Geral
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23 de março de 2024
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08:53

Futura concessão do Viaduto Otávio Rocha traz incerteza a antigos comerciantes

Por
Bettina Gehm
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Obras no Viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros. Foto: Luiza Castro/Sul21
Obras no Viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros. Foto: Luiza Castro/Sul21

Com a expectativa de concluir a reforma do Viaduto Otávio Rocha em junho deste ano, a Prefeitura de Porto Alegre pretende conceder o espaço à iniciativa privada quando a obra estiver pronta. Mais conhecida como Viaduto da Borges, a construção que data de 1932 abrigava, até o início da reforma, comércios tradicionais do centro da cidade. Agora, os comerciantes não sabem se voltam ao Viaduto.

“Nós já tínhamos a noção de que o governo iria passar [o Viaduto] para a iniciativa privada, apesar de termos proposto uma administração compartilhada”, conta Adacir Flores, que preside a Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha (Arccov). A entidade queria administrar o espaço junto com mais duas partes: a Prefeitura e a sociedade civil. “Mas eles conseguiram desestabilizar, desmobilizar todo o pessoal que estava no Viaduto”, diz o comerciante, que operou um sebo por mais de três décadas no local. Adacir agora vende seus produtos em uma banca no Mercado Público, para onde foi realocado, assim como outros lojistas.

A Prefeitura contratou a empresa São Paulo Parcerias, por R$ 1,69 milhão, para fazer os estudos de concessão do Viaduto à iniciativa privada. A Secretária de Parcerias, Ana Pellini, disse à GZH que os trabalhos serão desempenhados ao longo de dois anos e, depois disso, a gestão municipal vai escolher a empresa que ficará responsável pelo espaço. A concessionária poderá ser remunerada com o uso das lojinhas, com espaços para publicidade e realização de eventos. O estudo da empresa contratada é que vai decidir uma alternativa.

A Arccov luta pelo retorno ao Viaduto apenas dos comerciantes que ainda têm permissão de uso do espaço, que são três. Além da loja do próprio Adacir, uma relojoaria e uma loja de chás e ervas estão entre os permissionários. “Outros já se estabeleceram em outros espaços, como a Praça da Alfândega. Vamos ver se o governo vai conceder esse espaço para nós. Eles vão fazer a Parceria Público-Privada (PPP) e nós estamos nesse impasse. Se conseguirmos esses espaços para quem tinha permissão de uso, já vamos nos sentir vitoriosos”, diz Adacir.

O comerciante relata que levou oito meses para se estabelecer com a banca no Mercado Público. “Estão me enrolando até hoje para ir para uma loja no Bom Fim. O movimento no Mercado não é parecido com o que tinha no Viaduto, é diferente de ter uma loja ‘física’”, afirma Adacir. Mas não é só por isso que a Arccov quer o retorno dos comerciantes ao local de origem. “Sempre lutamos pelo patrimônio material e imaterial do Viaduto”, ressalta o dono de sebo.

Alguns comerciantes que ocupavam o Viaduto da Borges têm dívidas com a Prefeitura que remontam ao início dos anos 2000. “Com a diminuição da clientela, ficou difícil de pagar”, conta o advogado da Arccov, Felisberto Luisi. Ele afirma que a Prefeitura não ajuizou nenhuma ação para cobrança das dívidas. “Nós já tínhamos feito uma auditoria da dívida há muito tempo. E eles nunca cobraram, apenas dizem que os lojistas estão devendo”. A loja de Adacir, por exemplo, deve cerca de R$ 50 mil. “Nós não aceitamos o valor que eles estão nos cobrando, e nunca foi revisto. Chegamos a buscar uma perícia contábil, e a Prefeitura nunca reconheceu o processo. Eles usam essa dívida como subterfúgio para justificar que estejamos fora do processo [de reforma]”, diz o comerciante.

Procurada pela reportagem do Sul21 para entender como ficarão os antigos comerciantes após a concessão e por que a Arccov foi afastada do processo de reforma, a Secretaria Municipal de Parcerias não respondeu às perguntas. “Não há informações no momento. É tudo bastante preliminar”, diz a nota da pasta. A Secretaria também não esclareceu por que pretende conceder o Viaduto após concluída a reforma.

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) diz que a reforma do Viaduto, iniciada no final de 2022, está “indo bem”, que deve ser entregue em junho deste ano e que um dos lados da escadaria será liberado “em breve”. A obra já está atrasada, visto que a expectativa inicial da Prefeitura era entregar o lado direito do viaduto em dezembro do ano passado. O prazo para a conclusão geral era de 18 meses, ou seja, maio de 2024.

Enquanto a reforma não chega ao fim, estabelecimentos que ficam na parte de cima do viaduto e que são acessados pelas escadarias vêem o faturamento despencar. “Quem é cliente sabe que está aberto, mas todo dia eu recebo mensagens perguntando quando vamos reabrir, porque as pessoas veem a obra e pensam que está fechado”, afirma Adelino Bilhalva, dono do Justo, bar que fica do lado esquerdo do viaduto (para quem vai em direção ao Mercado Público). “Tenho 80 lugares do lado de dentro, mas a maior parte do meu público quer ficar curtindo a escadaria. Isso já impactou nosso faturamento, que caiu pela metade durante a obra”, relata.

Dono do Armazém, bar que fica do outro lado do viaduto, o empresário Renato Pereira diz que também viu o movimento diminuir com a obra. “Faltam comunicação e cuidados com nosso setor, o de bares e restaurantes, nesse momento de recuperação após a pandemia. Tivemos intervenções com imenso impacto no faturamento da empresa, justamente por ocorrerem em datas e períodos festivos no verão – melhor período para nossa atividade e que segura os meses fracos do ano”, pontua.

Renato diz que a construtora responsável pela obra do viaduto pediu que ele fechasse o bar numa data específica em outubro do ano passado, para colocação do concreto no piso. “Cancelamos uma reserva de aniversário, dispensamos a equipe e comunicamos os clientes em nossas redes. Acabou que a concreteira teve algum problema e não foi nesse dia. Na nova data agendada dias depois, em que também não poderíamos abrir, aconteceu um evento em que centenas de jovens ocupam os bares do Centro”, diz, referindo-se ao Bar em Bar, organizado por estudantes da UFRGS. “Resultado: imenso prejuízo que salvaria muitas contas do bar”. Outro período crítico para o Armazém foi dia 5 de fevereiro deste ano. “Segunda-feira, data de pagamento de salários e início de uma das semanas mais quentes do ano, antecedendo o Carnaval naquele clima todo. Nesse dia, foram colocados tapumes altos que nos encaixotaram no viaduto, dificultando a circulação de ar e a visibilidade do bar. Após a colocação desses tapumes em frente ao bar, somente duas semanas depois é que vieram trabalhar no local”, recorda o dono do estabelecimento.

A reforma do viaduto inclui a reabertura das escadarias internas da estrutura. Para isso, estão sendo construídas estruturas ao redor do topo das escadas, permitindo obstruir o acesso a elas em dados momentos – como a entrada de uma estação de metrô. Uma dessas estruturas, no entanto, está sendo erguida ao redor de uma janela do Justo. Adelino, o dono, conta que entrou em contato com a Smoi para entender a situação, mas não obteve retorno. “Eu imagino que nenhuma construção possa obstruir a porta ou a abertura de outro imóvel. Eles não tinham se dado conta disso até agora. Não tive resposta ainda”, diz. Em nota, a Smoi informou que está executando o projeto conforme aprovado pelo Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (Compac) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Foto: Luiza Castro/Sul21

Adelino questiona a concessão do viaduto após o fim das obras que estão lhe trazendo transtorno. “Foi o contribuinte que pagou essa obra aí, para [a Prefeitura] dar de graça… quando eu aluguei o imóvel para fazer o bar, não estava pronto. Eu tive que montar”, pontua. A preocupação com o destino do espaço não é sem fundamento:  Adelino conta que o bar convive com a falta de iluminação pública recorrente em função do furto de fios de energia elétrica. A concessionária IPSul é responsável pela iluminação da Capital desde 2020. “É a iniciativa privada cuidando de um bem público, e a gente já ficou um mês sem luz porque a IPSul estava cansada de colocar o fio e ser roubado. A Prefeitura não investe em segurança, não tem câmera ali, não tem policiamento de noite, é óbvio que vão roubar”, desabafa o empresário.

A Prefeitura havia estipulado um valor máximo de R$ 13,7 milhões para a obra, mas precisou fazer um aditivo de R$ 1,15 milhão à empresa responsável. Em 2015, no entanto, a gestão de José Fortunati havia orçado a reforma em R$ 33 milhões, ou seja: Melo quer gastar menos da metade do valor inicial da obra. Além da reforma dos elementos construtivos e decorativos, também estão em andamento soluções para as instalações elétricas, telefônicas, lógica, sistemas de segurança e iluminação pública. A rede hidrossanitária e o sistema de drenagem serão readequados, e o Viaduto vai passar por um processo de impermeabilização.

A própria Arccov havia proposto uma restauração do espaço e entregue um projeto, orçado em R$ 21 milhões, ao então Secretário de Obras Maurício Dziedricki, durante a gestão de José Fogaça (2005 a 2010). “Eu acredito que eles não terminam o Viaduto nesse prazo de junho”, diz Adacir. “O projeto foi construído por nós, pela Associação, com o poder público. Se não fosse nós, não teria tido projeto de restauração do Viaduto. Mas agora não nos chamam para conversar de forma nenhuma, é uma falta de diálogo”, alega.

Confira mais fotos da obra:


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