Política
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15 de março de 2024
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13:42

Movimentos sociais já têm projetos de moradia para prédios da União na Capital

Por
Luís Gomes
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Imóveis da União que serão destinados para habitação social. Edifício Emater, na Avenida Farrapos nº 285. Foto: Luiza Castro/Sul21
Imóveis da União que serão destinados para habitação social. Edifício Emater, na Avenida Farrapos nº 285. Foto: Luiza Castro/Sul21

O presidente Lula assinou no dia 26 de fevereiro o decreto que institui o Imóvel da Gente, Programa de Democratização de Imóveis da União, que vai destinar imóveis da União para outros entes federativos, movimentos sociais e o setor privado para a construção de habitações e equipamentos públicos. Na primeira leva do programa, estão contemplados 500 imóveis em 200 municípios, o que inclui dez no Estado do Rio Grande do Sul e quatro em Porto Alegre. Dos quatro imóveis na Capital, dois deles são de prédios que estão desocupados pela União há anos e que foram ocupados recentemente por movimentos sociais que atuam na luta pela moradia popular, os edifícios Emater, Av. Farrapos, 285, no bairro Floresta, e Protetora, Praça Rui Barbosa, 57, no Centro Histórico. Nesta matéria, o Sul21 explica a situação dos imóveis e aborda os projetos previstos para a transformação deles em habitações populares.

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A meta da ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, é destinar 1,1 mil imóveis para o Programa ainda em 2024. Superintendente da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul, Emerson Rodrigues explica que os 500 imóveis anunciados, bem como os dez no RS, são apenas os primeiros, destacando que eles já estavam previstos para serem destinados para habitação, o que inclui os edifícios da Capital. Os outros dois imóveis selecionados em Porto Alegre, localizados em terrenos vizinhos na Av. Protásio Alves, passarão por um processo de regularização fundiária.

 

Terreno localizado na Avenida Protásio Alves, nº 7959 está incluso na primeira leva da Capital a serem incluídos no programa e passará por processo de regularização fundiária | Foto: Luiza Castro/Sul21

Rodrigues informa que, nas próximas semanas, uma segunda leva de 46 imóveis da União no RS devem ser incluídos no programa. Segundo ele, o anúncio deve ser feito logo após a SPU definir as regras para participação no fórum das entidades, órgão que terá divisão paritária de membros entre representantes governamentais — União, Estado, municípios e Caixa Econômica Federal — e sociedade civil — especialmente movimentos sociais — e terá a responsabilidade de discutir a destinação dos imóveis.

“Esse fórum vai discutir qual entidade que vai ser beneficiada pelos imóveis. A União não quer só fazer um check list dos imóveis e que cada um se credencie, que pontue e ganhe. A gente quer pactuar entre as entidade reunidas dentro de um fórum, onde elas conversem entre si para ver quais os interesses de cada uma delas”, explica Rodrigues, acrescentando que as regras para composição no fórum deverão variar de acordo com a realidade de cada Estado. “Por exemplo, no Amazonas não deve ter tantas entidades de moradia como tem aqui no Rio Grande do Sul. E o Rio Grande do Sul não tem o mesmo quantitativo que tem em São Paulo. Então, nós vamos adaptar esse modelo de fórum de entidades para cada um dos estados”, complementa.

A ideia é da SPU é fazer o lançamento do Fórum na próxima semana, bem como a convocação para as entidades interessadas em participar.

Rodrigues explica que todos os imóveis serão analisados “caso a caso”, podendo ou não ser destinados para as entidades que já promovam ocupações nos locais. No caso do edifício Emater, ele pontua que o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) — movimento que ficou conhecido em Porto Alegre com a ocupação Lanceiros Negros — já tem um projeto para conversão do imóvel em moradias aprovado na Caixa para inclusão no Minha Casa Minha Vida Entidades e aguardando aprovação do Ministério das Cidades

Já no Protetora, que hoje tem uma ocupação liderada pela União Nacional por Moradia Popular, ele explica que está em avaliação a composição de um projeto que envolva mais de um movimento social. “Ali, a gente quer fazer uma experiência inovadora, inclusive, no Brasil, com um condomínio de movimentos. Mas isso a gente vai fazer essa conformação dentro do Fórum, por isso que ele é tão importante pra gente deliberar junto com as entidades”, diz.

Em 15 de dezembro de 2023, o movimento social União Nacional por Moradia Popular iniciou a ocupação “Periferia no Centro” em um prédio pertencente ao governo federal na esquina da Av. Júlio de Castilhos com a Praça Rui Barbosa, ao lado do camelódromo, no Centro de Porto Alegre. Conhecido como Edifício Protetora, o prédio de 17 andares estava desocupado desde 2018 e, segundo o movimento, a ocupação teve o objetivo justamente de pressionar o governo federal a incluí-lo em um eventual programa — à época não anunciado oficialmente — de destinação de imóveis para a habitação social.

“A gente fez essa luta com essa intenção de tensionar mesmo, de fazer pressão, para que esse prédio pudesse entrar nessa lista, porque até então ainda era uma incerteza. Agora, com o lançamento do programa de democratização dos imóveis da União, a gente consegue ter essa vitória de poder saber que o nosso prédio onde a gente tá ocupando lá com mais de 50 famílias vai finalmente poder também se pensar e se almejar o tão sonhado sonho da casa própria para as famílias de baixa renda oriundas de várias comunidades de periferia”, diz Jurema Louzada Alves, integrante da coordenação nacional do movimento.

Segundo ela, cerca de 50 famílias participam hoje da ocupação, mas o prédio teria capacidade para mais de 100 unidades habitacionais. Jurema diz que a União chegou a pedir a reintegração de posse na Justiça, mas espera que, uma vez que já havia negociações abertas com o governo e que o prédio foi incluído no âmbito do programa de democratização, a situação judicial seja resolvida. Além disso, pontua que o movimento mantém conversas com outras entidades para a elaboração de um projeto de retrofit, a conversão de unidades de escritório em habitações.

 

Edifício Protetora, Praça Rui Barbosa, 57, está ocupado há cerca de três meses e será destinado para habitação social | Foto: Luiza Castro/Sul21

“A gente sabe que é uma luta de todos os movimentos que acompanham as famílias que fazem a luta pela moradia, que fazem a luta pela conquista da moradia popular para famílias de baixa renda. A nossa pretensão é poder somar força junto com os movimentos para a construção dessa realidade, desse prédio poder se tornar moradia popular, uma referência para o Centro de Porto Alegre, para uma parte do centro que vivia, até três meses atrás, num contexto de violência, num contexto de abandono da gestão pública de Porto Alegre”, diz.

Jurema afirma que a própria ocupação de um prédio abandonado já ajudou a mudar o caráter da região, inclusive por ações realizadas pelo movimento. Uma delas é a janta solidária, realizada em parceria com o Sindimetrô, que entrega mais de 100 refeições todas as noites de sexta-feira para a pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social.

“A gente hoje tem duas realidades no centro, temos a parcela onde vive a burguesia e há investimentos para uma maquiagem bonita, e a gente tem aquela parcela onde está o edifício Protetora, onde a classe trabalhadora chega para trabalhar e vivia assustada, com medo, porque é um local que as pessoas tinham receio de circular. Hoje, a gente dá uma nova identidade para o Centro de Porto Alegre, trazendo uma proposta de espaço para as pessoas poderem acessar atividades culturais, projeto sociais. A nossa intenção é que o prédio possa ter uma cozinha comunitária, possa ter um espaço voltado para cultura, para o esporte, para o lazer, com praça, com espaço para oficinas, cursos profissionalizantes. A gente tem uma equipe técnica acompanhando o processo, estudando, fazendo projetos”, afirma.

O outro prédio do governo federal incluído no programa está localizado na Av. Farrapos, 285, bairro Floresta, conhecido como Edifício Emater. Este imóvel, inclusive, já tinha negociações em andamento com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas para a destinação para habitação social, que promoveu a ocupação do local em maio de 2023.

Luciano Schafer, coordenador nacional do MLB, acredita, inclusive, que a iniciativa do MLB de ocupar o prédio ajudou a acelerar a discussão sobre os imóveis do governo federal. “Eu acho que esse movimento que a gente fez aqui em Porto Alegre serviu para alavancar também a atividade pela moradia digna em todo o País”, diz.

Ele afirma que, quando ocorreu a ocupação, o imóvel estava subutilizado, mas não totalmente desocupado, uma vez que ainda era usado pela Emater como depósito. “Quando a gente iniciou o processo de negociação, primeiramente com a solicitação da reintegração de posse, a gente iniciou o processo de negociação com a SPU, que era proprietária do prédio. A Emater já se retirou e a gente conseguiu, através da nossa negociação, também com atuação de alguns parlamentares, a posse”, diz.

Schafer explica que o movimento apresentou um projeto de retrofit para a Caixa Econômica Federal no âmbito do Minha Casa Minha Vida Entidades e que o projeto já foi qualificado, com o movimento agora aguardando a aprovação do Ministério das Cidades. “A posse está garantida através da cedência da SPU, estamos só aguardando a Caixa fazer esse aprovação lá em Brasília no ministério para a gente já iniciar processo de obra”, diz.

Ele explica que 35 famílias ocupam o imóvel atualmente, o que seria a capacidade que um projeto de retrofit para o imóvel comportaria. “O projeto já está pronto. Além das 35 unidades habitacionais, a gente também tem a ideia de reformar. Lá no décimo andar, tem um auditório e também no terceiro andar a gente vai usar para fazer atividades com o movimento. Queremos fazer um alojamento, fazer duas ou três salas de aula para também termos condições de desenvolver o movimento e expandir o trabalho além da moradia”, afirma.

Uma fonte “cobiçada” de imóveis pelos movimentos sociais são prédios desocupados e terrenos que pertencem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em Porto Alegre, o mais famoso deles é a antiga sede do INSS na Travessa Cinco Paus, entre o terminal de ônibus da rua Uruguai e a Estação Mercado do Trensurb. Durante o governo Bolsonaro, o imóvel chegou a ter a sua venda ou permuta para a iniciativa privada previstas, mas a ideia, que era defendida pelo gestão do prefeito Sebastião Melo, acabou não avançando.

Pelos cálculos do governo federal, o INSS possui 3.213 imóveis não operacionais que poderiam ser destinados para outros projetos. Ao assinar a criação do programa de democratização dos imóveis, o presidente Lula também assinou a criação de um Grupo de Trabalho interministerial para tratar destas propriedades.

Emerson Rodrigues explica, no entanto, que a destinação desses imóveis, seja para a provisão habitacional ou para a venda, envolve questões complexas, uma vez que eles pertencem ao Fundo Garantidor do Regime Próprio da Previdência.

“Quando a Previdência tinha muito dinheiro, ela comprava imóveis. Se a gente pensar quando surge a Previdência, ela não precisa pagar nenhuma aposentadoria, ela só recebe, então os governos foram comprando imóveis. Para que nenhum governo chegasse de uma hora para outra e vendesse esses imóveis, criou-se esse fundo. Então, qualquer negociação que se faça de um imóvel do INSS, a União, município ou estado, obrigatoriamente tem que ressarcir esse fundo”, explica.

Rodrigues explica que a ideia é que o GT interministerial apresente ao Ministério da Previdência alternativas contábeis e financeiras para equalizar a situação. Ele também pontua que o GT terá como uma de suas tarefas indicar imóveis pelo Brasil, o que espera incluir o prédio da Travessa Cinco Paus, para serem destinados para a provisão habitacional. Além disso, salienta que partes de diversos bairros de Porto Alegre são compostas por terrenos que pertencem ao INSS, como o Campo da Tuca. “A ideia é que esse GT interministerial consiga trazer para a luz da regularização fundiária e também da provisão habitacional os imóveis do INSS finalmente, porque a gente precisa achar uma alternativa contábil para ressarcir o fundo”, afirma.

Eduardo Osório, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no Rio Grande do Sul, avalia que o programa Imóvel da Gente é uma medida importante e urgente. “Ela vem com um atraso de muitas décadas e aí o governo Lula garante o compromisso assumido com os movimentos sociais urbanos de conseguir viabilizar programas de habitação e a destinação dos imóveis públicos para esse fim, e não só moradia também, mas para outros fins sociais, como espaço de cultura e etc. É um programa que orienta toda a gestão do patrimônio público federal da União, para que, não cumprindo a função destinada dos órgãos competentes, seja destinado para cumprir a função social, prioritariamente para reduzir o drama da moradia e conseguir promover o direito à moradia no Brasil”, avalia.

Apesar de o MTST não ter envolvimento direto no momento com os imóveis incluídos no programa, Osório diz que o movimento está em conversas com a SPU não apenas para tratar da destinação de imóveis e terrenos para a moradia, mas também para que sejam convertidos em equipamentos sociais, como a Cozinha Solidária. Ele lembra que o primeiro imóvel ocupado pelo MTST para a estabelecimento da Cozinha Solidária da Azenha, em 2021, era de propriedade da União, mas, na época, o governo Bolsonaro se recusou a negociar uma solução e o encaminhou a leilão por R$ 1 milhão.

“Além de sanar o déficit habitacional, essa política também vem para corrigir uma experiência que foi uma excrescência que o governo Bolsonaro fez, que era uma política de liquidação do patrimônio”, diz.

Osório também diz esperar que, a partir do programa federal, governos estaduais e municipais sigam o caminho de destinação de imóveis subutilizados para o enfrentamento do déficit habitacional. “Pelo menos em Porto Alegre e no governo do Rio Grande do Sul, a política é a venda e a alienação, destinação para fins privados dos imóveis, inclusive quando solicitado por outros movimentos e entidades. Que isso consiga orientar”, afirma


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