Opinião
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26 de agosto de 2023
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20:51

Pochmann e a direita risível e obtusa (por Marcelo Milan)

Marcio Pochmann. Foto: Elza Fiuza/ Agência Brasil
Marcio Pochmann. Foto: Elza Fiuza/ Agência Brasil

Marcelo Milan (*)

O episódio recente de ataques da direita ao nome de Marcio Pochmann antes dele assumir a presidência do IBGE ilustra elementos bastante conhecidos do comportamento deste grupo. Ele explicita, entre outros, o princípio da inversão. A direita faz o tempo todo algo considerado repreensível por ela, mas acusa seus adversários políticos da esquerda de o fazerem. É falsa e hipócrita. Por exemplo, considere-se a questão da pretensa manipulação dos dados do IBGE por Pochmann. Quem manipula de fato? Os economistas Reinhart e Rogoff manipularam em 2010 um estudo para justificar austeridade fiscal. Grandes bancos internacionais manipularam a extinta taxa de juros libor em 2012 para lucrar. O economista estadunidense Frederic Mishkin publicou em 2006 relatório comissionado pela câmara de comércio da Islândia garantindo que os bancos islandeses eram sólidos. O sistema bancário colapsou alguns meses depois. Ele recebeu US$ 135 mil para escrever (manipular?) aquele relatório sem valor. Nenhuma destas manipulações tinham relação com o setor público.

E nem precisa sair da bananilga, por óbvio. Rubens Ricupero (ministro de Itamar Franco responsável por lançar a moeda Real, liberando FHC para disputar mais um cargo político) foi pego em conversa informal assumindo que manipulava a divulgação de informações. Criou o princípio: o que é ruim a gente esconde, o que é bom a gente fatura. A rede globo manipulou a edição do debate presidencial de 1989. A falha de SP, que tem o rabo preso com o atraso e o autoritarismo, manipulou a ficha de Dilma. E tantas outras. O princípio da inversão não desaparece: A falha proibiu os irmãos Bocchini de utilizar a expressão satírica ‘falha de SP’. Como no Nome da Rosa, de Umberto Eco, o humor ofende. A falha finge defender a democracia e a libertinagem de imprensa, mas defende a censura. Finge defender a concorrência e ser contra a regulação, mas é contra a presença de grupos estrangeiros de jornalismo no Brasil. 

Também não é necessário mencionar a postura de uma economista de um banco nacional (privado) envolvido em operações suspeitas e que assessorou Simone Tebet na corrida eleitoral vociferando contra Pochmann. Desnecessário mostrar que a ministra é a pseudo terceira via tentando minar o governo Lula por dentro, junto com a Fazenda e o calabouço fiscal. A representante do ogronegócio foi fundamental para evitar a vitória de Lula já no primeiro turno, forçando uma barganha política que a conduziu ao Planejamento (melhor que Jucá, do Dream Team transilvânico, ela é. Mas não precisa de muito para ser melhor que o sujeito). Também se exclui a manipulação das informações geradas de forma privada dos balanços privados manipulados da empresa privada Americanas. 

A direita obtusa possui ignorância cavalar. Não dá para manipular os dados do IBGE. Eduardo Pereira Nunes e Sérgio Besserman Vianna mostram que ainda há pessoas dignas. Mas são a exceção da exceção. A direita vive de mentiras (hoje de mentiras massivas que a colonização linguística chama de feiqui nus – de fato, não temos termo correspondente na língua de Camões… Melhor usar a de Faulkner. ). E foi justamente um barnabé da escola ultraliberal de Chicago que tentou destruir o IBGE de todas as formas, para que o censo não mensurasse o desastre do proto-fascismo. Para ele, o IBGE está na idade da pedra por mensurar a realidade, e não a distorção causada pela mudança na metodologia do CAGED em 2020, por exemplo. Do alto da sua ignorância, não tem a menor ideia de como a metodologia funciona, e que o IBGE segue padronização metodológica internacional. No mundo da pós-verdade, é preciso bombardear o IBGE. Por isso a revolta generalizada dos picaretas à nomeação de Pochmann. Por que não saíram em defesa do instituto quando o detentor de riqueza em paraísos fiscais o avacalhou indevidamente?

Outra ilustração do princípio da inversão vem da ‘acusação’ (sic) de que Pochmann tem uma ideologia (pausa para gargalhar). Os ignoramus economicus e politicus, quase um pleonasmo, fechados em suas verdades religiosas (que, pelo princípio da inversão, sempre atribuem a quem critica suas falácias), não apelam a elementos fora da sua referência estreita e sua caixa de conceitos autorreferenciados. O melhor exemplo é o bêbado que perdeu a chave e a procura sob o poste porque apenas lá há luz. Desprezam o que não se coaduna com sua visão de mundo. Não têm a menor ideia do que é ideologia. Terry Eagleton, em seu livro sobre as ideologias, listou pelo menos 16. O economista Joseph Schumpeter também identificou a influência das visões pré-analíticas nas análises econômicas. A direita é ideológica por definição. Milly Lacombe deu aqui a resposta definitiva. 

A campanha na mídia venal foi sórdida, como não poderia deixar de ser. Só mesmo em um país subdesenvolvido como a Bananilga alguém poderia levar Merval Pereira, Miriam Leitão, Malu Gaspar, General Dondoca e outros a sério. São garoto(a)s de recado da família que controla a Vênus platinada, com o compromisso eterno de que o país continue sendo uma bananilga. Em nenhum país com algum grau significativo de civilização estes reprodutores de preconceitos do sistema financeiro teriam a circulação que têm na bananilga. Puxa-saquismo substitui competência. Mas, pelo princípio da inversão, precisam projetar sua inépcia nos adversários políticos, julgando os defensores dos interesses dos trabalhadores pela própria regra moral… Segue valendo a regra: em situações de relativa normalidade democrática, se Leitão, que entende de economia tanto quanto eu entendo de filatelia (não vejo um selo em décadas), é contra uma indicação política de um governo não 100% liberal e nem 10% reacionário, então a indicação é muito boa. Embora Pochmann esteja entre os principais pesquisadores das ciências sociais na América Latina, a acusação da Leitão é que Pochmann não se atualiza! Ainda bem. Atualização aqui significa voltar aos fisiocratas e o laisser-faire do século XVIII. A inversão transforma regressão em atualização. Ela acredita que se atualizar, nesta acepção, leva inelutavelmente ao liberalismo. Se não é liberal, não se atualizou…

Sobre o histórico com a gestão pública de Pochmann a partir de sua experiência no IPEA, a mesma foi correta. Afastou um funcionário aposentado que utilizava recursos do instituto para seus fins pe$$oais em consultorias privadas. Privatização branca do espaço público. Um outro estava encostado no BNDES e foi para o IPEA. Se o BNDES não o queria em seus quadros, porque o IPEA haveria de querer? Até porque seus preconceitos vão no sentido de extinguir o próprio IPEA, o BNDES, o Estado, a política etc. Totalmente incoerente, como sempre acontece com os liberais de repartição: rezam para o deus mercado (ricos e poderosos) mas mamam nas tetas do Estado, seja na sua formação universitária, seja no seu ganha-brioche. Pochmann acertou, pois tem que ter critérios rigorosos na gestão da coisa pública. E o concurso feito na sua gestão permitiu diversificar o perfil dos quadros do órgão. Mas os liberais de repartição querem mamar nas tetas do Estado e portanto querem concursos com conteúdo que verse sobre seu conhecimento limitado, que eles juram que é técnico (confundem técnico com capacidade de memorizar a regra da derivada de polinômios do segundo grau), para não ter que estudar e obter aprovação, com estabilidade de emprego, boas condições de trabalho, boa remuneração…tudo o que não querem para a patuleia. Trata-se da ditadura do pensamento único: só o liberalismo e seus defensores possam ter carguinhos no governo para dizer que o Estado não funciona e que a atuação deles é prova inconteste disso… 

Pochmann também trabalhou no DIEESE, o excelente departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos. O órgão, em 1973, denunciou a manipulação dos índices de preços pelos economistas burgueses vulgares a serviço da ditadura civil-militar para prejudicar os salários. Alguém ouviu princípio da inversão?

Com relação ao perfil acadêmico de Pochmann, quem disse que precisa ser demógrafo para presidir o IBGE? A quantidade de informação e dados econômicos produzidos pelo instituto sugerem que um pensador da economia com a qualidade de Pochmann é capacitado para presidir o órgão. O G significa geografia. Não precisa ser geógrafo para presidir o órgão. O E significa estatística. Não precisa ser estatístico para presidir o órgão. A origem da palavra estatística está no latim: status e também statisticum collegium. Significa Estado ou Conselho de Estado. Estado. Repito: Estado. Pois remete, neste contexto, à coleta de dados quantitativos de interesse do Estado, para o fim de ações do Estado, possibilidade que sempre deixa os liberais de repartição espumando. Não tem X (IBGEX ou IXGE seria o sonho de consumo desta turba). Não tem L na sigla (os liberais de repartição perderam a janela de oportunidade nos anos 1990…). Não precisa ser liberal para presidir o IBGE, pelo contrário. O órgão produz como matéria-prima informação confiável. Justamente por ser público e estatal, ao contrário do que prega a ideologia liberal. 

Ainda sobre as qualidades acadêmicas de Pochmann, o princípio da inversão entra aqui em modo ‘alucinógeno’. Questionam a UNICAMP, uma das melhores universidades da América Latina (que é pública), e sua espetacular escola de economia. Na UFRGS há servidores de muito valor com formação avançada em economia que estudaram naquela escola, representando a tradição crítica, como o colunista deste Sul21, Ricardo Dathein, o excelente Ronaldo Herrlein Jr., os aposentados Luiz Alberto Miranda e Gentil Corazza, o professor Cássio Calvete, com pesquisas sobre trabalho e emprego que dialogam com as reflexões de Pochmann, a professora Marcilene Martins e, da nova geração, Maurício Weiss. É claro, nem todos que se formam em seus bancos (ops) defendem a visão institucional, a tradição crítica latino-americana que sempre estará marcada no pensamento econômico brasileiro, gostem ou não os liberais de repartição. Nem todos os formados naquele rico ambiente progressista e que fingem advogar a tradição crítica o fazem de fato. Há, como em todo e qualquer lugar, falsos profetas. Mas até eles estão defendendo Pochmann (mesmo que contrariados).

Isso tudo não significa que Pochmann esteja isento de erros. Os equívocos fazem parte da atuação, mesmo de pessoas muito capacitadas. O comentário dele sobre o pix até o momento se mostra equivocado. Assim como a avaliação prévia de pesquisas desenvolvidas no IPEA. Mas isso é uma molécula em um oceano de acertos analíticos dentro da perspectiva progressista que ele sustenta. Nesta coluna já foi feita referência a comentários dos quais discordamos, mas reconhecendo sua inquestionável competência.

A melhor síntese para qualificar o princípio da inversão da direita obtusa e raivosa (poderiam aproveitar o mês de agosto e tomar a vacina da raiva, assumindo que já tenham tomado para a febre aftosa) vem da verve de Tancredo Neves: Canalhas! Canalhas! Canalhas! O medo, como defende Nassif, é que o IBGE venha a revelar objetivamente um país que a direita não gosta: melhora mesmo que marginal na situação dos trabalhadores, redução mesmo que apenas temporária da pobreza, projeção internacional de respeito por quatro anos, etc.. Estatísticas de qualidade sobre o trabalho e a situação dos empregados (sim, empregados. Não existe colaborador… ninguém colabora quando a alternativa é o desemprego e a fome. É a compulsão da venda da mercadoria força de trabalho!). E este é o papel da presidência nas mãos de um cientista social com C maiúsculo, como Pochmann: mobilizar o excepcional quadro técnico do IBGE, que os liberais não conseguem privatizar de forma alguma, para entender o país e as mazelas deixadas pelo proto-fascismo e o liberalismo, bem como as diferenças com os resultados de um governo de viés minimamente progressista (apesar do calabouço fiscal). 

A direita obtusa e sua mídia é incorrigível. Felizmente temos plataformas como o Sul21. Consome as desinformações das empresas de manipulação massiva e acredita nelas quem é tolo(a).

(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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