixar o ITBI para o Centro e o IPTU, nos primeiros três anos, para quem comprar no Centro. Então, tem um conjunto para atrair moradores para o Centro, porque, se não tiver gente morando, não tem revitalização.

Sul21: O senhor comentou que, em décadas passadas, Porto Alegre foi referência nesse debate urbanístico. Porto Alegre também sempre foi uma referência no País na questão ambiental. Desde o final dos anos 70, com Lutzenberger [José, ambientalista], sempre foi uma região e um Estado com essa referência ambiental. O senhor acha que esses projetos dos quais a gente está falando, das torres do Beira-Rio, o projeto do condomínio no Arado, eles estão mantendo essa tradição de preocupação ambiental de Porto Alegre? Eu lhe pergunto, por exemplo, porque no caso do Arado, o estudo de impacto ambiental passou por um inquérito na Polícia Civil e foi considerado falso ou omisso, é o que diz o inquérito. O senhor acha que essa discussão toda está mantendo esse legado de preocupação ambiental que Porto Alegre sempre foi referência?

Melo: Olha, eu acho que não tem uma cidade que tem todos os parâmetros de sustentabilidade, mas acho que a nossa cidade tem algumas coisas que precisam ser elencadas. Nós temos, hoje, talvez a cidade mais arborizada do Brasil, temos 72 quilômetros de orla, temos 60% do esgoto tratado, tem um longo caminho de 40%. Nós temos aqui um projeto de colocar iluminação fotovoltaica nas nossas mais de 90 escolas, vamos investir 25, 30 milhões. Nós vamos fazer uma transformação no sistema de transporte urbano, que é um grande poluidor. A geração de gases das cidades hoje vem especialmente de automóveis, que são os grandes poluidores. São desafios que estão postos. Nós assinamos na Cop26, o Germano [Bremm, secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade] nos representou, o acordo de redução dos gases do efeito estufa.

Acho que a sustentabilidade sempre foi importante, mas a cidade que não tiver, hoje, o selo de sustentabilidade não é atrativa, nem para investimentos, nem para morar. Então, esse tema tem que andar junto com tudo isso que nós estamos dizendo. Não é a altura, na minha avaliação, ou torres que vão trazer mais ou menos sustentabilidade, acho que é um conjunto de ações que a cidade precisa ter, que vai desde a logística reversa, separação do lixo, tratamento do esgoto, drenagem urbana, conscientização ambiental, regularização fundiária e vai indo. Agora, tem um déficit enorme em todas as cidades brasileiras porque o normal é você construí-la, ter infraestrutura e depois receber as pessoas. Conosco houve um êxodo rural enorme, as pessoas saíram do campo, vieram para a cidade, 86% da população do Brasil hoje vive nas cidades, então os puxadinhos foram acontecendo. Então, primeiro vieram as pessoas. Agora, como é que a gente vai mitigar minimamente para que essas pessoas possam ter uma vida digna? Essa é uma realidade das cidades brasileiras, mas eu considero que os nossos parâmetros de sustentabilidade, mesmo com as nossas dificuldades, não estão entre os piores das cidades brasileiras.

Sul21: E como mitigar a situação dessas pessoas que vivem nessas ocupações irregulares? Temos, por exemplo, a questão da falta d’água. Como o senhor encara os desafios dessas populações?

Melo: São duas coisas. Primeiro, a falta d’água desde segunda-feira, que eu pedi desculpa à população, é porque estourou lá…

Melo fez uma avaliação do primeiro ano de gestão, falou dos projetos em andamento para a cidade e abordou a possibilidade de concorrer à reeleição | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21: Mas é um problema histórico, né?

Melo: Então, vamos separar. A Ponta do Arado [estação de tratamento planejada para ser construída junto ao empreendimento da Fazenda do Arado] vai resolver bastante esse processo. O que acontece hoje, tu tem redes velhas, tu tem em torno de 30% da água produzida sendo perdida, então tu tem problemas de várias ordens. Tem que catar a água, tratar a água e 30% dela não chega porque as redes estão velhas, estouradas ou a tubulação já não serve para atender tanta gente. Quando tu fala em investimento, não basta produzir a água, tem que produzir, trocar a rede, bombear a água e fazer ela chegar lá na ponta. Então, a Ponta do Arado vai melhorar muito a [situação na] Pitinga, a Restinga, Hípica, Lomba do Pinheiro até quase a parada 13, 14, 10 talvez, bombeando água para lá. Agora, é preciso novos investimentos e aí temos que entrar nesse tema.

O Brasil votou o Marco Regulatório [do Saneamento Básico, aprovado em 2020], uma lei que chega, para mim, no mínimo 30 anos atrasada. Nós ainda passamos ainda o ano todo discutindo a questão da concessão do DMAE [Departamento Municipal de Água e Esgoto]. Estamos numa fase final de que, se nós modelarmos um sistema que entra a drenagem urbana, eu vou colocar, sim, para a concessão, porque nós temos um déficit de, no mínimo, R$ 4 bilhões em drenagem. Eu não pretendo vender a outorga e ficar com um centavo no caixa. Então, a modelagem está sendo trabalhada. Se ela não imbricar nessa direção, eu vou mandar para a Câmara de Vereadores. Isso não está ainda pronto, mas nós estamos discutindo muito com o BNDES, que é a consultoria que nos atende, porque eu não vou entregar água e esgoto e ficar com a drenagem. Nós temos 19 casas de bombeamento, o que acontece? Quando vem a chuva, cai a energia, a casa de bomba não tem gerador próprio, lota o arroio, o arroio vai para o bombeamento, a bomba não funciona e o alagamento volta. Esse é um drama da cidade hoje, drenagem urbana é um negócio dramático. Quando tu fala em questão de sustentabilidade, passa muito por isso também.

Tudo isso está posto, agora são projetos que não podem ser de um governo, sabe. Eu vou cumprir aqui a minha missão de quatro anos e temos nos esforçado para fazer a nossa parte, respeitando quem pensa diferente. Tinha dois projetos de cidade [na eleição], a população escolheu um, podia ter escolhido o outro. Eu tenho perguntado todos os dias: estamos cumprindo o contrato das urnas? Os secretários sabem disso. Então, eu tenho procurado resgatar o que nos trouxe ao Paço Municipal para cumprir nesses quatro anos. Bom, quem vai nos suceder, eu penso que a Orla é um exemplo. Por que teve o trecho três? Porque teve o primeiro. Vai ter o segundo porque tem o três e o um. Não pode ‘porque começou no Fogaça, passou pelo Fortunati, passou pelo Marchezan’, isso não é obra de um governo, é obra de cidade. Isso deveria ser assim. A democracia brasileira nem sempre tem permitido isso, mas eu tenho esse conceito para mim, governo que assume tem que pegar da onde está e tocar para frente, fazer e não ficar questionando para trás.

Sul21 – O senhor falou ao longo da entrevista em alguns momentos [trechos suprimidos por conta de edição] que queria falar dos projetos sociais do seu governo. Eu queria que o senhor falasse sobre esse tema.

Melo: O nosso governo é muito liberal na economia, liberal para o empreendedor, na abertura de negócios, mas tem um olhar muito forte para a questão social, porque a gente acha que o Brasil tem aí muitos desafios sociais. Vou começar pela fome. Não é possível que um País que tem as terras mais agricultáveis do mundo, que vende grãos para o mundo inteiro, você ver irmãos nossos passando necessidade alimentar. Isso é real e está na nossa cidade. Nós elevamos de mil cestas básicas para dez mil cestas [distribuídas pela Prefeitura], fora todas as outras atividades que são feitas por outras entidades. Agora, eu acho que programa assistencial tem que ser libertador. Nós estamos apostando muito no microcrédito, que vai começar a ser operado. Ele é o seguinte: nós vamos usar o Cadastro Único e vamos pagar os juros para quem tomar o dinheiro, porque ele é um pequeno empreendedor. Mas ele vai ter uma preparação. O contrato que estamos fazendo com o Sebrae tem justamente uma condição de preparação das pessoas que tomarem o microcrédito. Esse é um eixo social importante. Outro é que, com o dinheiro que vem do Bird para o social, a gente quer criar muitos programas de capacitação. Vou dar um exemplo. Eu fui um legislador de raras leis, mas a Lei das Carroças foi muito polêmica, aplaudida por um lado, questionada por outro, mas ela botou um canga no poder local de que ele tinha que criar políticas públicas para dar oportunidade aos carroceiros e hoje você vê muito menos carroceiros em Porto Alegre. Mas eles não foram retirados na marra, foi dado a eles oportunidade de profissionalização, benefício continuado, aposentadoria a quem podia, depois acolhemos a carroça, o cavalo, e você de uma vida mais digna para as pessoas. Então, esse dinheiro que é o do Bird e é para a área social tem que ser investido em moradores em situação de rua e acolhimento, que é outro drama das cidades brasileiras, aumentou muito em função da pandemia. Tem que ter uma política mais arrojada de acolhimento, transversal. Você sabe que, tristemente, são pessoas que muitas delas usam drogas. Mesmo nós tenhamos aumentando para 500 [vagas] de acolhimento até agora, é insuficiente. Aumentamos os Consultórios  Rua, insuficiente.

Essa questão do social é um desafio que está posto e tem que dialogar com a cidade educadora, que é aquela que olha para além do portão do colégio. Aqui tem que entrar uma política muito firme. Nós estamos estudando um projeto que nós temos estudado muito, uma experiência da Colômbia, e estou falando isso pela primeira vez publicamente. Lá tem uma experiência que os alunos de baixa renda passam a receber um depósito por mês na conta do aluno, criando uma poupança, mas tem uma regra para tirar essa poupança, ele tem que ser um bom aluno. Eu estou muito inclinado a esse projeto.

Sul21 – Falta ainda algum ajuste para o programa de microcrédito deslanchar?

Melo: Ele está quase pronto, tem ainda alguns ajustes, mas esperamos que, dentro desse primeiro trimestre desse ano, saia do papel.

Sul21 – Pra fechar, o senhor falou que tem um contrato com a cidade por quatro anos e que depois vai entregar para a próxima gestão. O senhor está dizendo que não vai concorrer à reeleição?

Melo: Eu tenho me esforçado para ser um prefeito trabalhador e é disso que eu vou falar até o final do meu mandato. Eu fui eleito para quatro anos e é disso que eu tenho que falar nesse momento. Não sei se a reeleição vai terminar, se vai continuar, eu sempre defendi que o Brasil deveria ter mandatos maiores e não ter reeleição. Porque quatro anos para um prefeito, para um governador ou presidente, às vezes é um mandato pequeno para tanto desafio. Mas eu, sinceramente, acho que quem pensa em reeleição no início de governo faz um mal governo. Acho que o gestor tem que tocar e saber que tem dia e hora para sair do mandato.


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