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27 de setembro de 2022
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18:57

Prefeitura justifica concessão da Redenção em razão do vandalismo e confirma estacionamento

Por
Luís Gomes
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Parque da Redenção | Foto: Luiza Castro/Sul21
Parque da Redenção | Foto: Luiza Castro/Sul21

No dia 2 de setembro, o Sul21 revelou em primeira mão que a Prefeitura pretendia incluir a construção de um estacionamento subterrâneo no processo de concessão do Parque da Redenção. Nesta segunda-feira (26), a reportagem conversou com a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, sobre a concessão. Também discutimos a proposta do ponto de vista ambiental e urbanístico.

A Prefeitura planeja para 2023 as concessões de dois pacotes de áreas públicas. O primeiro deles inclui o Parque da Redenção em conjunto com a Orla do Lami, enquanto o segundo envolve o Parque Marinha do Brasil e o Trecho 3 da Orla do Guaíba.

Na conversa com o Sul21, Pellini destaca que a ideia das concessões tem origem no vandalismo de áreas públicas, caracterizado por problemas como o roubo de fios.

“Não se pode ter uma obra de arte, qualquer coisa que tenha dentro dos parques é vandalizada e roubada. Isso decorre de ‘ene’ coisas, que nem valeria a pena aqui discorrer”, diz.

Pellini pontua que a Prefeitura já teria uma série de medidas para enfrentar o problema, como as políticas de prefeito de praças e adoção de espaços públicos, bem como o aumento de verbas para a manutenção, mas que elas seriam insuficientes. “Nós estamos pensando em botar banheiros públicos em vários locais. Estamos fazendo estudos, porque botar o banheiro é fácil, o difícil é manter o banheiro, porque roubam tudo. O banheiro é o mínimo da civilidade e a gente não consegue manter um banheiro público aberto em Porto Alegre, numa área pública, porque roubam tudo, porque dá sujeira, porque vira motel. Então, a gente tem que tomar providências para que isso melhore”.

A secretária diz que a avaliação da Prefeitura é de que áreas como a de grandes parques precisam de medidas “mais robustas”. Ela pondera que a concessão do Trecho 1 da Orla em conjunto com o Parque Harmonia, processo que ocorreu ainda no governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), foi bem sucedida e abre espaço para os novos processos.

“O acampamento Farroupilha foi um sucesso, teve centenas de milhares de pessoas lá e a empresa concessionária atendeu de uma maneira bem adequada, não se teve nenhum incidente, o pessoal saiu satisfeito. Então, mostra que o caminho da concessão é bom”.

A Secretaria Municipal de Parcerias (SMP) pretende lançar a consulta pública sobre a concessão conjunta da Redenção e do Lami no final de outubro deste ano. O processo deve durar ao menos 60 dias, podendo se estender por até 90 dias. Também devem ser realizadas audiências públicas, ainda sem datas definidas, mas que podem ser simultâneas às consultas públicas.

“É muito importante, neste momento, ouvir quem usa o parque. A gente vai botar em consulta pública um edital, onde tem as condições, o que o concessionário tem que fazer, como ele tem que cuidar do parque, o que o município ainda vai fazer, as obrigações das partes. Então, é muito importante que os usuários das áreas leiam e vejam o que eles acham que pode ser melhorado, fazer críticas, sugestões”, diz a secretária.

Após a realização de consulta e de audiências públicas, o edital será encaminhado para análise do Tribunal de Contas do Estado, que, segundo a secretária, terá ao menos três meses para esta etapa. Caso sejam necessárias alterações, o prazo pode ser estendido. Com isso, a SMP trabalha com a ideia de que os editais devem ser lançados no primeiro semestre de 2023. “A gente não tá com pressa, viu? O importante é que tudo corra bem”, diz Pellini.

Apesar de a Prefeitura destacar que existirá um período de consulta pública e de audiências, Betânia Alfonsin, integrante do Conselho Diretivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), avalia que o processo é uma inversão da lógica da participação popular, uma vez que o projeto foi primeiro elaborado a partir de encontros com empresários interessadas e só posteriormente, com a modelagem encaminhada, será levado para discussão com a sociedade.

“Isso ofende o Estatuto da Cidade, porque uma diretriz da política urbana é a gestão democrática por meio da participação da população, de associações representativas de diferentes segmentos em todas as etapas de formulação, acompanhamento e execução desses planos, programas e projetos para as cidades. Então, já começa por aí, está ofendendo a lei federal ao não ter chamado a população para opinar a respeito”. “E a Redenção interessa a diferentes segmentos de Porto Alegre. Tem roda de capoeira, tem feira, tem grupo que faz ginástica, que faz yoga, tem bloco da laje, tem gente que vai fazer piquenique, que vai tomar chimarrão, que passeia com o cachorro, que faz manifestação política. É uma ofensa absurda”, avalia.

Ela também questiona o fato de que, com a pandemia, as audiências públicas têm sido descaracterizadas ao serem feitas em ambiente virtual, em que uma visualização é contada com a mesma representatividade de uma presença física em um evento do tipo.

 

Ana Pellini diz que cercamento da Redenção não faz parte do projeto de concessão | Foto: Luiza Castro/Sul21

Para a reportagem do dia 2 de setembro, o Sul21 teve acesso a um vídeo da apresentação sobre as concessões feita pelo diretor de Estruturação de Desestatização da SMP, Fernando Pimentel, em um evento fechado para empresários em São Paulo. Na ocasião, Pimentel afirmou que o atrativo para a concessão da Redenção e do Lami, áreas que somam 408 mil m², é a possibilidade de construção de um estacionamento subterrâneo com 577 vagas junto ao Auditório Araújo Viana.

“O estacionamento é o elemento que dá a sustentabilidade financeira para o projeto, porque o Parque da Redenção é um parque altamente deficitário em relação à quantidade de serviços que ele precisa fornecer”, disse Pimentel, na ocasião.

Nesta segunda, Pellini confirmou a informação. “Na nossa modelagem econômico-financeira, [o estacionamento] é o que dá receita para o concessionário cuidar do parque de uma maneira adequada. Do parque como ele é hoje, porque a Redenção é tombada e não tem muito o que fazer ali a não ser conservar melhor os espaços. Então, o estacionamento subterrâneo é uma ideia antiga. Foi feito o projeto quando foi feito o projeto do Araújo Viana, pelo mesmo arquiteto, que doou para o município. É o mesmo projeto, embaixo das quadras que existem bem ao lado do Araújo Viana. Ele praticamente ficaria invisível, porque é um mergulhão”, diz, explicando ainda que o acesso seria pela Osvaldo Aranha.

Pellini ressalta que o fato do parque ser tombado não permite alterações de caráter definitivo, apenas a qualificação de espaços existentes, como a área do Mercado do Bom Fim, que atualmente está com lojas desocupadas, e a instalação de atrações transitórias.

Para além da viabilidade, ela diz que a Prefeitura considera que há uma necessidade de estacionamento no local. “Há uma necessidade, porque aos sábados e domingos, quando faz dia bonito ou quando tem show, é bastante tumultuada a busca por estacionamento na rua, tem flanelinha, enfim, é bem complexa a questão do estacionamento, o que leva a crer que teremos uma boa demanda.”

Ana Pellini diz que, com o valor do estacionamento e mais algumas atrações de caráter transitório, será possível garantir a conservação do parque. “Agora, em hipótese nenhuma tem previsão de cercamento e de cobrar ingresso para entrar. Eu tenho visto nas redes sociais que não vai mais poder fazer manifestação política, não sei da onde que as pessoas tiraram essa ideia equivocada”, diz.

Ela destaca também que a concessão da Lami foi colocada junto com a Redenção porque não há perspectiva de geração de receita e que a Prefeitura definiu, então, que seria necessário juntar as duas áreas para garantir que fossem feitos investimentos de promoção dos esportes aquáticos. “A ideia é preparar a Praia do Lami pra que seja um local onde o pessoal que deseja praticar esportes aquáticos possa fazê-lo”, diz.

Da mesma forma foi pensada a unificação da concessão da Orla 3 e do Parque Marinha do Brasil. No Marinha, será incluído no edital a obrigatoriedade de renovação das quadras esportivas e de construção de uma pista voltada para esportes com bicicleta, a ser construída ao lado do atual velódromo. A Prefeitura entende que é preciso separar as áreas de skate e bicicleta para evitar a depreciação da pista de skate, uma vez que esta hoje é certificada para competições internacionais.

No caso da segunda concessão, ela diz que a viabilidade financeira virá da exploração publicitária do Trecho 3 da Orla. “No domingo (25), não dava nem para caminhar lá. Então, qualquer ponto publicitário que tu coloque patrocínio é muito rentável”, diz.

Os bares do Trecho 3 também serão incorporados à concessão, mas não há previsão de alterações permanentes. No Marinha, a previsão é de que haja um espaço em que poderá ser instalado circo ou parque temático com cobrança de ingresso.

A secretária diz que todas as contrapartidas de prestação de serviços que ficarão sob responsabilidade do concessionário serão apresentadas na consulta pública, mas que ainda não estão totalmente alinhadas na Prefeitura. “O óbvio é que eles vão ter que melhorar o cuidado com o que lá nos temos”, diz, o que inclui a preservação das espécies vegetais.

Para o biólogo Paulo Brack, professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a construção de um estacionamento subterrâneo na região vai na contramão das necessidades das cidades e traz o risco de impactos ambientais.

“Trazer estacionamento pra cá é fazer com que a cidade continue ainda dependendo de uma supremacia do automóvel. E a questão da poluição, também, que vai ser gerada através disso. Serão toneladas de terra que vão ter que ser retiradas para a construção disso. A gente não sabe a viabilidade de construir um estacionamento subterrâneo numa área que era várzea, aqui era uma área de banhado”, diz. “Nós estamos numa situação em que temos que diminuir a nossa pegada ecológica, do ponto de vista da poluição e também do ponto de vista energético. Deixemos os carros na garagem, usemos o mínimo possível. Então, não tem sentido nenhum a gente incrementar a utilização de automóvel aqui nessa área central, até porque a área central de Porto Alegre já é altamente poluída.”

Ele ainda avalia que a construção de um estacionamento no local traria riscos de alagamento. “Do ponto de vista de engenharia, é uma área que não tem condições propícias pra evitar, por exemplo, inundações. Quando chove muito no verão, aqui na Osvaldo Aranha forma uma piscina. E essa água toda, no caso de um estacionamento subterrâneo, ficaria sujeita a entrar nesse estacionamento, o que já ocorreu inclusive no Shopping Praia de Belas no verão passado. E olha que lá tem toda uma estrutura de luxo e mesmo assim eles não conseguiram contornar”, diz.

 

Biólogo Paulo Brack. Foto: Luiza Castro/Sul21

Brack defende que, antes de se pensar na construção de um estacionamento, deveria ser realizado um estudo de impacto ambiental e ocorrer uma discussão do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), do qual faz parte.

“Muito provavelmente, tem árvores aqui com raízes de três ou quatro metros de profundidade. É provável, sim, que esse estacionamento tenha impacto na raiz das árvores. Vai haver uma alteração das condições de reserva hídrica para as árvores. Onde é que estão os estudos feitos para saber? São mais de 100 espécies de árvores, algumas delas com raízes profundas. Então, isso tudo tem que ser avaliado, não pode ser simplesmente feito em gabinete ou por setores econômicos que não conhecem a história do Parque Farroupilha”, diz.

O biólogo avalia que a Redenção é de extrema importância para a cidade do ponto de vista ambiental e de filtragem da poluição, tanto do ar, quanto sonora. “Se nós não tivéssemos essa área aqui, nós teríamos muito mais poluição. Ao mesmo tempo, é uma área verde que, do ponto de vista microclimático, traz um conforto térmico para os bairros do entorno. Além disso, tem a questão da manutenção de plantas, algumas até ameaçadas de extinção, e animais, principalmente aves, que têm esse espaço de convivência mútua com o ser humano e a natureza”.

Ele também pontua que a proposta é uma contradição com outros projetos em desenvolvimento pela própria Prefeitura. “O município de Porto Alegre vem realizando o que eles chamam de inventário das emissões de gás de efeito estufa e eles estão elaborando um plano de mudanças climáticas, vão gastar mais de R$ 1 milhão nisso tudo. Gastando dinheiro para planejar o que, se existe do ponto de vista da Prefeitura uma necessidade incrementar ainda mais os automóvel?”, questiona.

Outra contradição seria com a imagem que o prefeito vem querendo passar quando faz viagens a outros países e tenta trazer ideias para a Capital. Uma das cidades mais admiradas pelas últimas gestões de Porto Alegre é Barcelona, que também tem feito um esforço de fechamento de áreas centrais para o trânsito de veículos.

“Barcelona também tem várias áreas que estão fechadas para automóvel ou buscam o incremento de pedestres, de ciclovias. Então, hoje nós temos que deixar os automóveis em casa ou incrementar o transporte coletivo, esse é um aspecto fundamental. Não existe um planejamento de parte da Prefeitura para que isso seja feito, é feito de maneira sempre espasmódica”.

Neste sentido, acredita que é precisa impor limites ao que poderia ser modificado no parque antes da concessão ser realizada. Uma ideia defendida por Brack é a elaboração de um plano diretor específico para a Redenção, o que não existe hoje. “A gente não é contra as atividades dentro do parque, mas tem que ter limites. A partir de um plano diretor, vão ter ali algumas discussões sobre áreas que possam ser utilizadas por permissionários. É o caso aqui do orquidário, que agora já existe esse centro de alimentação, mas se evitaria construções que impliquem em adensamentos e concreto.”

Apesar de Pellini garantir que não serão feitas alterações definitivas no parque após a concessão, Brack diz temer que novos estruturas sejam implementadas. “Qual é a função de um parque? Manter área verde, manter área de lazer, manter a fauna, a gente escuta aqui os passarinhos agora na primavera cantando. Tudo isso vai ter um choque de perturbação decorrente, primeiro das obras, em segundo lugar talvez de uma sobrecarga ainda maior de pessoas para cá. A gente tem que considerar que essas áreas não podem ter como intuito fundamental o lucro”, diz.

 

Paulo Brack expressa preocupação com a preservação ambiental e com a possibilidade de instalação de mais estruturas de concreto | Foto: Luiza Castro/Sul21

Para Betânia Alfonsin, o processo de concessão de parques não pode ser analisado de forma isolada, uma vez que estaria inserido em um contexto global de avanço dos interesses privados sobre áreas públicas, o que não ocorre apenas em Porto Alegre, mas de forma sincronizada, especialmente nas capitais.

Betânia diz que este movimento busca a desregulamentação total da legislação urbanística e substituir por um “urbanismo a la carte”, expressão cunhada pelo pesquisador Marcelo Cafrune, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Neste modelo, as regras urbanísticas são aprovadas sob encomenda de grupos privados, seguindo as necessidades dos empreendimentos.

“Desde o impeachment da Dilma [Rousseff], a gente está vendo uma descaracterização e uma desdemocratização da política urbana. Isso começou no plano nacional, com algumas leis. A gente teve a lei que mudou o marco legal da terra, teve um decreto do [Jair] Bolsonaro que extinguiu 400 conselhos municipais. Então, esse processo começou nacionalmente. Depois, com o efeito de refração política, esse movimento chega nos municípios e começa a haver também uma descaracterização da política urbana e uma desdemocratização nos municípios. Com a pandemia, isso se agravou ainda mais por conta de uma oportunidade”, diz.

Ela lembra a fala do ex-ministro do Meio Ambiente entre 2019 e 2021, Ricardo Salles, que afirmou, durante reunião ministerial realizada em abril de 2020, que o governo Bolsonaro deveria aproveitar a pandemia para “ir passando a boiada na legislação ambiental”. “Bom, a gente tem um equivalente a isso nos municípios brasileiros acontecendo. Aqui em Porto Alegre, isso foi muito grave durante a pandemia, nós tivemos muitas boiadas urbanísticas. Elas envolveram o tema da revisão do Plano Diretor. Uma articulação de entidades que se chama Atua POA apresentou uma representação ao Ministério Público e o MP pediu que fosse suspensa a revisão. Ela foi suspensa, mas não conformado com isso, o prefeito Sebastião Melo começou a enviar projetos de lei alterando o regime urbanístico, visando interesses do mercado imobiliário. Teve um projeto para o Centro Histórico, um projeto para a Ponta do Arado, uma área com muita vulnerabilidade ambiental, e agora o 4º Distrito. Com isso, eu pego o filé da cidade, pontos de muito interesse do mercado imobiliário, e reviso com um novo regime urbanístico que interessa ao mercado e desprezo completamente as demandas das populações de menor renda. Por exemplo, o que que está sendo proposto para as periferias de Porto Alegre depois da pandemia? As três alterações que estão sendo propostas, se tu pegar o mapa da cidade, elas estão numa casquinha de Porto Alegre e na orla”, diz.

Concomitantemente à flexibilização das regras para novos empreendimentos imobiliários, estaria o processo de concessão de áreas públicas para a iniciativa privada. “A paisagem, a utilização do espaço, tudo está sendo discutido em gabinetes sem uma ampla participação da população. Com grande interesse do mercado imobiliário, mas com zero de democratização da gestão desses processos. E agora isso chega nos parques públicos. A primeira coisa que eu anotaria é que isso é um enorme ataque aos bens públicos de uso comum do povo. A Redenção é um parque utilizado por muitas classes sociais, mas muito especialmente pela população de baixa renda. Embora não exista uma cerca no Parcão, por exemplo, o fato é que o Parcão é destinado para outra classe social. Quem é de baixa renda não entra ali”, diz Betânia.

Paulo Brack concorda que o processo de concessão de parques porto-alegrenses está inserido em um “contexto maior”. “A gente sabe que essa Prefeitura está muito associada com o setor empresarial, que quer recurso, quer financiamento de parte do governo. E a gente sabe que o BNDES hoje, infelizmente, está fazendo modelagens totalmente absurdas, sem conteúdos técnicos qualificados, para privatização, seja aqui das áreas verdes de Porto Alegre, seja a nível estadual. Os planos de manejo dos parques estaduais estão sendo atropelados pelo interesse econômico, com a inclusão de equipamentos estrambólicos para atrair pessoas, enquanto que a natureza não precisa de investimento em estruturas de cimento”, diz.

Ele diz que essas transformações acabam, na prática, por descaracterizar estas áreas, o que já teria acontecido no próprio caso da Redenção. “Aqui, por exemplo, no Parque Farroupilha nós tínhamos o orquidário de mais de meio século, um orquidário que era referencial, com centenas de espécies de orquídeas. Teve um problema de um temporal e a Prefeitura do Marchezan mandou derrubar e depois fizeram um centro de alimentação. Descaracterizou-se uma área que era para contemplar a natureza, que era importante até do ponto de vista de educação ambiental. A educação hoje é o seguinte: vamos consumir ao máximo. Isso vai contra toda a lógica que o mundo vem falando da sustentabilidade ecológica.”

 

Refúgio do Lago foi inaugurado recentemente no local do antigo orquidário | Foto: Luiza Castro/Sul21

Para Betânia Alfonsin, o Refúgio do Lago, um centro de alimentação inaugurado na área do antigo orquidário em maio deste ano, seria um “balão de ensaio” para a concessão dos parques. Betânia, que também é professora de Direito, questiona inclusive a legalidade de processos de concessão de parques.

“A rigor, os parques são um exemplo de bem de uso comum do povo, isso está escrito no Código Civil. Esses bens se caracterizam por serem inalienáveis, não podem ser dados em garantia num empréstimo bancário, não podem ser usucapidos, eles têm uma série de restrições, porque eles são afetados para uso coletivo. A ideia de um parque deficitário é uma ideia esdrúxula juridicamente, porque os bens públicos não se destinam a dar lucro, muito especialmente aqueles que são de uso comum do povo. São bens que têm uma destinação para a utilização da coletividade, o poder público administra, mas a titularidade deles é da coletividade”, diz. “A Prefeitura vai conceder a um particular a utilização e a exploração privativa do parque. Claro que eles vão destinar ao uso comum, mas é um particular que vai fazer essa gestão. Ou seja, está terceirizando a gestão do bem, o planejamento sobre a utilização do bem é bastante complicado numa perspectiva jurídica”.

A professora avalia ainda que o uso do termo “deficitário” por Pimentel é revelador da lógica privada sendo utilizada de forma inadequada para a gestão de um espaço público, que deveria ser feita pela Prefeitura em nome da coletividade.

“É muito curioso ou revelador que se usa a expressão parque deficitário porque, na iniciativa privada, no mercado, isso seria razoável. Mas se tratando de um bem público, é completamente absurda essa expressão, porque a destinação deles não é econômica, é uma função social. Então, é bastante questionável juridicamente.”

Após o tema da concessão da Redenção ser noticiado pelo Sul21 e por outros veículos de imprensa, um dos questionamentos que surgiu foi sobre a possibilidade da eventual empresa que vencer a licitação ter o poder de vedar a realização de eventos públicos e manifestações populares.

A secretária Pellini diz que a realização de manifestações e eventos culturais será analisada por um diálogo conjunto entre Prefeitura e concessionário, que, depois de ser avisado, ficará então responsável por organizar a logística dos eventos. “Começa o diálogo na Prefeitura e depois combina com a concessionária. A mesma coisa que ocorre no Harmonia e na Orla 1. Alguém quer fazer manifestação política? Pode fazer, porque o parque é para isso, é para as pessoas usarem, a única coisa que se pede é que de uma maneira ordeira, mas que usem como sempre tem usado”, diz, exemplificando que o procedimento será semelhante ao de blocos de carnaval na orla.

Contudo, para Betânia Alfonsin, a utilização dos parques não poderia requerer nenhum tipo de formalização jurídica. “Eu e tu podemos combinar e ir fazer essa entrevista ali na Redenção sem nenhum problema, não precisamos de autorização do poder público para utilizar o bem. Ele é livre, como é a orla da praia, como é uma rua, como é uma praça”, diz.


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