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8 de maio de 2024
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16:27

Pioneira em criar Escritório de Resiliência Climática, Canoas falhou ao se preparar para enchente

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Sul 21
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Resgate durante a enchente em Canoas. Foto: Bruna Ouriques/Prefeitura de Canoas
Resgate durante a enchente em Canoas. Foto: Bruna Ouriques/Prefeitura de Canoas

Por Valentina Bressan

No final de semana, cenas de milhares de canoenses deixando seus lares tomaram as redes sociais. Levando pelas mãos quem e o que conseguiam salvar da inundação que impactou mais da metade da cidade, os moradores escaparam da tragédia a pé, de barco e até resgatados por helicópteros. Até o momento, calcula-se que 80 mil domicílios foram inundados no município.

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Segundo o prefeito Jairo Jorge, o cenário no município é exemplo das consequências da crise climática. “Está aí as mudanças climáticas, se alguém está em dúvida veja o que aconteceu em Canoas. Há uma semana, quem acreditaria que aconteceria o que está acontecendo hoje?”.

Em coletiva de imprensa na última segunda-feira (6), o prefeito destacou que Canoas foi uma cidade pioneira na criação de um Escritório de Resiliência Climática, com objetivo de articular a defesa civil, desenvolver projetos a longo prazo e monitorar o clima em tempo real. No entanto, Jairo Jorge também afirmou que “nunca passou pela cabeça de todos com quem conversei que pudesse haver um evento maior que [a enchente] de 1941”.

 

Canoas é uma das cidades mais devastadas pelas cheias na Região Metropolitana. Foto: Bruna Ouriques/Prefeitura de Canoas

Em Canoas, o sistema de drenagem consiste em oito casas de bombas, que visam evitar alagamentos em períodos chuvosos. A água é captada pelas bocas de lobo. Após a cheia, apenas duas das oito casas de bombas seguem em funcionamento. “Elas não foram pensadas para essa enchente, foram pensadas para a enchente de 1941. Estão funcionando muito acima da capacidade”, disse Jairo Jorge.

Os diques, que se estendem por 30km, também foram projetados com base nos níveis da enchente de 1941. O sistema foi construído na década de 1960, e o prefeito garante que passa por revisões periódicas – o intervalo não foi especificado durante a coletiva de imprensa. “O problema [dos diques] é que foram idealizados para uma cota de 5 metros e a chuva chegou a 5,70m ou 5,50m. A água transpôs o dique. Algo impensável”, afirma Jairo Jorge.

De acordo com a Prefeitura, a cheia não permite afirmar com certeza, mas há possibilidade de ruptura dos diques na Mathias Velho e no bairro Rio Branco. Quando a água retomar um nível normal – o que deve levar de 45 a 60 dias, segundo previsões da administração do município – o plano é recuperar e aumentar os diques, mas por ora nenhum novo nível de referência foi estabelecido. “Talvez teria de ser 6, 7 metros para proteger a cidade”, supõe o prefeito.

 

Cidade vive tragédia sem precedentes. Foto: Bruna Ouriques/Prefeitura de Canoas

Acompanhando a coletiva de imprensa, o secretário-chefe do Escritório de Resiliência Climática, José Fortunati, observou que a população demorou para deixar residências nas áreas de risco.

Em relação ao plano de evacuação, Fortunati disse: “Talvez porque as enchentes passadas não tenham sido tão intensas, as pessoas não acreditassem na própria possibilidade do rompimento ou da sobreposição do dique. Todos sabemos que é um cenário novo. Mas o fato de não acreditarem e permanecerem em casa que foi fatal.”

Ainda segundo Fortunati, a Prefeitura criou “toda a possibilidade” para que os moradores saíssem de casa. O plano de evacuação incluiu a contratação de seis carros de som que, junto de agentes a pé, passaram rua a rua das áreas em risco. “Não foi por falta de aviso”, disse Jairo Jorge.

No entanto, em diferentes bairros da cidade, moradores afirmam que não houve alerta de som para a evacuação. No bairro Fátima, pessoas monitoraram a inundação por conta própria durante a madrugada e enviaram alertas no grupo de Whatsapp da vizinhança. Durante a madrugada, decidiram deixar suas casas ao notar a água subindo, e o carro de som da Prefeitura ainda não havia passado pela rua. Em algumas partes do bairro, moradores de ruas onde o carro de som não passou tiveram de ser resgatados por helicóptero.

Moradora do bairro Mato Grande, a assistente de conteúdo Pâmela Maidana conta que foi informada da evacuação do bairro por conhecidos. “Moro em uma parte do bairro mais próxima do centro, o Central Park, que demorou mais para alagar. Conseguimos sair de casa ali pelas 18h, e só quando eu já estava em segurança e consegui me atualizar nas informações, vi a Prefeitura pedindo para evacuar o Central Park em específico. Já eram 22h. Em nenhum momento escutamos um pedido claro de evacuação vindo dos órgãos públicos da cidade. O tal carro que disseram que passou avisando não passou na minha rua.”

A Prefeitura afirma que um plano de evacuação só é determinado quando há evidências de risco de inundação. No bairro Rio Branco, por exemplo, a água no dique foi contida com sacos de areia. A contenção durou cerca de 5h, segundo a Prefeitura, e rompeu no meio da madrugada. Assim, a evacuação dos moradores só teve início no final da madrugada e início da manhã. “Sempre é uma escolha difícil, criticada por algumas pessoas. Quando a gente determinou a evacuação, especialmente no Mato Grande, fomos muito criticados, porque não precisava”.

Por enquanto, Fortunati afirma que o plano é criar um sistema de alertas em parceria com o CanoasTec, nos moldes dos alertas do setor da saúde.

 

Operação de resgate com o helicóptero do Corpo de Bombeiros na Região Metropolitana. Foto: Lauro Alves/Secom

Por enquanto, não há definição da Prefeitura para fornecer auxílio emergencial aos desabrigados. “Acho que é uma medida que tem que ser feita, tem que pensar”, diz o prefeito. “Não tem parâmetro. Não recordo de uma grande cidade que tenha metade dela alagada”.

Fortunati e Jairo Jorge afirmam que buscam recursos do governo federal para projetos de resiliência climática. O ex-prefeito de Porto Alegre assumiu o escritório EClima no início de abril. Jairo Jorge afirmou que espera o envio de verbas estaduais e federais para pensar na disponibilização de auxílio para a população.

Em janeiro, segundo Fortunati, o FGTS já havia sido liberado em razão das fortes chuvas que atingiram a cidade. Canoas está em situação de calamidade pública nível 3, o que já permite o saque do FGTS pelos atingidos. Agora, a Prefeitura afirma não ter dinheiro sobrando para manter os abrigos para desalojados por mais 60 dias – a previsão máxima de duração da enchente. “A reconstrução da cidade será uma tarefa muito dura e não será uma tarefa rápida”, disse Jairo Jorge.


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