Meio Ambiente
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12 de março de 2024
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18:51

Assembleia aprova projeto sobre irrigação que pode ser contestado na Justiça

Por
Luciano Velleda
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Deputado Delegado Zucco (Republicanos) é o autor do PL aprovado nesta terça-feira (12) | Foto: Raul Pereira/ALRS
Deputado Delegado Zucco (Republicanos) é o autor do PL aprovado nesta terça-feira (12) | Foto: Raul Pereira/ALRS

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou na tarde desta terça-feira (12), por 35 votos a favor e 13 contrários, o Projeto de Lei 151/2023, de autoria do deputado estadual delegado Zucco (Republicanos), que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes no Estado, com o objetivo de garantir alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária. Contudo, para a oposição e entidades ambientalistas que trabalham com o tema, o projeto de lei conflita com a legislação federal que trata de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e poderá ser questionada na Justiça.

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Após a aprovação, o deputado Zucco explicou que, a partir da lei, pequenos, médios e grandes agricultores do Rio Grande do Sul poderão tornar de utilidade pública áreas destinadas para a construção de barragens e represas. Para o parlamentar, a legislação permitirá o enfrentamento da estiagem e a garantia de obras de irrigação para a produção agrícola no Estado. Ainda de acordo com ele, a permissão para que intervenções sejam feitas em Áreas de Preservação Permanente se dará quando não houver alternativas para reserva de água.

Rodrigo Dutra, mestre em Ecologia e integrante da Coalisão pelo Pampa, avalia que a aprovação do projeto é resultado de uma vulgarização dos conceitos de utilidade pública e interesse social. “Em geral, são exceções para obras e empreendimentos de interesse coletivo, e nos PLs entram várias atividades particulares como a irrigação e até a mineração”, diz.

Para Dutra, o pano de fundo para a discussão sobre o tema é a omissão estadual em implementar o Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto desde 2012 para recuperar passivos de APPs e reserva legal nos biomas estaduais, Pampa e Mata Atlântica.

“Ou seja, os PLs preveem a destruição de APP (margem de córregos, rios, nascentes) ao mesmo tempo que não recuperam nenhum hectare dos passivos existentes. Não se pensa em produzir água, e, sim, em acumular, destruindo APPs, o que no médio e longo prazo deve agravar a escassez de água nas bacias. Permite-se destruir APPs para construir barragens, mas as medidas compensatórias não são claras se existirão”, diz.

Dutra pontua ainda que, segundo o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), apenas no bioma Pampa deveriam estar sendo recuperados 300 mil hectares de APPs e Reserva Legal. “Nada disso está acontecendo, e os PLs preveem destruir mais APPs para barragens”, afirma.

O deputado Miguel Rosseto (PT), contrário ao projeto, pontua que a bancada do partido apoia políticas de irrigação e reservação de água, mas disse que surpreende o projeto do delegado Zucco ter sido votado hoje sem ter havido o debate suficiente. O tema esteve na pauta da Assembleia Legislativa no final do ano passado, mas teve a votação adiada após acordo dos partidos de que o assunto precisava ser melhor discutido.

Rossetto também avalia que o projeto é “claramente ilegal”, destacando que o Ministério Público do Rio Grande do Sul emitiu posicionamento neste sentido ao analisar a alteração do uso das águas. “Esse projeto é uma desmoralização do parlamento gaúcho. Esse projeto permite a utilização ilegal do nosso bem maior que são as águas, os arroios e as nascentes, sem respeitar os planos de bacia hidrográfica”, diz.

Na mesma linha, o deputado Matheus Gomes (PSOL) avalia que o projeto se choca com a legislação federal. “Não cabe uma legislação estadual fazer uma flexibilização sobre o que é interesse social ou utilidade pública nessa questão do código ambiental. Penso que é um projeto ilegal que foi aprovado, mas vai ser contestado. O que está sendo proposto é perigoso porque cria a ideia de que as áreas de preservação do RS não têm que ser preservadas”, diz.

Matheus pondera que o tema é importante e exige a edição de políticas, mas diz que as alterações propostas no projeto não são o caminho adequado. “Assim a gente coloca em risco as bacias hidrográficas do RS e priorizamos o interesse do grande agronegócio, não é algo vinculado ao interesse da agricultura familiar e à maioria dos produtores do Estado”, diz.

O deputado Zé Nunes (PT) reforça que, apesar do tema da irrigação merecer atenção, a proposta conflita com a legislação federal. “Quando se fala em irrigação, se parte do pressuposto de que é só reservar e que a água está disponível. Temos sofrido muito com a estiagem e é legítimo que se tenha todo esse debate e se busque algo mais eficiente nesse sentido. O problema é haver conflito com a legislação federal, com o Código Nacional do Meio Ambiente, com a Lei dos Biomas e de intervenção nas áreas de preservação ambiental, que não é uma decisão que o Estado pode tomar, porque isso é uma legislação federal. Me parece que é uma lei que o governador vai vetar, porque ela é flagrantemente inconstitucional e o governador irá se expor se sancionar”, diz.

O projeto do deputado Zucco não era o único sobre o tema na pauta desta tarde na Assembleia. No entanto, sua aprovação acabou prejudicado o PL 204/2023, do presidente da Casa, deputado Adolfo Brito (PP) e de mais seis parlamentares, que prevê alterações mais profundas no Código Ambiental Estadual, mas que também trata da reserva de água em áreas de APPs. A bancada do PP também era autora de uma emenda ao projeto de Zucco, que não chegou a ser votada.

Questionado sobre assunto, Brito deixou claro que o partido não desistiu do tema e, embora tenha votado a favor, manifestou certa descrença com o impasse legal que o projeto de Zucco deve enfrentar. “A nossa intenção é fazer com que o Estado tenha condições jurídicas pro agricultor poder investir, fazer seu barramento, sua açudagem, onde ele possa tranquilamente não ter problema com a Justiça. Nosso texto vai obedecer também a legislação federal. A APP é uma legislação federal, não é uma legislação do estado do Rio Grande do Sul. Então, estamos aguardando a consulta pública que está sendo realizada pela Sema pra aproveitar todas as opiniões que vierem”.

Brito fez ainda menção ao alinhamento que espera vir de Brasília. O senador Luis Carlos Heinze (PP) aprovou no fim do ano passado projeto que versa sobre o mesmo tema e que seguiu para a Câmara dos Deputados, onde ainda não foi analisado. Um avanço na capital federal traria mais segurança para a proposta estadual. “Temos uma parceria com os municípios, que são quem vai implementar os projetos de irrigação. Mas, para fazer essas mudanças, vamos precisar também da aprovação em Brasília, no que diz respeito às áreas de preservação ambiental. Então, depois de ser aprovado em Brasília, que a gente possa complementar aqui esse trabalho junto com o governo do Estado e o Ministério Público. Esperamos fazer um projeto robusto, onde possa ser oferecido ao agricultor a possibilidade de investir no barramento, na açudagem, na reserva de água, sem ter medo de responder depois na Justiça”, afirma.


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