Política
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13 de março de 2024
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14:08

‘A Tarifa Zero é viável’: frente parlamentar defende ônibus gratuito em Porto Alegre

Por
Bettina Gehm
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Prefeito de Parobé, onde a Tarifa Zero existe desde 2022, compartilhou a experiência da cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21
Prefeito de Parobé, onde a Tarifa Zero existe desde 2022, compartilhou a experiência da cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

Uma frente parlamentar em defesa da Tarifa Zero foi instalada na Câmara Municipal de Porto Alegre nesta terça-feira (12). Na presença de lideranças sindicais e estudantis, a proponente da frente, vereadora Karen Santos (PSOL), lembrou que a Capital tem uma história de luta pelo transporte público, gratuito e de qualidade. “Debater a mobilidade é fundamental para que a população tenha acesso ao emprego, ao lazer, aos espaços de cultura e tenha mais renda para fomentar a nossa economia. A gente sabe que R$ 10 para ir e voltar do centro pesa o bolso do trabalhador”, disse.

Para o vereador Giovani Culau (PCdoB), secretário da frente parlamentar, é preciso “vincular essa luta à ideia de que pensar Tarifa Zero só é possível se derrotarmos um projeto que governa Porto Alegre nos último vinte anos”. O vereador se refere a uma sucessão de medidas, principalmente da gestão atual, que reduziram o acesso ao transporte público na cidade. Foi extinta, por exemplo, a universalidade do acesso à passagem escolar. “Não tem como pensar em Tarifa Zero com Melo sentado na cadeira da Prefeitura”, afirma Culau.

O transporte é direito social desde 2015, quando a Emenda Constitucional nº 90 introduziu o transporte no mesmo rol da educação, saúde, segurança e outros direitos garantidos por lei. Isso significa que deveria haver, a nível nacional, a oferta de transporte gratuito – assim como existem as escolas públicas e o SUS, por exemplo. Mas, na prática, não funciona assim: a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, publicada em 2019, mostra que 18% dos gastos mensais das famílias brasileiras são destinados ao transporte. Foi a primeira vez que se passou a gastar mais em transporte do que em alimentação.

Segundo o economista André Augustin, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e do Observatório das Metrópoles, a Tarifa Zero em Porto Alegre é viável. “Já se gasta muito dinheiro hoje em transporte. E não só as famílias, o Estado gasta também – e no transporte individual. Gasta milhões em viadutos, em estacionamentos e em subsídios diretos para os carros”, explica. Em 2023, o governo federal criou uma política para incentivar a compra de carros novos.

“Se tivéssemos um modelo com Tarifa Zero e com prioridade ao transporte coletivo, gastaríamos menos dinheiro, porque reduziria o custo da cobrança”, afirma o economista. “Aqui em Porto Alegre já não tem cobrador, mas foi mantida a cobrança da passagem. O motorista faz os dois trabalhos – significa que ou ele está andando enquanto cobra passagem, podendo causar um acidente, ou fica parado no ponto esperando todo mundo entrar, o que acarreta no custo do ônibus parado e ligado, além do custo do sistema de bilhetagem. Supondo que uma parte dos usuários de carro migrariam para o transporte coletivo, o ônibus continua muito mais barato do que o carro por passageiro”.

Ainda segundo Augustin, a Tarifa Zero não é apenas possível, é necessária. “Incentivar o transporte coletivo melhora o engarrafamento e reduz a poluição. Hoje em dia, seguimos muito o modelo norte-americano de mobilidade urbana. Se o mundo todo tivesse a taxa de motorização dos Estados Unidos, aumentaria em mais de quatro vezes o número de carros no mundo. Isso faria o planeta chegar num nível de mudança climática em que acabaria o problema do transporte – porque não haveria mais vida humana na Terra”, diz. “Mas, até lá, teremos vários problemas climáticos, que também têm um custo. Só até setembro do ano passado, no Rio Grande do Sul, foram 43 mortos em enchentes, 96 mil afetados e o custo estimado de 24 bilhões de reais para a Defesa Civil. A partir de agora, esse gasto vai ser cada vez maior. O Tarifa Zero custaria bem menos que isso. Ou a gente reduz o uso do carro e dos combustíveis fósseis, ou os nossos gastos em tudo serão piorados”, pontua Augustin.

Conforme Augustin, existem limites de gastos para a Tarifa Zero que não são econômicos, mas políticos. “A nível municipal, teria que ter uma nova fonte de receita”, explica. O vereador Roberto Robaina (PSOL), por exemplo, propõe a cobrança de uma Taxa de Mobilidade Urbana (TMU), paga pelas empresas de acordo com o número de funcionários. Para o empregador, a TMU seria menor do que o atual vale-transporte.

“O transporte não é apenas municipal, ainda mais em uma cidade como Porto Alegre, em que as pessoas vêm de municípios da região metropolitana”, diz Augustin. O economista defende a discussão do transporte gratuito a nível federal. O Observatório das Metrópoles tem um manifesto a favor da criação de um Sistema Único de Mobilidade, proposto na PEC 25/2023. De autoria da deputada Luiza Erundina (PSOL), a PEC propõe a criação de novos tributos para custear o transporte.

Convidado para o lançamento da frente parlamentar, o prefeito de Parobé (a 80 km de Porto Alegre), Diego Picucha (PDT), compartilhou a experiência com a Tarifa Zero no município. A cidade de 60 mil habitantes é uma das duas no estado com passagem gratuita e, antes disso, tinha um transporte “totalmente precário”, conforme o prefeito. “Não existia nenhum tipo de relação da administração pública com a empresa que fazia o transporte. Nós pedimos um estudo do número de usuários de ônibus na cidade, analisamos e vimos que para ter um transporte público de qualidade, a tarifa custaria aproximadamente R$ 9. Eu teria que dar um subsídio de 50% desse valor para a passagem ficar em R$ 4,55, que era a tarifa praticada pela empresa. Tinha capacidade ociosa no ônibus. Daria para aumentar até 400% e atender com o mesmo ônibus”, explica. O prefeito optou por não criar nenhum tributo novo, mas sim organizar o caixa da Prefeitura. A Tarifa Zero foi lançada em Parobé em março de 2022, para todas as linhas, em todos os horários. Atualmente, a empresa Expresso Charqueadas financia parcialmente os serviços de operação dos ônibus e a Prefeitura arca apenas com os quilômetros rodados, investindo cerca de R$ 1 milhão por ano. Em 2023, a frota de ônibus foi renovada.

“As pessoas passaram a deixar o carro em casa e andar de ônibus. Além da questão ambiental, muitas pessoas deixaram de ir comprar na cidade vizinha e passaram a comprar no comércio de Parobé. A cidade liderou a geração de empregos no Vale do Paranhana em 2023”, afirma o prefeito. Conforme Picucha, uma família de três pessoas economiza, em média, R$ 500 por mês – o dinheiro sobra para o aluguel e para as compras básicas. “O Tarifa Zero, além de ser um direito social, bota comida na mesa. E o dinheiro é todo reinserido na economia da nossa cidade”, ressalta.


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