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5 de abril de 2024
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09:03

Alto índice de imóveis desocupados expõe brechas em plano da Prefeitura para adensar o Centro

Por
Luís Gomes
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Região central da Capital está no centro das discussões sobre planejamento urbano. Foto: Luiza Castro/Sul21
Região central da Capital está no centro das discussões sobre planejamento urbano. Foto: Luiza Castro/Sul21

O Observatório das Metrópoles de Porto Alegre divulgou recentemente um levantamento indicando que 30,5% dos domicílios no Centro de Porto Alegre e 22,5% no 4º Distrito — bairros Humaitá, Farrapos, Navegantes, São Geraldo e Floresta — não estavam ocupados no momento da coleta de dados para o Censo Demográfico de 2022. Os percentuais para as regiões, que receberam nos últimos anos programas específicos para aumentar suas populações, estão acima da média da cidade, que é de 18,7%. O Sul21 conversou com especialistas para entender os impactos dos altos níveis de desocupação de domicílios para a cidade e como os dados afetam os planos da Prefeitura.

Coordenadora de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), Vaneska Paiva Henrique diz que os dados apresentados pelo Observatório das Metrópoles coincidem com dados que foram utilizados pela Prefeitura na elaboração dos planos de reabilitação do Centro e do 4º Distrito.

“Esses números não estão desalinhados com os números que já apareciam nos relatórios e diagnósticos que foram elaborados para os programas do Centro e do 4º Distrito. Na ocasião, como a gente tinha a defasagem dos dados do Censo, a gente estava utilizando os dados do DMAE que nos dão um retrato bem atualizado em relação às economias que têm ligação de água ativas, que davam um percentual bastante alto de desocupação”, afirma.

Questionada se esses dados podem ser publicizados, afirma que, no momento, eles são utilizados apenas para consumo interno, mas é possível que eles sejam disponibilizados publicamente a partir da revisão do Plano Diretor. Segundo ela, a Smamus tem feito um trabalho de estruturação interna, que passa por investimentos em softwares que ajudem na leitura das informações. “O nosso passo adiante que a gente pretende regulamentar é um compromisso disso na revisão do Plano Diretor, é que a gente tenha essa transparência nos dados, para que as pessoas possam conhecer”, diz Vaneska.

Professor Eber Marzulo, do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, diz que o alto número de imóveis desocupados impacta nas cidades de duas formas. A primeira delas é o fato de encarecer a cidade. “Porque tu tem uma rede de infraestrutura urbana instalada completa, do básico elementar, esgoto e encanação pluvial, ao mais sofisticado, à transmissão de dados por fibra ótica. Tem tudo nessas regiões. Isso gera uma deseconomia urbana, porque tem ali o investimento que não está gerando atividade econômica. Tem alguém pagando pela existência da infraestrutura que não está sendo usada”, diz. “Se a população de caráter mais popular não tem acesso à habitação nas áreas mais centras e estruturadas da cidade, elas vão para a periferia, onde vão demandar infraestrutura. Além de muitas vezes ficarem expostas a riscos ambientais, particularmente agora nessa época de eventos climáticos extremos”, complementa.

A segunda questão para ele é que demonstraria que não há necessidade de construção de novos prédios. “O que o prefeito está fazendo é permitir uma produção imobiliária que é para a renda, para rendimento. Gera valorização das empresas, as incorporadoras ficam mais ricas. É mais uma comprovação de que não é necessário do ponto de vista das atividades urbanas, não é necessário para habitação, não é necessário para moradia e não é necessário para os serviços, para a infraestrutura, para o comércio, para as atividades econômicas para além da habitação, porque tem imóvel vago”, diz.

Pesquisador responsável pelo levantamento, André Augustin avalia que uma primeira conclusão que pode ser tirada é de que os dados apontam que, na verdade, a Prefeitura não estaria interessada em realmente adensar o Centro da cidade. “Acho que esse discurso do adensamento é uma desculpa para fazer outras coisas em nome do adensamento. Porque, assim, para vocês decidir se vai adensar ou não, primeiro tem que saber quantas pessoas moram no Centro, qual é a tal densidade, o que é algo que a Prefeitura não fez. Inclusive, o Censo é algo que a Prefeitura está ignorando. Quando sai o diagnóstico do Plano Diretor, feito pela consultoria Ernst & Young no ano passado, ele foi publicado depois de saírem os primeiros dados do Censo, que eram os dados de população, e a consultoria ignorou, decidiu não colocar no diagnóstico. Não tinha todos os dados que têm agora, mas já tinha saído pelo menos o dado que a população de Porto Alegre estava caindo”, afirma.

Vaneska pondera que há uma série de fatores que contribuem para a não utilização de imóveis. Ela destaca que um deles se refere a disputas judiciais que impedem que imóveis tenham destinação. “No Centro, uma parcela desses imóveis que hoje estão desocupados também são por questões de inventário, de herança, que não conseguem se resolver. No patrimônio histórico, a gente tem questões complicadíssimas, como o universo de 30 herdeiros para um imóvel e que não consegue se chegar num consenso para se aproveitar. Isso também acontece”, diz.

 

Centro Histórico foi contemplado em programa especial do Município. Foto: Luiza Castro/Sul21

O Censo 2022 apontou que a população de Porto Alegre é de 1.332.570 moradores. O resultado significa uma queda de 5,4%  em relação ao Censo de 2010, quando a cidade tinha 1.409.351 habitantes. Também apontou que, apesar da queda populacional, a Capital teve um aumento expressivo no número de domicílios. Em 2010, a cidade tinha 574.831 domicílios particulares permanentes. Já em 2022, esse número saltou para 686.414, dos quais 558.151 estão ocupados, 101.013 estão vagos e 27.250 são de uso ocasional. O número de domicílios vagos mais que dobrou, já que eram 48.934 em 2010.

Por outro lado, o número de domicílios ocupados cresceu cerca de 10% — eram 508.813 em 2010 –, o que é explicado pela média menor de moradores por domicílio. Atualmente, a cidade tem 2,37 moradores por domicílio, contra uma média de 2,75 em 2010.

Vaneska avalia que a perda populacional apontada pelo Censo acende, sim, um alerta na Prefeitura. “Porque a nossa cidade foi construída para uma população de 1,5 milhão de habitantes. Ela tem serviços que dependem de um certo número populacional, de uma certa população residente, para poderem se manter dentro de uma qualidade que se espera. Isso, inclusive, é um dos motivadores para os projetos do Centro e do Quarto Distrito e é também algo que está no radar tendo em vista a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre”, afirma.

Aprovado em 2021, o Programa de Reabilitação do Centro Histórico tem como principal objetivo “criar instrumentos legais para recuperação e transformação urbanística do Centro Histórico e atrair novos empreendimentos para a região, especialmente os residenciais”. A meta da Prefeitura é dobrar o número de moradores no Centro, estimados pelo poder público em 45 mil na época da apresentação do programa.

Para alcançar essa meta, o programa liberou 1,180 milhão de metros quadrados em potencial construtivo e previu isenção do pagamento para construir além do limite preestabelecido para cada terreno, nos primeiros três anos, na área junto às avenidas Mauá, Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria.  Permite também flexibilização do regime urbanístico que vigorava antes do programa para facilitar o reaproveitamento de imóveis desocupados ou subocupados e facilitar a construção de novas edificações. Em um dos cenários previstos pela Prefeitura, poderiam ser construídos prédios de até 200 m de altura.

A coordenadora de Planejamento Urbano da Smamus reconhece que há um descompasso entre o ritmo da “transformação” das regiões e os prazos imaginados pela Prefeitura na elaboração dos planos do Centro e do 4º Distrito, o que se vislumbra, por exemplo, no fato de que incentivos previstos nas respectivas regiões tinham a previsão de vigorar por cinco anos. No caso do Centro, cuja lei é de 2021, isso significa que já expiram em 2026. No caso do 4º Distrito, cuja lei é de 2022, em 2027.

“A gente vê que a transformação não coincide com o ritmo dos prazos que foram dados. São questões que a gente está vendo que precisam ser revisadas e que, realmente, a gente tem que apostar num monitoramento e numa certa flexibilidade para que a gente possa tomar decisões na medida que o monitoramento nos aponta algumas questões”, afirma.

Vaneska diz que uma análise que já pode ser feita a partir dos resultados dos programas é de que, no Centro, 20% dos projetos apresentados para adesão são de novas construções, com os outros 80% sendo relativos à regularização de incrementos construtivos que antes não eram permitidos e mudanças nas atividades de unidades, como a conversão de hotéis, escritórios, edifícios garagem, entre outros.

“A gente percebe que a maior parte dos ingressos no projeto do Centro não são para novas construções, a gente está conseguindo reabilitar em alguma medida os imóveis que existem, mas ainda de uma forma bastante tímida. Isso realmente era a ideia do programa, não era construir muitos edifícios novos no Centro. Se pudessem ter intervenções pontuais para a construção de novos edifícios, mas a principal motivação é trazer essa reabilitação, que é conjunto de ações e intervenções”, diz Vaneska.

Por outro lado, reconhece que é um problema os programas ainda não terem conseguido atrair uma maior diversidade populacional para o Centro, o que passa, também, pelo fato de que as leis do Centro e do 4º Distrito deixaram questões para serem regulamentadas, como a concessão de benefícios para o patrimônio histórico, habitação de interesse social e edificações que façam adesão a práticas sustentáveis.

“A gente ainda tem ainda muita dificuldade de colocar outras classes sociais, o que também está por trás do conceito do programa de reabilitação, que é conseguir ter esse mix de classes sociais no território. Algumas delas não conseguem acender a esses imóveis, por uma simples questão financeira do valor desses imóveis”, diz.

André Augustin avalia que a construção de novos prédios não necessariamente significa adensar uma região. Ele destaca que, segundo o Censo de 2010 — os dados de 2022 ainda não estão disponíveis para essa análise –, as duas regiões mais densas do Brasil eram as favelas da Rocinha, no Rio de Janeiro, e Paraisópolis, em São Paulo, que se estendem de forma horizontal pelo território.

“Por que que tem essa demanda para construir prédio alto? Porque tu aumenta o lucro da construtora. Ela compra um terreno, em vez de construir 10 andares, construir 40, o lucro dela vai ser maior, mas não significa que necessariamente vai ter mais gente morando ali. Por exemplo, o prédio que a Melnick está querendo fazer na Duque, de 42 andares, oito andares são de garagem. Que densidade é essa que o argumento da Prefeitura é de que temos que densificar porque as pessoas morando no Centro vão estar morando perto do trabalho, não vão andar de carro, vão poder andar a pé e isso vai melhorar a mobilidade urbana. Se o objetivo é esse, para que ter oito andares de garagem?”, questiona.

Para Augustin, uma forma de enfrentar a alta taxa de desocupação das regiões centrais seria desincentivar o espraiamento da cidade para áreas não urbanizadas. Contudo, ele salienta que continuam sendo aprovados projetos para áreas distantes do Centro. “Por exemplo, a Ponta do Arado, um projeto aprovado no mesmo mês que foi aprovado o projeto do Centro Histórico, com o aval dos mesmos vereadores. Os mesmos vereadores que falam em densificação para aprovar prédios mais alto no Centro, poucos dias depois aprovaram a Ponta do Arado, um lugar extremamente longe, onde não tem nada, uma área de preservação ambiental, uma das poucas áreas de Porto Alegre na beira do Guaíba que ainda está com a vegetação preservada”, diz.

Questionada se os vereadores têm acesso aos dados de monitoramento utilizados pela Prefeitura, Vaneska diz que informações são passadas quando a Smamus é procurada. “Muitas vezes eles nos procuram para perguntar algumas coisas pontuais, mas talvez não de uma forma estratégica, estruturada”.

Uma das grandes dificuldades de enfrentamento do problema da desocupação é a própria capacidade de mensuração do problema, uma vez que 30% de unidades domiciliares desocupadas não significa que 30% dos prédios e casas do Centro estão desocupados, mas que esses domicílios estão espalhados pelos imóveis da região, certamente em variados níveis de desocupação. Recentemente, o governo federal anunciou um programa que vai destinar imóveis inteiros desocupados para entes federativos, movimentos sociais e o setor privado para a construção de habitações e equipamentos públicos. Contudo, como se enfrenta a desocupação em menor escala?

O professor Eber Marzulo avalia que há alternativas que poderiam ser implementadas para facilitar a ocupação de unidades domiciliares em edificações apenas parcialmente ocupadas. Uma delas seria a criação de linhas de financiamento, através de programas como o Minha Casa Minha Vida, que depende de aportes federais. Mas também pontua que os municípios possuem instrumentos.

“O mecanismo que a Prefeitura tem é o imposto. Tu jogando com eles, torna o imóvel mais ou menos acessível. Tem duas operações, tu pode aumentar para pressionar a ocupação, que é um instrumento que tem no Estatuto da Cidade, mas que, para ser aplicado, tem que gravar. Em vez de o prefeito e o secretário Germano Bremm ficarem liberando a construção para a rentabilidade imobiliária, permitindo a construção de edifícios de 100 metros de altura nessa região, o que não precisa, porque tem estoque a ser ocupado, deveriam estar fazendo um Plano Diretor que demarcasse essas áreas e aplicasse o IPTU progressivo, que vai forçar os proprietários a ocuparem esses edifícios, porque o custo aumentará. Agora, por outro lado, tu pode ter mecanismos de diminuição do IPTU para facilitar o preço final de compra.”

Vaneska reconhece que essa é uma dificuldade, mas pondera que há alternativas. “Daqui a pouco, essas economias possam repensar a sua divisão. Em alguns prédios que estão totalmente desocupados, é mais fácil repensar o tamanho da economia, num apartamento fica mais difícil. Mas, pensando em como a gente pode trazer uma transformação para que esses imóveis possam se adequar a demanda que, de fato, existe. Porque, de alguma forma, a gente tem uma oferta que não tá casando com a demanda, porque com certeza existem pessoas que gostariam de morar no Centro.”

Questionada se uma das medidas a serem tomadas poderia ser a aplicação do IPTU progressivo no tempo, instrumento previsto no Estatuto das Cidades que consiste em aumentar a tributação a medida que o imóvel permanece desocupado, Vaneska responde: “A gente começa a entrar em algumas questões que eu entendo que são bem controversas para discussão em Porto Alegre, que, em última instância, é uma população um pouco conservadora em relação a alguns aspectos. O Plano Diretor é uma delas”.

Durante a série de reportagens Donos da Cidade, publicada em novembro passado, o Sul21 apontou que os rumos das discussões em andamento sobre a revisão do Plano Diretor indicam que a Prefeitura irá propor uma ferramenta de planejamento urbano “muito liberal”, com a eliminação de restrições impostas ao mercado imobiliário.

Nesta linha, a coordenadora de Planejamento Urbano da Smamus avalia que a saída para o problema de desocupação de imóveis não passa por um maior controle da Prefeitura sobre o que pode e o que não pode ser construído. “Estudando casos pelo mundo, a gente vê municípios que desconstituíram essa questão de zoneamento de uso, que no fim acabou segregando, tanto alguns perfis populacionais, como algumas áreas da cidade.”

Por outro lado, ela vê benefícios na construção de novos imóveis no Centro, mesmo diante da atual capacidade ociosa. “Sempre que existem novos metros quadrados construídos, eles vão vir com um valor mais alto de mercado para dentro desses bairros, mas acaba baixando o valor dos imóveis pré-existentes. Então, a gente entende que isso é um processo e, para regular o valor dos imóveis no Centro, era importante permitir essas novas construções”, diz.

Contudo, ela também reconhece que há uma tendência nas cidades das pessoas optarem por mudar para prédios novos e deixaram os prédios antigos para trás. “Isso acontece de uma forma meio generalizada, em diferentes classes sociais, em diferentes áreas da cidade. O nosso grande desafio é que seja considerado um valor aproveitar uma edificação que existe. No Quarto Distrito, especificamente, a gente colocou pontuações e incentivos diretamente vinculadas ao aproveitamento de estruturas que existem”, afirma.

Outro benefício que vê para novas construções e empreendimentos de grande porte é o fato de que estão contribuindo, a partir da compra do solo criado, para financiar 17 obras consideradas como prioritárias pela Prefeitura no Centro Histórico.

Augustin pondera que, apesar de ser um argumento usado pela Prefeitura e pelas construtoras durante as discussões do Plano Diretor, o aumento da oferta de imóveis não resulta, na prática, na queda do valor de imóveis em uma região. “O mercado imobiliário não funciona simplesmente como na teoria de oferta e demanda. Pelo contrário, a gente vê que aqui nessas áreas onde estão tendo essas mudanças está aumentando o preço dos imóveis. Inclusive, é algo que na própria propaganda dessas empresas, você vai ver publicidade de prédios que estão sendo construído no 4º Distrito, por exemplo, são vários que dizem área de valorização. Então, as mesmas construtoras dizem nas discussões do Plano Diretor que o aumento da oferta vai reduzir o preço, na propaganda que fazem para as pessoas que estão comprando de imóveis dizem que é um bom investimento porque os preços estão aumentando”, diz.

 

A opção pelo investimento já faz parte da propaganda dos negócios | Foto: Luiza Castro/Sul21

O pesquisador lembra ainda que Porto Alegre já é uma das cidades mais verticalizadas do País. De acordo com os dados do Censo de 2022, a Capital possuía 687.679 domicílios em 2022, dos quais 276.628 (49,55% do total) eram apartamentos, 264.811 (47,44%) eram casas, 15.797 eram casas de vila ou condomínio (2,83%), 907 eram cortiços (0,16%) e 109 estruturas degradadas ou inacabadas (0,02%). Com relação ao Censo 2010, o número de apartamentos cresceu em 16%, pois eram 237.297. Já o número de casas, que era de 254.052, cresceu apenas 4,2%. Apenas Santos (SP), Balneário Camboriú (SC) e São Caetano do Sul (SP) possuem um percentual maior de pessoas morando em apartamentos.

“Muito do discurso das construtoras é que Porto Alegre é uma cidade que não é vertical, que não se pode construir prédio aqui porque é uma cidade muito horizontal e está atrás do resto do Brasil. O que é uma mentira que o Censo mostrou. A gente não tem prédios tão altos, mas a gente tem muitos prédios de estatura média, que é o que mais aumenta a densidade. Inclusive, os exemplos internacionais que a Prefeitura usa são todos de cidades que não são muito altos, mas têm uma uniformidade de altura. Então, Porto Alegre já tem hoje o que a Prefeitura diz que quer fazer, mas o que está fazendo é transformar em outra coisa que não é o que eles dizem que eles querem”, afirma.

Eber avalia que o estímulo à ocupação de imóveis já construídos teria o efeito benéfico de baixar o valor de compra e venda, o que facilitaria o acesso para camadas de renda média e baixa às regiões, especialmente ao Centro. “São bairros que já têm esse caráter inclusive em serviços e comércio. Uma certa estrutura urbana adequada de caráter popular, o que tende a baixar os custos. Tende a gerar um processo de desvalorização imobiliária, porque tu vai estar reformando prédios antigos, o que é mais barato do que um prédio novo. Quem for procurar um apartamento, vai ver que, numa mesma área, o prédio antigo vai ser mais barato que o novo”, diz.

No entanto, avalia que esse tipo de iniciativa não interessa ao mercado imobiliário. “Para essas incorporadoras, o que interessa é uma operação com maior valorização financeira. A valorização da incorporadora ao lançar um empreendimento é maior do que se for fazer uma reforma no prédio. Para as incorporadoras grandes, não interessa adaptar um prédio antigo comercial para moradia, um antigo hotel, o prédio do INSS, isso não gera nada. O que para esse mercado interessa são as grandes operações fundiárias imobiliárias. É botar abaixo edifício perto do Museu Júlio Castilho e construir prédio de 30 andares, o que vai fazer com que a incorporadora tenha mais renda, ela passa por uma valorização financeira, pode ter mais recursos porque tem um empreendimento novo até na faixa de bilhões, e vai ter uma produção que o comprador final também vai estar preocupado em investimento, e não em morar, alugar ou vender para um terceiro. Isso tudo vai acontecer ao longo tempo, mas vai demorar porque não é o sentido da dinâmica desse mercado”, diz.

A respeito deste processo, a chamada financeirização do mercado imobiliário, Vaneska reforça a ideia de que é muito difícil estipular regras para que edifícios sejam ocupados, mas pontua que a Prefeitura aposta no monitoramento para dimensionar se esse é um problema que, de fato, atinge a cidade.

“É muito difícil a gente estipular que tantas pessoas vão morar num edifício, mas é muito mais fácil, através do controle, como os dados do Dmae, que a gente tem um relacionamento direto por ser um órgão municipal, em que a gente consegue praticamente em tempo real entender onde está o consumo e realmente se estão sendo ocupadas as edificações, para que a gente possa desenvolver os instrumentos e as estratégias de planejamento à medida que isso acontece. Hoje, o que a gente vê em Porto Alegre é muito mais uma atuação de incorporadoras locais do que novos agentes chegando para esse mercado e criando novas dinâmicas de construção. Então, hoje, a gente percebe muito mais a necessidade de monitorar isso como um encaminhamento, para que a gente possa ir ajustando esses instrumentos. Mas, como tu falaste, além de ser uma literatura vasta, existe uma dinâmica muito grande de como vai se entendendo esse problema na cidade. A gente também entende que se deve investir na capacitação do nosso corpo técnico, a maior parte do nosso corpo tem um pé na academia e buscamos essas pesquisas para poder instrumentar também as nossas decisões. Nesse cenário, é esse que eu teria para dizer hoje”, afirma.


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