Política
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6 de janeiro de 2023
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18:16

Nova estrutura dos Direitos Humanos evidencia reconstrução após obscurantismo bolsonarista

Por
Duda Romagna
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Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Nesta terça-feira (3), Silvio Almeida assumiu o cargo de ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Diferentemente da abordagem da gestão antecessora, seu discurso foi de acolhimento e em defesa das minorias sociais. No terceiro governo de Lula (PT), as competências da pasta foram divididas com outras duas, o Ministério das Mulheres e o Ministério da Igualdade Racial, em alusão às prioridades destacadas desde a campanha presidencial e de modo a dar mais atenção aos temas. A administração federal criou, ainda, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Nascido em São Paulo (SP), Silvio Almeida é professor universitário, advogado, jurista e filósofo. Graduou-se em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1995-1999) e em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2004-2011). É mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Além da representatividade, ele simboliza a retomada de um ministério efetivamente preocupado com os direitos humanos, e o início desse processo passa pela reestruturação da pasta.

O ministro Silvio Almeida assumiu o cargo em cerimônia no auditório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós; mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós; homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são pessoas valiosas para nós; povos indígenas desse País, vocês existem e são valiosos para nós; pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexo e não binárias, vocês existem e são valiosas para nós; pessoas em situação de rua; vocês existem e são valiosas para nós; pessoas com deficiência, pessoas idosas, anistiados, filhos de anistiados, vítimas de violência, vítimas da fome e da falta de moradia, pessoas que sofrem com a falta de acesso à saúde, companheiras empregadas domésticas, todos e todas que sofrem com a falta de transporte, todos e todas que têm seus direitos violados, vocês existem e são valiosos para nós”, afirmou o ministro, em um dos trechos de seu discurso.

Leia também: Silvio Almeida emociona com discurso voltado a minorias: ‘vocês existem e são valiosos para nós’

A história da pasta é relativamente recente. Na reforma ministerial de 2015, no governo de Dilma Rousseff (PT), o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH) foi consolidado pela junção das secretarias de Políticas para as Mulheres, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Direitos Humanos. Antes, porém, as secretarias também tinham estatuto de ministério.

Além de personalidade política, Damares também é pastora. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Em 2016, após o golpe, a pasta acabou extinta, sendo recriada como Ministério dos Direitos Humanos em 2017. Em 2019, o governo Bolsonaro nomeou Damares Alves, pastora e filiada ao Republicanos, para comandá-la sob a nova denominação de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

A mudança de nome é sintomática. A retirada da igualdade racial e inserção da família mostra uma mudança de eixo e foi uma forma de aglutinar ideologias por trás da nova orientação política. “As políticas supostamente voltadas às mulheres passaram a ter novamente um foco familista com muito menos atenção às necessidades específicas das mulheres, de situações de violência, e muito mais um foco em fortalecimento de vínculos familiares, que tem tudo a ver com uma agenda mais ampla desse governo Bolsonaro. É o retorno a uma responsabilização das mulheres pelo cuidado, seja das crianças, dos idosos, do ambiente doméstico como um todo”, explica Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética.

As políticas de responsabilidade do Ministério durante o governo Bolsonaro foram minguadas, assim como seu orçamento. Em 2022, o recurso autorizado para a área de igualdade racial foi 80% menor do que o de 2019, que foi calculado ainda durante a administração de Dilma, no Plano Plurianual 2016-2019.  A partir de 2019, o enfrentamento ao racismo foi excluído do Plano Plurianual 2020-2023.

O programa Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência foi extinto e substituído pelo programa Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos, evidenciando a inclusão da família no nome do ministério. O programa englobaria ações para crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e a população LGBTQIA+.

Além disso, a gestão de Damares Alves no MMFDH foi repleta de polêmicas e ataques aos direitos humanos. Logo após a posse de Bolsonaro, as redes sociais foram tomadas pela repercussão de um vídeo de Damares afirmando que “menino veste azul e menina veste rosa”, explicado pela mesma como uma metáfora contra a “ideologia de gênero”. Também em 2019, em uma entrevista com a pastora Cynthia Ferreira, do Portal Fé em Jesus, a ex-ministra disse que a igreja evangélica perdeu espaço quando deixou a teoria da evolução entrar nas escolas.

Leia também: Desmonte nos serviços, orçamento minguado e conservadorismo: a herança de Damares Alves

Os esforços para a retomada do Ministério dos Direitos Humanos começaram ainda no processo de transição de governo, quando grupos de trabalho (GTs) foram criados para diagnosticar cada área e planejar a reestruturação dos ministérios.

Miriam Marroni, psicóloga e ex-deputada estadual, foi convidada pela deputada federal Maria do Rosário (PT) a participar GT de Direitos Humanos. Para ela, o Brasil negou uma modelo e uma visão autoritária para retomar a democracia e os princípios humanistas. “É a reconstrução de uma caminhada que andava bem, que caminhava para evoluir nesses conceitos de respeito à diferença, da solidariedade, das liberdades de modo geral, tinha um processo evolutivo. No último período, esse retrocesso impactou diretamente nos direitos humanos, é o desrespeito às individualidades, ao ser humano e às suas diferenças”, explica.

Sobre a posse de Silvio Almeida, a psicóloga avalia como um momento de respiro e incentivo. “Quando ele diz ‘vocês existem e são importantes para nós’, é pautado na dignidade humana, na inclusão, no respeito, isso nos anima, nos emociona e nos coloca em marcha para desconstituir esse processo de aceitação da desigualdade.”

O novo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem como área de competência, segundo sua estrutura regimental, as políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos, incluídos os direitos:

  • da pessoa idosa
  • da criança e do adolescente
  • da pessoa com deficiência
  • das pessoas LGBTQIA+
  • da população em situação de rua, e
  • de grupos sociais vulnerabilizados

Além da articulação de políticas e apoio a iniciativas destinadas à defesa dos direitos humanos, com respeito aos fundamentos constitucionais, do exercício da função de ouvidoria nacional em assuntos relativos aos direitos humanos, das políticas de educação em direitos humanos, para promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade, e do combate a todas as formas de violência, de preconceito, de discriminação e de intolerância.

O ministro e professor Silvio Almeida, ao centro, apresenta o time que coordenará todos os temas vinculados ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Foto: Clarice Castro: Ascom/MDHC

Junto ao ministro, foram empossados cinco secretários também carregados de representatividade. Symmy Larrat, secretária de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, é travesti e ativista de direitos humanos, militando desde a década de 1990 no Norte do país, e é presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Durante o governo Bolsonaro, a população LGBTQIA+ foi excluída do Ministério dos Direitos Humanos.

Na Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, ativista, sindicalista, colabora com pesquisas na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre atenção à pessoa com deficiência. Isadora Brandão Araújo da Silva, secretária de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, é defensora pública e exerceu a Coordenação do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, dedicando-se à defesa dos direitos da população negra, LGBTQIA+ e de povos e comunidades tradicionais.

Assume a Secretaria dos Direitos da Pessoa Idosa Alexandre da Silva, doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), mestre em Reabilitação pela mesma instituição. Na Secretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente, está o advogado Ariel de Castro Alves, que possui pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas de Direitos Humanos e Segurança Pública pela PUC-SP. É presidente da Comissão de Adoção e Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O ministro Silvio Almeida anunciou que vai reativar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e criou a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Para chefiar a estrutura, nomeou Nilmário Miranda que, no primeiro mandato do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, foi o primeiro secretário especial de Direitos Humanos.

Leia também: Comissão de Mortos e Desaparecidos será reativada

Do antigo ministério, pouco se herdou. A família, que antes integrava o nome, passou para o novo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, deixando de lado a visão ideológica e tradicional de família. À Secretaria Nacional de Cuidados e Família, que integra o ministério, compete a proposição de uma “Política Nacional” e um “Sistema Público de Cuidado” com atenção às desigualdades de gênero, de raça, de etnia, territoriais e de ciclo de vida.

Anielle Franco. Foto: Luiza Castro/Sul21

Com a separação dos temas de igualdade racial e mulheres, o repasse para cada um dos ministérios deve ser maior e terão maior autonomia para projetos em cada área, entende Miriam. Anielle Franco, educadora, jornalista, escritora e irmã da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, está a frente do novo Ministério da Igualdade Racial. A ele cabem as políticas e diretrizes destinadas à promoção da igualdade racial e étnica, as políticas de ações afirmativas e combate e superação do racismo, para quilombolas, povos e comunidades tradicionais, para a proteção e o fortalecimentos dos povos de comunidades tradicionais de matriz africana e povos de terreiro. Além do auxílio e proposição aos órgãos competentes na elaboração do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária para atender de forma transversal à promoção da igualdade racial, ações afirmativas, combate e superação do racismo.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e a futura ministra da Mulher, Cida Gonçalves,. – Marcelo Camargo/Agência Brasil

O novo Ministério das Mulheres, chefiado por Cida Gonçalves, ativista dos direitos das mulheres e especialista em gênero e em violência contra a mulher, é responsável pela formulação, coordenação e execução de políticas e diretrizes de garantia dos direitos das mulheres, pela articulação intersetorial e transversal junto com aos órgãos e às entidades, públicos e privados, e às organizações da sociedade civil. Também, é atribuição desse ministério a elaboração e implementação de campanhas educativas e antidiscriminatórias e pelo acompanhamento da implementação da legislação sobre ações afirmativas e definição de ações para o cumprimento de acordos, convenções e planos de ação sobre a garantia da igualdade de gênero e do combate à discriminação.


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