Opinião
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6 de outubro de 2023
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17:26

Como a concessão da Carris só vale R$ 1 se o lucro é garantido? (por Luís Gomes)

Foto: Alex Rocha/PMPA
Foto: Alex Rocha/PMPA

Luís Gomes (*)

Se confiarmos na palavra da secretária municipal de Parcerias (SMP), Ana Pellini, a venda da Carris foi um negócio terrível para a Prefeitura e até mesmo para a vencedora da licitação, a Transporte Coletivo Viamão Ltda.

Em conversa com o Sul21 antes da licitação, Pellini disse que nem “Jesus Cristo” poderia dar jeito na gestão da Carris enquanto empresa pública. Ela voltou a repetir a frase em entrevista ao Matinal, publicada nesta sexta-feira (6), portanto após a venda da estatal municipal de transporte público por R$ 109 milhões  — valor que pode ser reduzido a R$ 40 milhões caso a Viamão resolva devolver os terrenos da Carris à Prefeitura.

Na ocasião, ela justificou o valor como sendo a dedução do total de bens da empresa, estimados pela Prefeitura em R$ 155 milhões, menos a dívida atual, estimada em R$ 45,7 milhões. Ou seja, a concessão da operação das linhas da Carris não possuiria qualquer valor, o que motivou ela ser estimada no edital de licitação em R$ 1 e a Viamão ter feito uma proposta de R$ 100 mil pela outorga da concessão. Essa falta de valor da concessão foi o que teria afastado outras empresas interessadas de participar do leilão, segundo Pellini.

Contudo, o que a secretária, que foi elencada pela Prefeitura como a porta-voz de assuntos relacionados à privatização, não tem explicado nas entrevistas que têm concedido é que, ao adquirir a concessão, a Viamão também adquiriu uma taxa de remuneração pela prestação de serviço de 7,24% sobre todos os seus custos, exceto custos de capital (remuneração e depreciação). As empresas também recebem uma taxa de remuneração pelo capital, mas esta não tem um percentual fixo e dependem do INPC, calculado pelo IBGE.

Estas taxas, que compõem o lucro líquido, foram previstas no edital da licitação do transporte público que regra as demais operadoras privadas do sistema e também está prevista para a empresa que assumir a operação da Carris.

O que Pellini também não tem explicado é que essas taxas de remuneração são garantidas, mesmo em caso de prejuízo operacional da empresa. Isso ocorre porque a remuneração do serviço e do capital compõem o valor da tarifa. Em 2021, último ano em que a Prefeitura divulgou a planilha dos custos tarifários do sistema, elas representaram R$ 0,51 do valor da tarifa.

Em 2022, a média mensal de passageiros pagantes foi de 9,7 milhões. Considerando que a remuneração tenha se mantido em R$ 0,51 por passagem e que a Carris é responsável por 22,4% do sistema municipal de ônibus, isso representa que a remuneração referente às linhas operadas por ela renderam R$ 1,1 milhão por mês e R$ 13,2 milhões ao longo do ano.

Não é possível calcular ao certo a remuneração destinada à empresa justamente porque a Prefeitura não tem divulgado a planilha tarifária. Contudo, a projeção do lucro operacional feita para a Carris privatizada, que consta no estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira do processo de privatização, estima um lucro líquido do exercício de R$ 13,4 milhões em 2023. Ao longo de 20 anos, tempo da concessão, a projeção de lucro da Prefeitura é de cerca R$ 210 milhões.

Além disso, a taxa de remuneração é aplicada no custo da tarifa mesmo caso seja necessário que a Prefeitura cubra a defasagem entre o valor pago pelo usuário e o custo por quilômetro das empresas, o que tem resultado num subsídio ao sistema desde 2021. Naquele ano, um acordo definiu que eventuais prejuízos operacionais que as empresas têm apurado em razão da manutenção da passagem no valor de R$ 4,80 seriam subsidiados pela Prefeitura.

Em 2022, o repasse foi de cerca de R$ 115 milhões, dos quais cerca de R$ 75 milhões foram destinados para as operadoras privadas do sistema e R$ 40 milhões para a empresa pública.

Se é verdade que a empresa pública é deficitária, também é verdade que, ao passar para o controle privado, terá uma taxa de remuneração, isto é, o lucro, garantida ao longo dos 20 anos de concessão e, mantido o acordo atual, continuará recebendo subsídio público em caso de eventuais prejuízos operacionais.

Portanto, um negócio sem risco para a nova concessionária, a Viamão. O que nos permite perguntar: o valor da concessão era mesmo R$ 1?

(*) Repórter do Sul21

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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