Geral
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23 de setembro de 2011
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05:05

Ousadia, coragem e resistências corporativas

Por
Sul 21
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A taxa mensal de desemprego no Brasil no mês de agosto passado foi de 6%, a menor já registrada nesse mês desde 2002, quando a nova metodologia de medição foi iniciada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Índice idêntico ao registrado em julho/2011 e quase um ponto percentual menor do que o registrado em agosto de 2010. O crescimento do rendimento domiciliar per capita, medido pelo mesmo instituto, foi de 5,2% frente a agosto de 2010.

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Os dados acima, divulgados na quinta-feira (22), constituem uma boa dose da explicação para as mobilizações salariais em curso em todo o país, com passeatas, greves e manifestações. Vivendo uma situação definida como “pleno emprego” (conceito aceito sempre que o desemprego fica estabilizado em torno do índice de 5%) e um crescimento contínuo dos salários recebidos, os trabalhadores assalariados começam a se sentir suficientemente seguros para ousar pedir mais.

Desmobilizados durante os anos de estagnação econômica, os sindicatos de trabalhadores tentam conquistar vantagens salariais para suas categorias no momento em que a economia cresce e a procura por trabalhadores aumenta.

A crise econômica internacional, ainda que tenha reflexos pouco significativos no Brasil neste momento, já obriga, no entanto, uma desaceleração do ritmo de crescimento e, ao mesmo tempo, o corte de despesas no setor público, com diminuição de investimentos e com a não concessão de reajustes salariais acima da inflação dos últimos 12 meses, interrompendo um ciclo de reposição salarial iniciado no governo Lula.

Os primeiros a sair às ruas são os servidores públicos. Eles desfrutam de maior estabilidade no emprego, mas amargam maior dificuldade de incorporar aos seus salários os eventuais ganhos de sua produtividade, como ocorre com os setores de ponta da economia privada.

Estão em greve por melhores salários os trabalhadores dos Correios e realizaram paralisação de um dia os trabalhadores da Carris de Porto Alegre, uma empresa estatal e outra municipal. Mobilizam-se os policiais militares (brigadianos) e os policiais civis do Rio Grande do Sul, além dos médicos dos planos de saúde. As duas primeiras, categorias de servidores públicos da área de segurança e a última de trabalhadores do setor privado da saúde, outrora integrantes do universo dos profissionais liberais.

São justas, a princípio, as reivindicações dos trabalhadores de melhores salários e condições de trabalho. Não é possível, entretanto, cair na armadilha de desconsiderar as diferenças de condições existentes no serviço público e no setor privado da economia e também no interior de cada categoria profissional.

Se os limites para a concessão de reajustes salariais no setor privado são os lucros dos proprietários e a sobrevivência e expansão das empresas, no setor público os limites são os recursos do tesouro e os interesses coletivos, isto é, da maioria da população. Há que se observar, além disso, que o comportamento corporativo de diferentes segmentos de trabalhadores é o meio que lhes garante proteção, mas que pode servir também como instrumento para perpetuar desigualdades existentes entre eles.

A situação vivida hoje no Rio Grande do Sul é exemplar. Policiais militares e civis reivindicam reajustes salariais. As diferenças de remuneração entre uma categoria e outra e principalmente entre os níveis hierárquicos internos de cada corporação são gritantes. Os soldados da Brigada Militar, com um soldo básico de R$ 965,00, estão entre os pior remunerados do Brasil. Os oficiais da mesma Brigada, ainda que não sejam os melhor pagos do país, recebem salários melhores  e se aposentam cedo, em virtude de legislação que favorece o acesso ao topo da carreira. Na Polícia Civil, os salários são baixos, mas são significativamente superiores aos dos oficiais de menor patente da polícia militar.

Reconhecendo estas diferenças, o governo estadual propôs a concessão de um reajuste salarial diferenciado para as duas categorias profissionais, beneficiando mais os soldados da Brigada Militar. Ofereceu 23,5% aos soldados militares, 18,5% aos sargentos e 10,5% aos primeiros-tenentes e também aos policiais civis de todos os níveis e categorias. Os policiais militares reagiram, exigindo um aumento linear, com igual índice para todos os segmentos, sejam soldados ou superiores de qualquer patente.

Na mesma linha, os policiais civis voltaram atrás na decisão anteriormente tomada e anunciada de aceitar o reajuste de 10,5% e passaram também a exigir o reajuste oferecido aos soldados da Brigada Militar. Aproveitando o momento, os delegados da Polícia Civil saíram em campo reivindicando equiparação salarial com os procuradores públicos estaduais. Alegam que tem a mesma formação acadêmica que aqueles e, por este motivo, têm direito a mesma remuneração.

Está armado o imbróglio. Não há caixa no tesouro estadual para conceder o reajuste linear de 23%, pois se ele for pago aos servidores da segurança pública imediatamente todos os demais servidores estaduais, das diferentes categorias profissionais, se sentirão legitimamente autorizados a exigir igual tratamento. Além disso, se o reajuste linear for concedido se estará perpetuando as enormes diferenças salariais hoje existentes entre as diversas categorias de servidores públicos estaduais do Rio Grande do Sul e no interior de cada uma dessas categorias.

A tática dos servidores estaduais mais bem pagos do setor da segurança, Brigada Militar e Polícia Civil, tem sido a de (re)forçar a idéia de unidade corporativa do conjunto de suas categoriais para conquistar maiores benefícios do que os oferecidos para os segmentos em melhor posição, mesmo que em detrimento da melhoria da remuneração e das condições de vida da maioria pior remunerada.

Caberá aos governos petistas, no nível estadual e federal, nascidos do movimento sindical, a difícil tarefa de entender e desvendar as contradições corporativas do universo dos trabalhadores do setor público e encontrar uma fórmula para satisfazer as reivindicações, sem comprometer os cofres públicos, diminuindo as desigualdades entre os próprios trabalhadores e, principalmente, sem perder o foco do governo que é atender às necessidades da maioria da população.

Dificilmente isto será possível sem que seja realizada uma ampla reforma administrativa, que atinja os três poderes da República, cujos servidores possuem imensas diferenças salariais, e uma profunda reestruturação da matriz tributária e fiscal nacional e estadual. Promover essas reformas, no entanto, exigirá muita ousadia e coragem, além de uma imensa disposição de enfrentar resistências corporativas.


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