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13 de abril de 2024
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09:12

Robaina: a tarifa zero é viável e seria uma revolução para Porto Alegre

Por
Luís Gomes
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Projeto de lei prevê a implementação da tarifa zero em todo o transporte coletivo da de Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Projeto de lei prevê a implementação da tarifa zero em todo o transporte coletivo da de Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Nos últimos meses, o vereador Roberto Robaina (PSOL) tem visitado terminais de ônibus de Porto Alegre para conversar com as pessoas e apresentar a elas uma ideia: a tarifa zero nos ônibus da Capital. A iniciativa faz parte de um esforço voltado para aumentar o conhecimento e garantir apoio para o projeto de lei que ele protocolou na Câmara de Vereadores em fevereiro deste ano. Nesta semana, Robaina conversou com a reportagem do Sul21 sobre o projeto, explicando os seus detalhes e a reação que as pessoas têm quando são apresentadas a ele.

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Atualmente, uma passagem de ônibus em Porto Alegre custa R$ 4,80, valor mantido há alguns anos mediante subsídio pago pelo governo municipal. O subsídio foi implementado diante da crise no sistema, que perdeu milhões de passageiros mensais ao longo da última década, e evitar que uma tarifa maior afastasse ainda mais as pessoas do transporte público. Para 2024, a previsão é destinar R$ 132 milhões para o financiamento do sistema, o que representaria cerca de 20% do custo total da operação.

Pela projeto do vereador Robaina, a tarifa passaria a ser gratuita, mas as empresas que possuem concessões para operação dos ônibus da Capital continuariam operando o sistema nos moldes atuais, com a mesma taxa de remuneração prevista em contrato. A tarifa seria financiada pela criação de uma Taxa de Mobilidade Urbana (TMU), que seria paga por empresas de acordo com o número de funcionários. Esta taxa substituiria a necessidade de pagamento de vale-transporte aos funcionários, mas a gratuidade seria para todos os usuários, sem exceções.

“Hoje, o financiamento é inviável, então a pauta da tarifa zero está começando a ganhar peso, porque o atual financiamento do sistema de transporte está colapsando o sistema de transporte como qualquer um reconhece, qualquer estudioso e as pessoas que vivem no sistema de transporte, porque todo mundo sabe que é caro e que é ruim. Faltam ônibus, faltam linhas, e, ao mesmo tempo, os empresários estão sempre dizendo que necessitam uma tarifa maior. Concretamente, o governo municipal tem previsto para este ano destinar R$ 132 milhões para as empresas como subsídio da passagem. Quer dizer, o governo hoje banca 20% do custo, incluindo o lucro das empresas. Por quê? Porque não pode aumentar mais, o que já está inviável”, diz Robaina.

Roberto Robaina conversa com a população sobre o Projeto de Lei da Tarifa Zero | Foto: César Wolf/Divulgação

A proposta do projeto para alíquota da TMU é de 26 unidades financeiras municipais (UFMs) — indexador variável de todos os tributos municipais, dos valores relativos a juros, multas e penalidades tributárias e administrativas –, atualmente estipulada em R$ 5,50. A taxa corresponderia hoje a um valor mensal de R$ 143,23 e seria paga pelas empresas por cada funcionário formalizado. Contudo, pela proposta, empresas com menos de 10 funcionários pagariam a metade da taxa por funcionário.

Tomando como base dados do IBGE de 2001, Robaina pontua que Porto Alegre tem 72 mil empresas de 0 a 4 funcionários; 8 mil empresas de 5 a 9 funcionários; 4,2 mil empresas de 10 a 19 funcionários; 1 mil empresas de 20 a 29 funcionários; 789 empresas de 30 a 49 funcionários; 507 empresas de 50 a 99 funcionários; 329 empresas de 100 a 249 funcionários; 122 empresas de 250 a 499 funcionários; 155 empresas de mais de 500 funcionários. “A grande maioria das empresas, portanto, pagaria a metade.”

Pelos cálculos feitos pela assessoria técnica do gabinete, o custo médio para o empregador por funcionário que recebe vale transporte é de R$ 155, enquanto a taxa de mobilidade urbana seria estipulada em R$ 143. A diferença é que a taxa seria cobrada com relação ao número total de funcionários contratados, não podendo o trabalhador abrir mão do benefício, como ocorre hoje.

Nestes cálculos, a arrecadação total com a taxa seria de R$ 62.385 milhões mensais, enquanto o custo do sistema estaria abaixo dos R$ 60 milhões. Robaina destaca que o governo informou que o subsídio de R$ 132 milhões representaria 20% do custo do sistema, projetando um custo total de R$ 660 milhões, ou R$ 55 milhões por mês.

“As empresas já pagam o vale-transporte. Não pagam para todos os funcionários porque nem todos usam. Passariam a pagar para todos, seria uma taxa universal para as empresas, que seriam responsáveis pelo recolhimento da taxa. Essa é a forma de viabilizar, fazendo uma mudança. Assim como tem taxa de lixo, teria taxa de transporte”.

Segundo Robaina, diante destes custos anuais, não seria necessária nenhuma outra forma de financiamento. Ele ainda destaca que não seria necessário incluir os R$ 132 milhões que já estão presentes no orçamento para destinação ao sistema, o que permitiria financiar investimentos ou mesmo reduzir o valor da taxa. O mesmo vale para eventuais subsídios que poderiam vir do governo federal, algo que já é pleiteado pelo governo Melo, e outras formas de financiamento, como destinar recursos da área azul, publicidade nos ônibus, entre outros.

Para o vereador, a adoção da tarifa zero promoveria uma revolução no sistema de transportes de Porto Alegre e colocaria a Capital na vanguarda mundial, seguindo o exemplo de países como Luxemburgo e de 100 cidades do país que já implementaram algum tipo do modalidade de tarifa zero ou estão em fase de adoção. Entre as capitais, ainda não há um exemplo no País, mas estudos estão sendo realizados pela prefeitura do Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, o caso mais bem sucedido é da cidade de Parobé (ver a seguir), na Região Metropolitana.

“É uma revolução, porque nós termos uma tarifa zero significaria garantir acesso para muita gente que não tem acesso mais, que perdeu acesso. Perdeu acesso quando o Marchezan e o Melo reduziram direitos de estudantes, de pessoas que tinham entre 60 e 65 anos que perderam também a gratuidade. Depois, pela crise, pessoas que não têm condições de pagar uma passagem tão cara de R$ 4,80. Apesar de não ter aumentado nos últimos anos, continua sendo muito cara, é proibitiva. Então, é uma revolução que mudaria a cidade. Seria uma avanço tremendo em termos de direitos civis e direitos humanos, praticamente, porque é absurdo que uma pessoa não tenha condições de procurar um emprego porque não tem dinheiro para a passagem, é um absurdo que tenha alunos que não possam estudar ou que tenha que escolher o dia que vão faltar porque eles não têm dinheiro para pagar a passagem durante todos os cinco dias da semana, ou que pessoas não possam visitar seus parentes no final de semana, não possam passear, não possam usufruir, tenham que ficar totalmente marginalizadas no seu canto sem poder sair de casa ou sem sair do bairro”, diz Robaina.

Ele pontua que não há notícias de nenhum município que voltou atrás, apenas do crescimento do debate. “Eu tenho argumentado que, assim como tem saúde gratuita e pública e tem educação gratuita e pública, porque são serviços essenciais, transporte também é um serviço essencial e não tem porque não ser público e gratuito. Nesse caso, gratuito, porque o projeto não prevê o fim das concessões privadas, porque não é o caso, não está em discussão isso”.

O próprio prefeito Sebastião Melo tem defendido a criação de um “SUS do transporte coletivo”, mas a avaliação do prefeito é de que o financiamento seja compartilhado pelos governos federal e estadual. Uma reivindicação do prefeito é que o governo federal deveria custear a isenção concedida a idosos com mais de 65 anos, prevista em lei federal e o que representaria mais de R$ 70 milhões por ano na Capital. Contudo, a proposta de Melo poderia, no máximo, representar uma redução da tarifa para os demais passageiros.

Robaina avalia que a principal contrapartida da criação da tarifa zero seria o ganho geral para a cidade com o aumento da circulação das pessoas e a redução da dependência do automóvel. “Ganho ambiental, ganho cultural e ganho para os mais pobres. São eles que não podem andar de ônibus, que estão no Bolsa Família, que estão desempregados, que são estudantes.”

Ele diz ainda que não há estudo de quais investimentos seriam necessários, mas que as experiências existentes demonstram um ganho geral no fluxo de passageiros. “Tudo tem que ser previsto, por isso que o nosso cálculo garantiu além do que o governo disse que o sistema gasta hoje, porque tem que prever o aumento da frota. Tem duas coisas que têm que aumentar: a frota e a fiscalização. Do contrário, sem fiscalização, seria uma loucura, porque os empresários de ônibus passariam a receber o dinheiro na veia, então tem que ter controle”.

A proposta de criação de uma Taxa de Mobilidade Urbana em Porto Alegre também não é uma novidade de Robaina. Na verdade, ela foi proposta primeiro pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). À época, o objetivo não era promover a tarifa zero universal, mas reduzir drasticamente o valor da passagem.

“Temos a possibilidade, neste momento, de em 2021 chegarmos a uma tarifa de R$ 2,00, com estudantes pagando R$ 1,00 e o trabalhador podendo viajar com passe-livre, inclusive em fins de semana e feriados. Não se pode mais esperar para tomar alguma atitude pelo transporte público”, disse Marchezan, em março de 2020.

A proposta estava presente em um pacote de medidas encaminhado à Câmara de Vereadores, que acabou arquivado. Entre as medidas propostas pelo ex-prefeito, estavam:

Fim da taxa da CCT – Acaba com a taxa administrativa, chamada de Taxa de Gestão da Câmara de Compensação Tarifária (CCT), cobrada pela prefeitura para fazer a gestão do sistema. Segundo a Prefeitura, o fim dessa taxa, administrada pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), representaria uma economia de R$ 24 milhões para o cidadão por ano, valor que seria revertido para subsidiar a tarifa.

Tarifa de uso do sistema viário – Aplica uma tarifa de R$ 0,28 por quilômetro rodado para as empresas de transporte por aplicativos (Uber, Cabify, 99, Garupa etc.) pelo uso do sistema viário.

Tarifa de congestionamento – Carros emplacados fora de Porto Alegre passariam a pagar o valor referente a uma passagem de ônibus uma vez ao dia para entrar na cidade.

Redução gradual de cobradores – A flexibilização da lei desobriga a presença do cobrador em casos específicos, como em dias de passe livre, domingos e feriados, das 22h às 4h, em linhas com número reduzido de passageiros e nas linhas alimentadoras, já gratuitas, que levam o passageiro de dentro dos bairros até o eixo principal de atendimento.

Taxa de mobilidade urbana – Encargo seria cobrado das empresas por empregado com carteira assinada, o que garantiria para esses trabalhadores o passe livre no sistema de transporte coletivo.

“O projeto do Marchezan não era tarifa zero, não tinha redutor para empresas pequenas e combinava também com outros ataques, porque era um pacote. Envolvia pedágio para entrar na cidade”, pontua Robaina, mas ressaltando que era favorável.

O vereador avalia que outras formas de financiamento, que não estão previstas em seu projeto, poderiam contribuir para financiar o sistema, mas sozinhas não resolveriam. Ele ainda pondera que, seguindo a lógica da criação de uma taxa de mobilidade para financiar o sistema, também poderiam ser adotadas medidas intermediárias. “Se o governo não quer botar zero, diminui a taxa. Mas o fato é que se pode mudar radicalmente o sistema de transporte”.

Robaina diz que, quando começou a panfletar sobre a tarifa zero nos terminais, a expectativa era de que encontraria uma maioria de pessoas desacreditadas, desiludidas com a possibilidade de “coisas boas serem viáveis”.

“A reação tem sido melhor do que eu imaginava. Eu vejo como o povo tá cansado de tanta desilusão, mas eu vi uma reação muito boa, o que me deu muita esperança de que temas como esse, que pautam a política de forma a produzir resultados para melhorar a vida das pessoas mais necessitadas, despertam e tem muita gente apoiando”.

Foto: Bruna Porciúncula/Divulgação

O vereador diz que um dos principais objetivos da ação é explicar para as pessoas a viabilidade da proposta. “Eu começo com um choque, porque o sujeito recebe o panfleto defendendo ônibus gratuito. E aí tem de tudo. Eu achei que ia ter mais gente dizendo ‘isso é impossível’, porque o senso comum tenta dar a ideia de que tudo que melhora a vida das pessoas é impossível, mas a gente sabe que, por esse lógica, não teria salário mínimo, escola pública, SUS, são conquistas. Nós queremos estabelecer uma pauta ofensiva, não apenas defensiva”.

Robaina destaca que a EPTC já fez um estudo sobre o tema e que ele próprio se reuniu com o ex-secretário Luiz Fernando Záchia, que comandou a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana no primeiro ano do governo Melo, em 2021, para tratar do tema. “O Záchia apoiou, e depois foi demitido, mas eu não sei a relação de causa e efeito”.

Por outro lado, diz que não tratou do tema com o atual secretário, Adão Castro Júnior. “Depois da experiência com o Záchia, eu resolvi que tem que fazer uma luta política para ganhar a população e, a partir disso, ganhar a Câmara, porque é via Câmara que se pode mudar”.

Contudo, reconhece que a atual legislatura ainda é contrária o tema. “Eu confio que, se ganhar a consciência da população, o tema começará a ser pautado ao ponto de que será viável aprovar e executar”.

Para ele, a tarifa zero deve ser um tema central das eleições municipais de 2024. O tema já apareceu durante ato de lançamento da construção de um programa para as pré-candidaturas de Maria do Rosário (PT) à prefeita e Tamyres Filgueiras (PSOL) à vice-prefeita.

Neste sábado, o mandato do vereador promoverá um ato público em defesa do Projeto de Lei Tarifa Zero na sede do Sindicato dos Municipários (Simpa) — Rua João Alfredo, 61, Cidade Baixa –, a partir das 16h, em que apresentará detalhes do projeto (ver a íntegra abaixo).

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Pioneiro do Rio Grande do Sul, o município de Parobé adotou a tarifa zero em 2022. Antes de entrar em vigor, a cidade de 52 mil habitantes tinha cerca de 200 usuários de ônibus em suas duas linhas em operação — uma urbana e outra rural. A partir da mudança, passou a ter cerca de mil usuários diários.

Em apresentação do programa feita na Câmara de Vereadores de Novo Hamburgo, o prefeito Diego Picucha (PDT) destacou que, anteriormente, o sistema de transporte público do município era muito precário, a tarifa defasada, com capacidade ociosa e que, de acordo com o estudo contratado, a administração pública precisaria dobrar o valor da passagem para oferecer mais qualidade no serviço.

“Teríamos que aportar R$ 50 mil para manter os R$ 4,50 da tarifa, então eu sugeri que custeássemos o valor integral, o que também aumentaria em até 500% o uso das linhas. Me chamaram de louco, mas fiz mesmo assim e hoje temos pessoas que nunca andaram de ônibus utilizando o Tarifa Zero por causa das suas comodidades”, afirmou Picucha. “Os ônibus têm acessibilidade, ar condicionado e, depois de um ano do programa, também temos unidades que são zero quilômetro”.

Em Parobé, os custos do sistema, cerca de R$ 100 mil mensais, são totalmente financiados pela Prefeitura, que remunera a empresa vencedora de licitação por quilômetro rodado.

Picucha destaca que, além do impacto positivo no orçamento das famílias, já é possível ver uma série de resultados positivos para a cidade. “O programa ainda está trazendo vários benefícios, não apenas para a população que não paga mais para andar de ônibus, mas também para o crescimento econômico da cidade. O número de passageiros aumentou, o que demonstra que as pessoas passaram a circular mais na cidade e a consumir no comércio local. Além disso, o impacto sobre o orçamento das famíliasdos trabalhadores faz toda a diferença. Ficamos felizes de sermos referência no país com o Tarifa Zero, mas ainda mais felizes por ver o impacto positivo em nossa comunidade”, diz.


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