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20 de novembro de 2011
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11:44

Patrimônio: Centro de compras no lugar de tradicional cervejaria

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Sul 21
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Em 1999, o conjunto arquitetônico da antiga Cervejaria Brahma foi tombado pelo Município | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Lorena Paim (texto) / Flavia Boni Licht (consultoria)

O prédio da Cervejaria Brahma, em Porto Alegre, é um exemplar expressivo da obra do arquiteto alemão Theo Wiederspahn no Rio Grande do Sul. Responsável, entre outros, pelo Museu da Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Memorial do RS e Hotel Majestic, Wiederspahn fez também o projeto arquitetônico da cervejaria localizada na Avenida Cristóvão Colombo – onde hoje funciona o Shopping Total. As fotos divulgadas na chamada de domingo passado (13) foram identificadas pelos leitores Laís Legg e Eugênio. Em 1999, aquele conjunto arquitetônico foi tombado pelo Município, compreendendo os prédios que abrigavam administração, departamento industrial, fabricação da cerveja, casa de máquinas, depósito de matérias-primas e adegas, casa de caldeiras e chaminé.

O anúncio do empreendimento, grandioso para a época | Foto: Reprodução / Cervejariabopp.blogspot.com

No início dos anos 1900, conforme o arquiteto e professor Günter Weimer, era mais “nobre” para os profissionais fazerem projetos para órgãos públicos ou palacetes para as elites. Assim, causou certa surpresa o fato de Wiederspahn ter realizado uma obra de arquitetura industrial, que normalmente não demandaria maior requinte. Mas não foi o que aconteceu. Ele deixou sua marca criativa também nessa construção.

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O arquiteto alemão, que tinha um irmão vivendo no Rio Grande do Sul, ao chegar ao Brasil começou a trabalhar no conhecido escritório de engenharia de Rudolph Ahrons, na capital gaúcha. No início do século XX, era grande o número de cervejarias em Porto Alegre, cerca de 20, com muitas marcas disputando o mercado. “Wiederspahn parece ter sido a pessoa certa na hora certa, pois substituiu um arquiteto que saíra da firma e, além disso, já havia um projeto pronto para a construção da cervejaria de Carlos Bopp”, conta Weimer.

O prédio hoje tombado, à direita, na então bucólica Rua Cristóvão Colombo | Foto: Reprodução / Prati.com.br

A Cervejaria Bopp foi fundada em 1881, à Rua Voluntários da Pátria, e era conhecida como “Fábrica da Figueira”. Em 1910 ocorreu a construção dos prédios no terreno situado à Avenida Cristóvão Colombo, números 545, 691 e 695, no bairro Floresta, para onde a indústria se transferiu. A inauguração ocorreu no dia 27 de outubro de 1911.

Bopp era o principal fabricante da bebida e seu nome tinha projeção nacional. Entusiasmado com o torreão que Wiederspahn instalara no edifício dos Correios e Telegraphos, na Praça da Alfândega (atual Memorial do Rio Grande do Sul), o industrial pediu que o mesmo elemento fosse colocado em sua fábrica. Mais tarde, por conta da fusão da Cervejaria Bopp & Irmãos com outras duas empresas, formou-se a Continental, a qual se instalou na edificação com suas máquinas, até que, finalmente, em 1946, deu origem à Brahma, companhia com sede no Rio de Janeiro.

Destaque para o conjunto de esculturas

A instrução do processo de tombamento do conjunto realizada pela EPAHC informa: “Projetado por Theodor Wiederspahn, o mais importante arquiteto da imigração alemã radicado em Porto Alegre, construído por Rudolph Ahrons e decorado pela equipe de escultores de João Vicente Friederichs, o conjunto foi complementado por outras edificações contíguas, conformando um cenário edificado peculiar na atual paisagem da Avenida Cristóvão Colombo, entre as ruas Santo Antônio e Ramiro Barcelos. Constitui-se em marco referencial da expressão dos imigrantes alemães no cenário da cidade, caracterizada pelo ecletismo arquitetônico”. E garante: “Foi considerado, no ano de sua inauguração, como o mais vasto prédio de cimento armado então vigente no país”.

Desenho atribuído a Theo mostra fachada da Cervejaria Bopp | Foto: Reprodução

Segundo o professor Weimer, enquanto Wiederspahn é autor do projeto arquitetônico, o projeto industrial da edificação veio todo da Alemanha, incluindo a estrutura de ferro para cobertura. “Foi um trabalho difícil e audacioso para a época. Uma arquitetura muito pesada, de grande durabilidade. Exemplo em termos de material, técnica e acabamento”, comenta. Foram feitas ampliações posteriores, com novos prédios agrupando-se ao principal, até o ano de 1930. Fazia parte da tradição alemã adornar as fachadas dos edifícios e, nesse caso, os ornamentos não foram poupados. Todos com o intuito de enaltecer as virtudes e a qualidade da bebida ali fabricada. “Uma das peculiaridades apresentadas no prédio da Bopp se concentra sobre o conjunto da estatuária fachadista”, destaca o texto da EPAHC.

Marca de cerveja Elefante levou à criação de escultura com o mesmo tema | Foto: Reprodução

Realmente, o visitante apressado que hoje entra no Shopping Total muitas vezes esquece de observar a fachada, na Avenida Cristóvão Colombo, onde curiosas esculturas dão a dimensão de como esta arte era tratada. José Francisco Alves, que escreveu “A Escultura Pública de Porto Alegre – história, contexto e significado”, explica: “Um dos destaques do prédio da antiga Cervejaria Bopp é que ele representa uma febre cultural que aqui se desenvolveu, sem precedentes na América Latina e quiçá em outros lugares: o boom da estatuária fachadista de Porto Alegre, ocorrido principalmente entre o projeto do Paço dos Açorianos (1899) até o Viaduto Otávio Rocha (1928). E o que começou em prédios públicos virou moda e foi seguido por arquitetos e construtores de edificações do comércio e serviços, da indústria (Bopp) e em residências. Os edifícios começaram a ter estatuária original nas suas fachadas (feitas sob encomenda, únicas), específica para cada prédio, o que desenvolveu um incrementado sistema cultural, de caráter escultórico, que movimentou não só o fachadismo e suas firmas e escultores atuantes, mas que também reverberou nos monumentos públicos e na arte cemiterial. No caso da antiga Cervejaria Bopp, as esculturas, de autoria de artistas como Alfred Adloff e Alfred Schob e Wenzel Folberger, representam marcas da firma, desde cervejas (Negrita, Elefante, Comercial, Pilsen, Hércules, etc.) até gasosas (como o refrigerante Continental).”

O professor Weimer conta que as formas das esculturas eram concebidas pelo próprio Wiederspahn, em seu escritório. O arquiteto fazia grandes desenhos a carvão, com todos os detalhes, e depois mandava para execução. “Os escultores usavam argamassa armada, técnica nova para a época, o que resultava em material pesado, mas bastante resistente, pois o aramado da estrutura dava o suporte necessário às esculturas”, afirma. Ele fala em ecletismo quando se refere à linguagem do prédio da Brahma, no qual vários elementos de estilos se misturam, segundo a visão peculiar do autor. “Uma coluna que seria clássica aqui contém saliências imitando garrafas, enquanto frisos na fachada mostram a influência renascentista”, exemplifica.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A escultura de um elefante se sobressai, no topo. Referência, apenas, a uma marca de cerveja da empresa e também exigência do proprietário Bopp, que costumava dizer que “quem bebe cerveja fica forte como um elefante”. O gato preto é símbolo antigo presente em diversas culturas. Os anões lembram os trabalhadores que vêm de noite e deixam tudo arrumado. O globo está cercado de crianças, aludindo à primavera. Há controvérsia sobre a escultura de Mercúrio, o mensageiro de chapéu alado que é símbolo do comércio e das comunicações, na mitologia romana. Para o professor Weimer, trata-se, na realidade, de Donar, deus germânico do tempo, tese que ele reforça pela existência de um galo e um bode ao seu lado. Também está no conjunto Gambrinus, o representante mitológico da cerveja. Homens com canecos da bebida encontram-se também na fachada. A sensação é de alegria e louvação.

Em seu livro, José Francisco Alves afirma: “As primeiras instalações da Cervejaria Bopp, concluídas em 1911, foram posteriormente ampliadas e concluídas em 1914, com um novo e imponente prédio no lado direito do conjunto original, numa fachada mais recuada em relação a Av. Cristóvão Colombo, o que propiciou a formação de um pátio interno da fábrica. Nesse novo prédio, foi construída uma grande torre onde foram instaladas mais esculturas ornamentais. Em cada extremidade frontal da torre foram colocadas pares de estátuas saudando os transeuntes lá embaixo na avenida, cujas figuras seguram canecas de chope, em alusão à cerveja Negrita.
Mais abaixo na torre, sobre uma mísula, encontra-se uma imensa estátua de Gambrinus, o alemão considerado como o inventor da cerveja na Idade Média.”

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Fachada preservada, interior desmanchado

De 1946 em diante, a Brahma continuou produzindo cerveja, introduzindo modernizações, e ali permaneceu até 1998, quando a fábrica foi transferida para Viamão, na Grande Porto Alegre. O imóvel foi vendido ao grupo Correio do Povo e administrado pela empresa Unicenter. A partir de 2003, o complexo foi ocupado pelo Shopping Total. Em maio de 2004 foram inauguradas as intervenções realizadas na edificação, sob a responsabilidade do arquiteto Analino Zorzi. Ali se instalou o Shopping Total, reunindo um pool de lojas e serviços que modificou o entorno no Bairro Floresta. O terreno tem 54,6 mil metros quadrados, a área renovada 21 mil metros quadrados, abrigando mais de 500 lojas que geram fluxo de 850 mil pessoas por mês, segundo dados da administração do empreendimento.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Somente as fachadas foram mantidas, e reciclados alguns pavilhões remanescentes, para a instalação do centro de compras. O professor Weimer lamenta que, no interior do antigo complexo cervejeiro, muitos prédios que o compunham foram demolidos. Em uma reprodução de época, feita pelo próprio escritório de Wiederspahn, dá para ver que a construção se estendia por uma longa profundidade do terreno.

Endereço:
Cervejaria Brahma- atual Shopping Total – Avenida Cristóvão Colombo, 545, Bairro Floresta, Porto Alegre.
Telefone (51) 3018-700. Site: www.shoppingtotal.com.br

De onde são?

Descubra de onde são as fotos seguintes. Escreva para o Sul21 dizendo qual é o seu palpite.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

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