Opinião
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18 de maio de 2023
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16:44

Inflação nos serviços: juros como estímulo de demanda (por Flavio Fligenspan)

Estimativa para 2024 está acima do centro da meta de inflação que deve ser perseguida pelo Banco Central. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Estimativa para 2024 está acima do centro da meta de inflação que deve ser perseguida pelo Banco Central. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

A inflação brasileira em 2021 e 2022 foi nitidamente uma inflação de oferta, causada por quebra de safras aqui e no exterior, pelas consequências econômicas da pandemia – gargalos de abastecimento de matérias primas e elevação de preços dos transportes marítimos –, e pelos efeitos da guerra na Ucrânia, principalmente no setor primário. O Brasil não foi diferente de vários outros países do mundo que também enfrentaram situações semelhantes neste período. Se a inflação era de oferta, estava errado tentar a correção de preços via elevação dos juros, como insisti tantas vezes neste espaço.

Ocorre que desde o segundo semestre de 2022 e agora em 2023 há um “transbordamento” de parte da inflação de oferta de 2021/2022 localizada em vários setores para o resto da economia brasileira. Isto se deve ao longo período em que persistiram pressões de custos e a características específicas da nossa economia, como a indexação ainda bem presente. A forma mais simples de enxergar este “transbordamento” é através da medida de difusão da inflação, percentual do total de bens que compõem um índice que tiveram alta de preços num período determinado. Para o IPCA (IBGE), antes da pandemia a difusão girava em torno de 55%, atingiu seu auge em abril de 2022 (78%) e ainda não voltou ao padrão anterior, chegando a 66% em abril de 2023. Ou seja, um impulso inicial (de oferta) encontrou condições de propagação/permanência, tornando mais difícil o combate à inflação. Muitos analistas se agarram a este argumento para justificar a elevação dos juros.

A inflação brasileira, medida pelo IPCA, está em queda firme desde a metade de 2022. Na medida acumulada em 12 meses chegou a mais de 12% em abril do ano passado e agora, em abril deste ano, atingiu pouco mais de 4%. O Índice Geral de Preços (IGP/FGV), outra medida de inflação, chegou a exibir taxas negativas em alguns meses de 2022 e em março e abril de 2023. Tais quedas se explicam pela resolução de gargalos de oferta, por boas safras agrícolas, e por preços internacionais de commodities em baixa, todos elementos de oferta. Assim, a oferta explicava a alta da inflação no biênio 2021/2022 e a oferta também explica seu recuo agora.

A pandemia e o aumento da inflação foram fenômenos que deixaram cicatrizes na economia brasileira; não apareceram e estão recuando sem deixar marcas. Pelo contrário; como se discutiu anteriormente, houve “transbordamentos” e houve também mudanças dos padrões de consumo e na distribuição de renda. Estas mudanças alteraram relações de produção e de demanda, em alguns casos trazendo grandes novidades e situações irreversíveis, como o rearranjo geográfico internacional de fornecedores de matérias primas industriais e o avanço do comércio eletrônico.

Uma consequência bem localizada dessas mudanças de padrão foi o surgimento de uma inflação no setor de Serviços no Brasil, aí sim uma inflação que tem elementos de demanda, além dos aumentos de custos. O setor de Serviços foi o que mais custou a começar sua recuperação depois do início da pandemia; não por acaso, dado que muitas atividades do setor dependem da presença física dos consumidores, o que era impossível no período de distanciamento social. Contudo, superada esta fase inicial, Serviços foi o setor que mostrou a recuperação mais consistente e hoje tem um volume 12,4% superior ao de pré pandemia, resultado muito superior ao da Indústria e do Comércio. Um exemplo bem específico de combinação entre aumento de custos e pressão de demanda se verifica no mercado de passagens aéreas, em que houve alta significativa do preço do combustível desde antes da pandemia, mas recentemente ocorreu um boom de demanda, ajudando a explicar elevações de preços.

O fato é que a combinação entre mudanças de padrão de consumo, especialmente das camadas médias e altas, e uma redistribuição de renda em favor da parte alta da pirâmide têm gerado um aumento de demanda de Serviços acompanhada de alta de preços. Há, portanto, inflação de demanda neste setor. Observe-se que, por outro lado, um setor tão intensivo em mão de obra, ainda não tem seus custos com pessoal plenamente recuperados desde o início da pandemia. Os aumentos dos custos se referem mais aos insumos que à mão de obra.

A pergunta que se coloca a seguir é: uma inflação de demanda – ainda que localizada em Serviços – não daria suporte à opção do Banco Central pela política de elevação dos juros. Ora, além de se caracterizar como uma alta de preços setorial, não generalizada, aí se verifica uma questão interessante para a análise. Quem demanda serviços no Brasil, um país com renda média baixa e muito mal distribuída? Essencialmente as camadas mais beneficiadas pela má distribuição, exatamente as que conseguem formar poupança – tanto mais em períodos de reclusão – e aplicar seus recursos no mercado financeiro com juros altos. Assim, uma elevação de juros que tivesse como objetivo sustar a inflação de demanda verificada especialmente no setor de Serviços teria um contra efeito, pois aumentaria a renda exatamente das famílias que pressionam a demanda do setor. Juros, neste caso, é estímulo de demanda.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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