Meio Ambiente
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9 de abril de 2024
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17:05

Leite sanciona projeto que permite irrigação em Área de Preservação Permanente

Por
Luciano Velleda
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Agapan diz que iniciativa será a  “destruição ambiental” incentivada e legalizada no RS. Foto: Sema/RS
Agapan diz que iniciativa será a “destruição ambiental” incentivada e legalizada no RS. Foto: Sema/RS

O governador Eduardo Leite (PSDB) sancionou, nesta terça-feira (9), o Projeto de Lei 151/2023, de autoria do deputado estadual delegado Zucco (Republicanos), que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP) no Rio Grande do Sul. O objetivo do projeto, aprovado em março na Assembleia Legislativa, é proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem.

Desde o dia da aprovação, porém, havia a dúvida se o governador iria sancionar ou vetar o projeto, pois entidades ambientalistas sustentam que a iniciativa do parlamento gaúcho conflita com a legislação federal que trata de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e poderá ser questionada na Justiça.

A hipótese de inconstitucionalidade do projeto, no entanto, é descartada por Zucco. Logo após a notícia da sanção, o deputado declarou que leis iguais existem em outros estados do Brasil e que a lei de Minas Gerais chegou a ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi validada pela corte. “Agora vamos estar em pé de igualdade para competir com os demais estados”, afirmou.

Em defesa do seu projeto, Zucco diz que a proposta teve ampla discussão na Assembleia e foi aprovada pela maioria dos deputados. “O projeto permite a construção de barragens e açudes quando declaradas de utilidade pública e interesse social para fins de irrigação, permitindo a intervenção por parte dos agricultores e pecuaristas inclusive nas Áreas de Preservação Permanente.”

Com a sanção do governador, o projeto entra em vigor como lei a partir da publicação no Diário Oficial, o que deve ocorre na edição desta quarta-feira (10). Zucco espera que a nova lei seja logo regulamentada pelos órgãos estaduais do meio ambiente, a fim de permitir com que agricultores e pecuaristas captem água no período de chuvas que deve começar em breve.

“Eles vão poder captar a água que vai cair do céu, armazenar e depois utilizar na eventualidade de uma seca, que ocorre a cada três anos no nosso estado”, justificou, inclusive indo além e fazendo referência com a tragédia no Vale do Taquari em 2023. “Vamos captar essa água e evitar que elas inundem rios e cidades, como aconteceu ano passado, e que ela fique armazenada para a agricultura e pecuária.”

Diante da sanção do polêmico projeto, o deputado Jeferson Fernandes (PT) voltou a enfatizar a possibilidade de disputa judicial e, de modo irônico, analisou os objetivos do governador com a medida.

“O governador é curioso. Em outra época, ele se mostrava crítico a esse tipo de iniciativa porque é uma lei explicitamente inconstitucional e ilegal, porque tem lei federal que proíbe o uso de Área de Preservação Permanente (APP) pra fazer irrigação. Então, por que o governador está passando por cima da lei? Porque ele quer o voto desses deputados demagogos em favor do aumento de impostos. É por isso que ele tá fazendo vista grossa, não só em relação a esse projeto que fere o ambiente natural, como também a criação de escolas cívico-militares. Antes havia algumas nuances entre a extrema-direita dentro da Assembleia e a base governista, agora ele está tentando unir as duas pontas aprovando esse tipo de medida, o que é nefasto não só pro ambiente natural, mas pra própria democracia”, ponderou o parlamentar, dando voz ao entendimento comum da bancada do PT na Assembleia sobre o tema.

Na ocasião da aprovação do projeto na Assembleia, Rodrigo Dutra, mestre em Ecologia e integrante da Coalisão pelo Pampa, avaliou que a medida é resultado da vulgarização dos conceitos de utilidade pública e interesse social. “Em geral, são exceções para obras e empreendimentos de interesse coletivo, e nos PLs entram várias atividades particulares como a irrigação e até a mineração”, disse.

Para Dutra, o pano de fundo para a discussão sobre o tema é a omissão estadual em implementar o Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto desde 2012 para recuperar passivos de APPs e reserva legal nos biomas estaduais, o Pampa e a Mata Atlântica.

“Ou seja, o PL prevê a destruição de APP (margem de córregos, rios, nascentes) ao mesmo tempo que não recuperam nenhum hectare dos passivos existentes. Não se pensa em produzir água, e, sim, em acumular, destruindo APPs, o que no médio e longo prazo deve agravar a escassez de água nas bacias. Permite-se destruir APPs para construir barragens, mas as medidas compensatórias não são claras se existirão”, criticou.

Dutra pontuou ainda que, segundo o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), apenas no bioma Pampa deveriam estar sendo recuperados 300 mil hectares de APPs e Reserva Legal. “Nada disso está acontecendo, e o PL prevê destruir mais APPs para barragens”, lamentou.

Também após a aprovação pela Assembleia do projeto que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) emitiu nota denunciando o que definiu como a “destruição ambiental” que está sendo incentivada e legalizada no estado.

A entidade ambientalista destacou haver muitas provas científicas sobre o impacto das atividades humanas no planeta, com enormes danos ao meio ambiente. E neste contexto de crise ambiental intensificada pelas mudanças climáticas, disse que a nova lei aprovada no RS é “antiecológica” e “irresponsável”.

“A finalidade das Áreas de Preservação Permanente (APP) é preservar a biodiversidade. Os recursos hídricos são elementos de preservação dessa biodiversidade. As APPs são os nascedouros de água. Como pode ser razoável pensar em interferir nesse sistema natural complexo e já tão escasso para criar reservatórios artificiais? Trata-se de uma intervenção antrópica destrutiva e mal posicionada em um local que deve ser entendido com um santuário ecológico de maior valor”, defendeu a Agapan.

Conforme a entidade, a criação de reservatórios d’água dentro de APPs irá impactar na diminuição da biodiversidade, na inversão do processo evolutivo do ecossistema e seu serviço ambiental, no grau de umidade equilibrada da área preservada, no sistema de transporte e locomoção de fauna (corredores ecológicos) e na polinização que é essencial à agricultura. “Enfim, no trabalho milenar da natureza, que só ela pode fazer por nós”, pondera.

“Se o objetivo for estocar água das chuvas, é preciso que se garanta todas as condições necessárias para que as chuvas aconteçam. As APPs têm grande papel nesse processo. É pouco inteligente, e até perverso, recorrer a essa sistemática proposta pelo projeto aprovado na Assembleia Legislativa. Esses reservatórios artificiais são antiecológicos, portanto, não podem estar dentro de Áreas de Preservação Permanente. Não devemos permitir, principalmente através de leis, que se ameace a biodiversidade capaz de nos proporcionar a produção necessária à vida”, criticou a tradicional entidade ambientalista ainda antes da sanção do projeto que, agora, virou lei no Rio Grande do Sul.


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