Educação
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28 de abril de 2024
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09:08

Passado, presente e futuro: Aos 23 anos, UERGS se consolida no RS e sonha alto

Por
Luciano Velleda
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Campus central da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Campus central da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Fundada em 2001, durante a gestão do ex-governador Olívio Dutra (PT), a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) é uma jovem instituição de ensino superior cuja presença no interior do estado revela, ano após ano, sua importância para o desenvolvimento educacional e econômico. Atualmente, a instituição tem 23 unidades universitárias com estrutura administrativa própria, integradas em sete campi regionais.

Ao ser criada, os campi da UERGS foram planejados para existirem em cidades que não tinham instituições públicas de ensino superior. Vinte anos depois, essa realidade mudou em algumas regiões e outras universidades públicas se expandiram pelo interior do RS e criaram polos de ensino. Ainda assim, conforme destaca o estudante Ederson Gustavo de Souza Ferreira, de 28 anos, a UERGS continua a comprometer-se em desenvolver o RS de forma sustentável e abranger os mais diversos públicos, desde o jovem rural ou urbano, como a população LGBT, indígenas e outros grupos sociais. Para ele, tal característica demonstra o papel da universidade em estar presente onde o ensino superior muitas vezes não chega.

“O diferencial da UERGS de outras universidades é a aproximação com a reitoria, com os professores, com as coordenações de cursos. São coisas que muitas vezes vejo que meus amigos na UFRGS não têm essa relação direta com o reitor da universidade ou até mesmo com os próprios diretores do campus. A universidade quebra o muro entre discentes, docentes e o técnico administrativo, ela aproxima essa engrenagem numa perspectiva de olhar a universidade como um todo, mas também para fora dela”, elogia o estudante. Para ele, tal proximidade contribui na melhor compreensão pelo professor da realidade do estudante e na sua permanência na universidade.

Natural de Tapes, Ederson se formou em Gestão Ambiental na unidade da UERGS na cidade. Atualmente morando em Viamão, ele voltou a estudar na instituição, agora cursando Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, em Porto Alegre, no campus central localizado na antiga sede de Ceitec, além de fazer especialização em Gestão Pública.  

Na sua cidade natal, a escolha pela UERGS deveu-se ao simples – mas não menos importante – motivo de ser a única universidade pública gratuita no município na ocasião. A capilaridade com mais de 20 campi espalhados pelo estado é uma das principais e mais importantes características da instituição. Na ocasião, ele até chegou a passar no vestibular para uma universidade federal, porém, as condições financeiras não lhe permitiram sair da cidade para cursar a faculdade.

Formado em Gestão Ambiental na UERGS, Ederson Ferreira voltou para a instituição para cursar uma segunda graduação. Foto: Arquivo pessoal

 “Na UERGS descobri uma carreira e diversas possibilidades que, ao longo do meu período na graduação, pode me trazer a experiência e até me projetar na defesa da universidade pública gratuita”, analisa, destacando ter sido presidente do diretório acadêmico do curso de Gestão Ambiental, coordenador-geral do diretório central dos estudantes e integrante do conselhos superior da universidade.

Ele ressalta que a própria história da UERGS mostra seu protagonismo, inclusive desde o surgimento da política de cotas. Hoje, 60% das vagas na universidade são para cotistas. “Ela assume uma responsabilidade diferente de outras universidades aqui no Rio Grande do Sul, que é se preocupar com a comunidade externa, com aqueles que muitas vezes precisam trabalhar de dia e estudar de noite. Boa parte dos cursos na universidade são projetados para a realidade do estudante trabalhador.”

Segundo a Coordenadoria de Ingresso, Controle e Registro Acadêmico da UERGS, a oferta de cursos gratuitos em diversas regiões do estado é uma medida importante que permite com que estudantes de diferentes origens socioeconômicas e geográficas tenham acesso igualitário à educação superior. Para a coordenadoria, esse fator é essencial para promover a igualdade de oportunidades e combater as disparidades educacionais que podem existir entre áreas urbanas e rurais, assim como entre regiões mais desenvolvidas e menos desenvolvidas do RS. 

O departamento da UERGS acredita que a oferta de cursos gratuitos em diversas regiões do estado descentraliza o conhecimento e os recursos educacionais, tornando a educação superior mais acessível e relevante para as comunidades, além de contribuir para o desenvolvimento econômico e social dessas áreas, considerando que a educação superior é um catalisador importante para o crescimento regional. Por meio do ensino, defende o órgão da universidade, é possível fornecer profissionais qualificados e capacitados para impulsionar a inovação, o empreendedorismo e o desenvolvimento regional. Na visão do estudante Ederson Ferreira, as características da UERGS a fazem não perder o sentido da importância da produção acadêmica, mas destaca que a instituição é uma universidade “mais humanizada”, com professores “mais simpáticos” e atentos para a realidade do aluno.

A transferência do campus central para a antiga sede da Ceitec é vista como a possibilidade de um novo momento da UERGS. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Em 2024, a UERGS realizou o edital para ingresso nos cursos de graduação com uma importante mudança: a instituição não utilizou o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e a classificação dos alunos ocorreu de acordo com as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, posteriormente, por meio do ingresso simplificado apenas com a nota do ensino médio, o que proporcionou a possibilidade do ingresso ainda no primeiro semestre. 

Ao todo, a UERGS abriu 1.165 vagas para 18 cursos de graduação, em 20 unidades universitárias, com inscrições realizadas pela internet. A procura foi superior aos anos anteriores, incluindo alguns cursos mais conceituados, como o de Engenharia da Computação, de Guaíba, avaliado entre os 10 melhores do País.

De acordo com a UERGS, o ingresso com base na nota do ensino médio remove barreiras burocráticas e simplifica o acesso à universidade para todos os estudantes e interessados em cursos de graduação que não tiveram condições de realizar o Enem. 

Ao avaliar a qualidade do ensino, Ederson define o corpo docente da UERGS como um  quadro de qualidade, com professores com mestrado e doutorado. “Não tem nada que eu possa reclamar.” O estudante acredita que a UERGS pode seguir crescendo, se qualificando e, no futuro, por que não, sonhar em chegar perto da Universidade de São Paulo (USP), prestando relevantes serviços à comunidade e sendo contratada por empresas. A ida da instituição para o novo campus central, na antiga sede da Ceitec, pode significar justamente uma nova fase da instituição, com novos cursos e especializações. 

“A gente teve um doutorado aprovado com nota 4 e a máxima é nota 5. Qual a universidade que logo aprova seu mestrado, em seguida é bem avaliado e então aprova o seu doutorado?”, questiona. “Isso demonstra um pouco que a universidade precisa se organizar, e está se organizando, e se preparar para a maneira que ela quer que a sociedade a veja, e de que maneira essa universidade pode servir à sociedade.”

A avaliação dele encontra eco no pensamento de Rochelle da Silva Santaiana, professora de Pedagogia (licenciatura) e de pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado), atualmente lecionando no campus de Osório e, ocasionalmente, em Alegrete. Na cidade da fronteira oeste, ela deu aula de 2014 até 2023. 

Professora da UERGS há 10 anos, Rochelle diz que a capilaridade da instituição em diversas regiões do RS mostra a sua “potência” e o compromisso com o desenvolvimento regional e a interiorização dos processos universitários. Ela enaltece a importância de levar a formação de qualidade e pública aos 23 campi. “É um processo muito rico. Temos unidades em regiões bem diferentes, com processos sociais, econômicos e de cadeia produtiva bem diferentes. É nisso que reside a grande força da UERGS, é estar presente em cidades e regiões do estado muito diferentes, mas é isso que nos liga e nos fortalece, a possibilidade de estar junto com as comunidades.”  

A professora destaca a possibilidade de alunos de diferentes regiões, e mesmo de cidades vizinhas, estudarem numa universidade pública. Ela reconhece haver diferenças entre os diversos campi, entretanto, acredita que isso potencializa a instituição. 

 

Unidade da UERGS em Osório, no litoral norte, oferece cursos de graduação em Pedagogia e em Ciências Biológicas, além do Mestrado em Educação. Foto: Divulgação/UERGS

A percepção de proximidade relatada pelo estudante Ederson é confirmada pela professora. Ela diz que essa relação dos docentes com os alunos e familiares é consequência da inserção da UERGS nas comunidades onde atua. “​​São cidades que, às vezes, não têm outro sistema de educação a não ser algumas instituições privadas, então isso acaba tornando os sujeitos muito próximos das relações universitárias e da UERGS. É por isso também que as comunidades defendem os câmpus da UERGS para seus estudos, seu crescimento e continuidade. Esse é o grande segredo da universidade, ela conseguir se enraizar na cidade em que está”, afirma.

Ao refletir sobre a condição “jovem” da UERGS, com 23 anos de existência, Rochelle conta que os docentes e gestores já olham para o futuro e pensam alternativas de soluções e encaminhamentos necessários para viabilizar mudanças estruturais ou de recursos humanos de forma assertiva. 

“Para isso nos enxergamos, avaliamos e temos que saber também o que pedir. As discussões da universidade perpassam um planejamento, organização, para quando e, se lutamos por algo, temos que ser assertivos naquilo que estamos reivindicando. Vejo o grupo num amadurecimento muito bom para isso”, pondera. “A gente se vê enquanto uma universidade que tem potenciais e tem muito a oferecer para o estado do Rio Grande do Sul.”

Para Ana Bulsing, chefe do Núcleo de Planejamento Orçamentário da UERGS, a instituição desempenha um papel relevante na pesquisa e inovação ao promover estudos e projetos que têm impacto direto no desenvolvimento tecnológico, científico, cultural e social do estado, bem como em áreas específicas de relevância regional. 

O desenvolvimento regional sustentável é outro ponto destacado por ela, alcançado por meio da oferta de cursos e projetos voltados para a preservação ambiental e a agricultura familiar. Há ainda o aspecto da valorização da cultura gaúcha. Ana ressalta que a UERGS contribui para a preservação e valorização da cultura gaúcha por meio de programas acadêmicos voltados para a história, tradições e identidade regional. “A universidade tem também a função emancipatória, pois influencia as relações sociais, transformando-as e criando novas perspectivas de modo a mudar visões de seus estudantes, professores, servidores e, consequentemente, influenciando as práticas sociais. Nesse ponto de vista, a universidade tem sido cada vez mais desafiada frente às expectativas de uma sociedade em transformação.” 

Reunião do governo estadual com reitores das instituições contempladas no programa “Professor do Amanhã”. Foto: Maurício Tonetto/Secom

No último dia 9 de abril, um café da manhã realizado pelo governo estadual com 11 Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICEs) marcou oficialmente o início das aulas do programa Professor do Amanhã.

O programa, coordenado pelo Gabinete de Projetos Especiais (GPE), vinculado ao gabinete do vice-governador, concede mil bolsas mensais de permanência de R$ 800 aos alunos e de R$ 800 para a ICE, como forma de custeio da vaga, durante quatro anos nos cursos de Letras, Matemática, Biologia, História e Geografia.

“Estamos convencidos da importância desse programa na formação de professores para enfrentarmos o apagão que vem acontecendo nas licenciaturas. Hoje, o Estado tem capacidade de fazer esses investimentos e não podemos dar nenhum passo para trás”, afirmou o governador Eduardo Leite durante o encontro com os reitores. “Sabemos do vínculo profundo que as instituições de ensino têm nas regiões, com relevância em pesquisa, projetos e formação qualificada. Agora, formamos um compromisso conjunto pela educação do Estado. Sou muito feliz por ser governador de um Estado que possui uma mobilização comunitária tão forte”, salientou.

As 11 instituições contempladas pelo programa são: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade Feevale, Universidade Franciscana (UFN), Universidade La Salle (Unilasalle), Universidade de Passo Fundo (UPF), Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Universidade do Vale do Taquari (Univates). O recorde de inscrições aconteceu na UPF, com 1.192 candidatos para 100 vagas.

A Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) também gostaria de estar nessa lista. Para o SEMAPI, é no mínimo curioso que o governo deixe a UERGS de fora do Programa. “Chama a atenção que a universidade pública e estadual, supercapilarizada geograficamente e com cursos de licenciatura, não tenha sido incluída no Professor do Amanhã, um programa que prioriza exatamente estas características. Sem contar que os recursos seriam muito bem vindos tanto para aprimorar as unidades – algumas, precisando muito de renovações – quanto para a melhoria das bolsas, que estão bastante defasadas e influenciam diretamente na permanência dos alunos na universidade”, comenta Barbara Amorim, diretora colegiada e trabalhadora da UERGS.

Segundo o gabinete do vice-governador, Gabriel Souza, o programa “Professor do Amanhã” foi construído em parceria com as universidades comunitárias por serem “instituições que estão espalhadas em todas as regiões do Rio Grane do Sul e que tem um pertencimento importante junto às comunidades locais”. A característica é a mesma da UERGS.

De qualquer forma, o gabinete do vice-governador afirma que nada impede que a UERGS não seja incluída numa próxima edição do programa. “O programa foi um sucesso nessa primeira edição, então esperamos que seja possível ampliarmos ele e aí atender mais instituições”, explicou o gabinete de Gabriel Souza, destacando que o programa tem dois grandes objetivos: formar novos professores para o Estado e fortalecer as instituições comunitárias para realizarem a formação desses novos profissionais com qualidade.


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