Opinião
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6 de junho de 2023
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08:14

O IPCA está grávido? (por Flávio Fligenspan)

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Flávio Fligenspan (*)

Como escrevi na coluna anterior aqui neste espaço: “A inflação brasileira em 2021 e 2022 foi nitidamente uma inflação de oferta, causada por quebra de safras aqui e no exterior, pelas consequências econômicas da pandemia – gargalos de abastecimento de matérias primas e elevação de preços dos transportes marítimos –, e pelos efeitos da guerra na Ucrânia, principalmente no setor primário.”

Contudo, desde o final de 2022 e neste primeiro semestre de 2023, vários índices de preços que captam movimentos no atacado e/ou preços ao produtor (na porta da fábrica, antes de chegar ao consumidor) têm mostrado deflação, isto é, preços em queda. Tais quedas refletem: a resolução dos problemas de gargalos de oferta que apareceram na pandemia, boas safras agrícolas, e preços internacionais de commodities em baixa. Como se pode observar, estas variáveis referem-se a elementos de oferta. Assim, a oferta explicava a alta da inflação no biênio 2021/2022 e, novamente, a oferta explica seu atual recuo.

Os movimentos dos preços no atacado já começaram a aparecer nos índices que medem a inflação na ponta do consumo, mas não com a mesma força, pois no atacado estamos vendo deflação, e para o consumidor final a melhor notícia ainda é apenas uma elevação de preços menos intensa. Os economistas usam uma expressão curiosa para identificar a transmissão dos movimentos de preços do atacado para o consumidor final: diz-se que o os índices de preços ao consumidor “estão grávidos” dos índices no atacado. Ou seja, os movimentos que se verificam no atacado logo aparecerão no final da cadeia, nos índices ao consumidor, como o IPCA, nosso índice de referência para balizar a política de juros do Banco Central.

Em parte, isto já está acontecendo, e tudo indica que vai continuar nos próximos meses, ajudando a rebaixar a inflação. Afinal, é natural que as variações de preços no atacado acabem por aparecer na ponta do consumo. Contudo, há alguns entraves no caminho, que fazem com que a transmissão não seja nem automática nem com os mesmos percentuais. Um entrave é a possibilidade de as empresas usarem o ambiente econômico que está melhorando lentamente para recompor margens de lucro rebaixadas no período anterior, em especial no auge da pandemia. Assim, a deflação no atacado não seria transmitida integralmente para o varejo; haveria uma espécie de redutor do movimento.

Outra questão a ser considerada é que, de acordo com o que se discutiu na coluna anterior, boa parte da inflação atual na economia brasileira se origina no setor de Serviços, aí sim explicada por aumento de demanda e nem tanto pelos custos ou oferta. Neste caso, a “gravidez” não se justifica, ou atua com menos força, visto que o processo de formação de preços neste setor depende menos dos preços no atacado.

Por outro lado, há movimentos importantes na economia brasileira e na economia mundial que justificam uma inflação menor, tanto no atacado como no varejo. A excelente safra agrícola vai cumprir um papel de peso, ao segurar os preços dos grãos diretamente na cesta de consumo, e ao baratear a ração de aves e suínos. Por sua vez, a desaceleração da economia mundial e, em paralelo, a contenção de preços das commodities em geral – metálicas, energéticas (petróleo) e agrícolas – também terá uma influência significativa. E a taxa de câmbio ao redor de R$ 5 igualmente será um fator positivo, já que ela influencia os preços dos produtos importados. É curioso que, neste caso, a taxa de juros elevada funciona como uma trava efetiva à inflação, uma vez que o diferencial de juros entre o Brasil e outras economias, com destaque para os EUA, acaba por atrair dólares e apreciar o real, tornando os importados mais baratos.

Ao contrário dos fatores positivos listados anteriormente, a recomposição de preços dos combustíveis e da energia, reduzidos artificialmente pela manobra eleitoreira de Bolsonaro (redução de impostos), começa a se tornar realidade, e isto vai impactar generalizadamente os índices de preços nos próximos meses. A repercussão é tal que a previsão do IPCA para o final do ano está um pouco maior do que se verifica atualmente, na medida acumulada em doze meses – 4,2% até abril e previsão de 5,7% no fechamento de 2023.

De qualquer forma, mesmo com desproporções entre as variações dos preços no atacado e no varejo, com mais fatores positivos e menos fatores negativos, o balanço geral joga a favor de um cenário de queda da inflação em 2023 e em 2024. O IPCA “está grávido”…. e esta é uma boa notícia.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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