Educação
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3 de março de 2024
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10:04

Matrículas da EJA despencam no RS: ‘Falta articulação para chegar nas pessoas’

Por
Bettina Gehm
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CPERS considera que há desmonte do EJA na rede estadual. Foto: Luiza Castro/Sul21
CPERS considera que há desmonte do EJA na rede estadual. Foto: Luiza Castro/Sul21

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade que está sendo enxugada em Porto Alegre e em todo o Estado. Atualmente, a Capital tem 63 escolas que oferecem EJA: 37 estaduais, que somavam 32,8 mil matrículas em 2023, e 31 municipais, que concentram 1,7 mil matrículas em 2024 (uma média de 13 alunos por escola).

“Houve diminuição de turmas de EJA ao longo dos anos na rede municipal”, afirma Isabel Medeiros, diretora geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa). “A Prefeitura alega falta de procura. Mas não há busca ativa, nem chamada pública”, salienta. Desde 2015, pelo menos oito escolas municipais tiveram turmas de EJA fechadas.

Na rede estadual, dados publicados no Observatório da Educação Pública em fevereiro mostram uma queda nas matrículas da EJA desde 2017. Até 2022, foram 53,9 mil matrículas a menos. Em 2023, conforme o Censo Escolar, manteve-se a trajetória de redução, com queda de 17,94% e o total de 32,8 mil matrículas. Demais redes estaduais pelo Brasil também registraram queda de alunos na EJA no ano passado.

O Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do RS (CPERS) considera que há um desmonte da EJA na rede estadual. “Está acontecendo muito o fechamento de turmas, de escolas, nucleação de turmas, e isso vem comprometendo a frequência desses estudantes”, afirma Rosane Zan, tesoureira-geral e representante da Comissão de Educação do CPERS. Conforme o sindicato, a permissão para que 80% da carga horária da EJA seja oferecida à distância desqualifica a modalidade. “Isso promove uma verdadeira enxurrada de convênios, principalmente das prefeituras, com entidades privadas, muitas vezes não idôneas, que não têm uma seriedade, o que vem gerando um impacto devastador na EJA”, complementa Rosane.

O gráfico mostra que a queda maior coincidiu com a pandemia de covid-19 e houve um pequeno crescimento quando ela acabou. No entanto, de 2022 para 2023, o número de matrículas voltou a cair 17,9%.

“A desarticulação das políticas públicas impede o acesso e a permanência dos estudantes na EJA”, pontua a professora Aline Cunha, docente da a área de Educação de Jovens e Adultos na Faculdade de Educação da UFRGS. “A pessoa tem que ter transporte, a estudante que é mãe tem que ter vaga na creche para colocar o seu filho. Para que uma rede de ensino oferte a EJA, é imprescindível que ela também se mobilize nas políticas de saúde, segurança e outras áreas. É a forma de garantir o acesso das pessoas à educação”, explica.

Redução de demanda não é o caso. Para a especialista, a redução das matrículas – e das vagas – na EJA segue acontecendo porque a gestão pública desmobilizou as políticas intersetoriais. “Nos âmbitos estadual e municipal, não temos uma sinalização de recomposição dessa política”, lamenta. Conforme o CPERS, a maioria dos alunos que frequentam a modalidade são negros, trabalhadores do campo, moradores das periferias, mulheres, pessoas privadas de liberdade, pessoas com deficiência e a população migrante. “O EJA é uma forma de qualificação profissional para as pessoas que não tiveram o tempo certo para estar na escola”, avalia a representante do sindicato.

Aline argumenta também que faltam chamadas públicas para a EJA. “Isso envolve a mídia e diferentes meios para chegar a quem precisa. Não está mais sendo feito. Temos pesquisas, dados sobre as matrículas, mas falta articulação para chegar nessas pessoas. Muitas não sabem desse direito que é delas”.

No âmbito municipal, as mudanças na EJA remetem ao ano de 2015 em Porto Alegre. Na época, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) decidiu fechar as turmas dessa modalidade de ensino na escola Neusa G Brizola, do loteamento Cavalhada, e na EMEF João Goulart, do bairro Sarandi. A posição da secretaria era de que as instituições não ofereceriam a EJA, em 2016, devido ao número reduzido de alunos frequentando ambas as escolas. Os professores se mobilizaram contra o fechamento das turmas, alegando que a frequência irregular é uma situação normal dentro da EJA. Até hoje, as duas escolas não voltaram a oferecer turmas de jovens e adultos.

Passados três anos, professores se mobilizaram mais uma vez para garantir a continuidade da EJA no município. Em 2018, a Smed orientou cinco escolas a fecharem turmas de EJA: EMEFs Afonso Guerreiro Lima, Nossa Senhora De Fátima, Dolores Alcaraz Caldas, José Loureiro da Silva e Grande Oriente, além da EMEF Ildo Meneghetti, que já teria passado pelo mesmo processo. As duas últimas não têm alunos matriculados na EJA em 2024, conforme dados disponibilizados pela Prefeitura. Já as demais escolas somam 91 matrículas – a EMEF José Loureiro da Silva tinha somente quatro, até o início de fevereiro. A EJA é uma modalidade que permite matrículas ao longo do ano letivo.

Na época, a Smed garantiu que a redução do número de vagas não estava prevista e que, em 2019, as turmas deveriam ter pelo menos 20 alunos. Oficialmente, a intenção da pasta era priorizar o corpo docente para o ensino regular.

O mapa indica as escolas que oferecem EJA em Porto Alegre atualmente. As escolas estaduais estão em vermelho. Em azul, as escolas municipais, que oferecem apenas o ensino fundamental nessa modalidade. Como a Smed divulga o número de matrículas por escola, é possível visualizar as que têm maior ou menor número de alunos inscritos na EJA, conforme os tons de azul.

As EMEFs Ildo Meneghetti, Grande Oriente do RS, Elyseu Paglioli, Salomão Watnick e Deputado Marcírio Goulart Loureiro constam na lista da Prefeitura de escolas que oferecem o EJA, mas não registraram matrículas na modalidade até o início de fevereiro.

A Smed divulgou, nesta quinta-feira (19), que as escolas da rede municipal estão recebendo matrículas para o EJA. Questionada pela reportagem, a pasta não se manifestou sobre o fechamento de turmas. A Seduc também não retornou, até a publicação desta matéria, sobre os motivos aos quais atribui a redução de matrícula na EJA.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua mostra que, em 2022, o RS alcançou a marca de 51,4% das pessoas com 25 anos ou mais de idade que concluíram, no mínimo, o ensino médio. Mesmo assim, o Estado ficou abaixo da média brasileira, que foi de 53,2%.

De 2015 para 2022, caiu o percentual de pessoas com ensino fundamental incompleto, que concentra a maior parte da população, de 40,4% para 34,3%. A queda foi de 15%. Ao mesmo tempo, aumentou a participação de pessoas com ensino médio completo (de 20,7% para 23,3%) e com superior completo (de 10,8% para 14,8%).

Apesar dos dados positivos, há uma discrepância racial entre quem conclui os estudos: a PNAD também evidencia que 54,3% das pessoas de cor branca haviam completado, no mínimo, o ciclo básico, contra 39,4% das pessoas de cor preta ou parda. O percentual de pessoas pretas ou pardas que não estudavam e não estavam ocupadas foi consideravelmente maior que o de pessoas brancas, 20,6% contra 11,7%


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