De Poa
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18 de abril de 2024
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16:55

Marcelo Sgarbossa: ‘Frente ampla não pode excluir ninguém. Temos divergências, é óbvio’

Por
Luís Gomes
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Marcelo Sgarbossa é o convidado desta semana do podcast De Poa | Foto: Reprodução
Marcelo Sgarbossa é o convidado desta semana do podcast De Poa | Foto: Reprodução

O episódio desta semana do podcast De Poa recebe o ex-vereador Marcelo Sgarbossa, pré-candidato a prefeito de Porto Alegre pela Rede. Em conversa com Luís Eduardo Gomes, ele fala sobre o trabalho que tem feito pela construção de uma frente ampla de partidos de esquerda, não apenas para a disputa municipal, bem como sobre a sua trajetória na luta por tornar Porto Alegre uma cidade mais amigável à bicicleta.

Conhecido em seus primeiros mandatos como “vereador da bicicleta”, Sgarbossa inicia a conversa lembrando o período, no final da primeira década do século, em que movimentos de cicloativistas ganharam força em Porto Alegre e começaram a pautar o debate de mobilidade, especialmente para a implantação das ciclovias. Os movimentos, contudo, perderam força ao longo dos últimos anos.

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“Teve um momento em que a EPTC ali estava com alguns estagiários cicloativistas, e aí a gente percebeu que algumas ciclovias realmente foram feitas como deveriam ser, até corrigidas algumas. Eu me lembro ali na Vasco, tinha uma loucurinha, aí os cara endireitaram. Começaram a pensar na lógica de quem pedala e daí começou a acertar alguma coisa. Mas, de regra, as ciclovias de Porto Alegre foram feitas de modo a não atrapalhar quem usa o automóvel”, diz.

Pré-candidato a prefeito, Sgarbossa tem liderado uma articulação que busca promover a ideia da necessidade de uma frente ampla de partidos de esquerda em Porto Alegre, que vá além das federações PT-PCdoB-PV e PSOL-Rede. ” Temos divergências, é óbvio! Vários me cobram, ‘mas tá no governo Leite’. Bom, se tu quer só os puros, é só nós ou daqui a pouco nem nós, só fica você. E se tu é muito crítico, nem você fica”, afirma.

O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

A seguir, confira trechos da entrevista com Marcelo Sgarbossa.

Sul21 — Existia uma época na cidade que se tinha uma promessa de um futuro mais voltado para a bicicleta. Isso não se concretizou. O que deu errado?

Marcelo Sgarbossa: Quando foi feita a Terceira Perimetral, esqueceram de fazer ciclovia. O Banco Mundial, financiador da obra, disse: ‘Só um pouquinho, como é que não fizeram ciclovia? Para nós continuarmos liberando recurso, Porto Alegre vai ter que fazer um Plano Diretor Cicloviário. E aí nasceu, por obrigação do financiador, um plano. Foi um plano muito bem feito, eles contrataram uma assessoria, se eu não me engano, do Rio de Janeiro, Logit, eu me lembro que eu estava na apresentação do Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre. Pedalaram na cidade e criaram essa malha toda, com uma rede estrutural 1, 2 e 3. A rede estrutural 1, que deveria ser a primeira a ser feita, tem 127 km. Ou seja, deveria ter sido feito primeiro a rede estrutural 1 pra depois fazer as conexões.

Sul21 — A gente sabe que não temos 120 km de ciclovias em Porto Alegre.

Marcelo Sgarbossa: Por quê? Ciclovias em Porto Alegre, de regra, tirando algumas exceções… Teve um momento em que a EPTC ali estava com alguns estagiários cicloativistas, e aí a gente percebeu que algumas ciclovias realmente foram feitas como deveriam ser, até corrigidas, algumas. Eu me lembro ali na Vasco, tinha uma loucurinha, aí os cara endireitaram. Começaram a pensar na lógica de quem pedala e daí começou a acertar alguma coisa. Mas, de regra, as ciclovias de Porto Alegre foram feitas de modo a não atrapalhar quem usa o automóvel.

Antigamente, o que que você tinha? A ciclovia lá de Ipanema, que é uma ciclovia de lazer, e tinha, eu tava até no dia da inauguração pedalando, a Ciclovia dos Parques, que era o Tarso prefeito. Ou seja, uma ciclovia que ligava o Parcão, passando pela Redenção, indo até a Orla. Ou seja, ciclovias de lazer. Essa concepção muda a partir de mais ou menos esse período, 2010, vem a redução do IPI dos automóveis do governo Lula, as cidades começam a ter mais automóveis, tem um boom. Porto Alegre tinha, em 2000, em torno de 300.000 automóveis, sobe para 800.000 em menos de 10 anos.

Às vezes, se fala que falta planejamento. Meu amigo, as cidades não foram feitas para cada um ter um carro. Não é uma falta de planejamento, a cidade foi feita para ter poucos carros.

Vem o Plano Diretor Cicloviário. E aí as decisões que tu nunca sabia se era uma decisão do prefeito ou se era uma decisão na época do Vanderlei Capellari (ex-diretor presidente da EPTC), que a gente brigou muito, mas digo que tenho saudades do Capellari. Eu vou dizer essa frase que vão me crucificar. Porque, pelo menos, era um sujeito que vinha pro debate, um cara leal, discordava. Tenho essa saudade, mas uma discussão respeitosa dentro dos marcos da democracia. Não como hoje, que virou uma lacração e ninguém mais quer conversar.

Então começou a se fazer a ciclovias onde menos… Vou dar um exemplo, a Rua Ada Mascarenhas, na zona norte, 800 metros de ciclovia. Não ligava — agora fizeram uma ligação — nada a lugar nenhum e fizeram um pedacinho. Foram se fazendo pedacinhos onde menos atrapalha. Bom, isso não tem como fazer…

Sul21 — Essas ciclovias de 800 m, a gente sabe que são contrapartidas de empreendedores. Um condomínio que saiu, uma renovação de uma universidade, como por exemplo ali na Nilo. Aí fazia ali na frente. Passou os 800 metros que estavam no contrato, o problema não era mais deles. O poder público acabou não tomando a frente desse processo.

Marcelo Sgarbossa: Não tomou a frente. E mais, a lei do Plano Diretor Cicloviário ainda prevê um mecanismo que, quando você faz um empreendimento com estacionamento, a contrapartida é metros de ciclovia. Lá está escrito, a cada 100 vagas de estacionamento, 200 metros de ciclovia. Veja que curioso, tu cria uma lógica de que, quanto mais estacionamento tu fizer, quanto mais tu incentiva o automóvel, mais ciclovia. É uma lógica até curiosa.

Depois tem na lei que qualquer nova obra ou a aumento de pista tem que ter ciclovia. Foi o caso da trincheira da Anita. Nós entramos com uma ação judicial, infelizmente perdemos no Judiciário, aquelas coisas do Judiciário, porque está dito que novas obras e alargamento de pista têm que ter ciclovia. Perdemos.

Essa lógica está totalmente equivocada. Eu falei com vários prefeitos e pessoas, como eu me tornei o vereador da bicicleta, ia em tal lugar e me diziam: ‘lá em tal lugar nós estamos fazendo ciclovia’. Aí eu perguntava: ‘onde é que o senhor fez, prefeito?’ ‘Ah, no canteiro central’. Ou seja, afastada do comércio, da residência. Ciclovia da Ipiranga, desde o início, feita no lugar errado. Claro que eu prefiro que tenha do que não tenha, porque geralmente te acusam assim: ‘Ah, tu tá reclamando’. Não, eu também acho que é melhor ter do que não ter. Agora, se tu faz ali no meio da pista, tu isola o ciclista. Se eu preciso ir ali na Polícia Federal, na Ipiranga, ou eu vou pela calçada ou lá na Azenha. Ou seja, atravesso onde não poderia atravessar. Se cria um obstáculo. Deixa eu falar bem de uma ciclovia. A ciclovia da José de Alencar. Foi polêmica, os comerciantes se revoltaram, fizeram na ação judicial. Não vi falir ninguém. E, claro, enquanto tu não tiver toda a rede cicloviária e outras políticas de incentivo, as ciclovias não vão estar lotadas.

Sul21 — Marcelo, tu é pré-candidato pela Rede à Prefeitura de Porto Alegre, mas, principalmente, tem feito desde o ano passado um movimento em prol da frente ampla. O que é esse movimento e quem tem feito parte?

Marcelo Sgarbossa: O que eu defendo e, inclusive, me faz estar pré-candidato a prefeito de Porto Alegre pela Rede de Sustentabilidade, essa iniciativa ela parte a partir de 2017, quando o Robaina, um dos líderes do PSOL, vem para a Câmara Municipal. Eu era da bancada do PT, o Robaina do PSOL, e ali nós começamos a jogar juntos, porque, a partir da legislatura que começa em 17, eleita em 16, nós do campo democrático-popular, pode chamar de esquerda, fomos totalmente alijados da Câmara, dos espaços de discussão, inclusive dos cargos que nós tínhamos direito pela proporção. Nós nos unimos, PT e PSOL fizeram um bloco partidário. Eu sempre brinco, nós casamos antes de namorar. Nós não tínhamos namorado, mas nós casamos para poder sobreviver naquele plenário e naquela Câmara.

Essa boa relação minha e dos companheiros do PT com o PSOL na Câmara não refletiu fora do PT. Fora do PT ainda havia uma mágoa muito grande pelas posições da Luciana na questão da Lava Jato, na forma como a Luciana e o Raul Pont de uma certa forma se enfrentaram nos debates na eleição de 2016. Então, tinha ficado essa mágoa. Mas, lá na Câmara, nós estávamos jogando juntos, fazendo ações juntos, reuniões juntos, era um outro momento da história. PT e PSOL estavam juntos. Eu fui líder do PT, fizemos reuniões com o PDT, enfim, estava um outro momento da história.

Chega em 2020, e eu defendo que o PT deveria apoiar Manuela e o Pedro Ruas poderia ser o vice da Manuela. ‘Marcelo, mas e onde ficaria o PT?’ O PT ficaria num conselho político, com Olívio, Tarso e Raul, os três ex-prefeitos vivos, Pedro Ruas e Manuela. Esse seria o conselho político que faria a campanha junto, visibilidade, caminharia junto e exercitaria o governo. Manuela prefeita, dentro de um conselho político. Falei isso inclusive para a Manuela, lá no antigo Studio Clio. Eu disse: ‘Manuela, você será prefeita, mas junto com esse conselho com a maioria do PT’. O que aconteceu, Miguel Rossetto decidiu ser vice e, nos último dias do prazo para a inscrição dos nomes pra vice, o meu grupo político na época disse: ‘Marcelo, já que o PT não tá abrindo mão, comprando essa ideia que nós defendemos, te inscreve no processo’. Consultei Olívio Dutra, e ele disse: ‘É bom, Marcelo, tu é um quadro do partido. E ali eu me inscrevi e disputei com o Rossetto a vaga de vice da Manuela. Uma disputa que acabou não acontecendo, porque a Executiva municipal acabou delegando pro diretório a decisão e tirou a possibilidade dos filiados, que no caso eram 550 delegados, decidirem quem seria o candidato a vice. Aí eu acabei retirando a minha candidatura porque achei que não era democrático 40 pessoas decidirem pelos 550, que já eram delegados, já não era a voto direto.

Por que eu digo isso? Porque já ali eu defendia uma frente de esquerda. Inclusive, a gente criou um movimento importante chamado ‘Esquerda Unida em Poa’. Quem quiser conferir, temos um grupo no Facebook com em torno de 5.000 pessoas que, espontaneamente, fizemos reuniões no Ocidente e tal. Infelizmente, a Fernanda vendo que estava a chapa fechada, lançou a sua candidatura à prefeita. Por mais que a Fernanda tenha apoiado a Manuela no segundo turno, esse apoio de últimos 30 dias é um apoio que não dá tempo, o bom é estar juntos desde o início e muito tempo antes.

Fechou o capítulo de 2020, perdemos a eleição, Manuela d’Ávila não é prefeita, sem conselho político, sem nada. Vamos mudar agora para o ano passado. Quando eu ia voltar a ser vereador, eu anunciei publicamente que, para dar o exemplo dessa união necessária numa frente ampla, eu faria um mandato que não é um mandato coletivo, mas um mandato pluripartidário, e eu fiz. Uma pessoa do PSOL, Atena Roveda, o João Delatorre, da juventude do PDT, o Paulo Nascimento, da Rede de Sustentabilidade, o Antônio Elisandro, ex-presidente do PSB, e, para a minha surpresa, Fortunati, com quem eu vinha conversando, entendendo se ele estava mais Melo, mais para lá ou para cá. E o Fortunati disse: ‘O Melo que foi meu vice-prefeito não é esse Melo de agora, o Melo de agora está aliado com o bolsonarismo, então estou fora’. Se ele tá fora, tem que estar conosco. Acho que o Lula deu a grande lição ao trazer o Alckmin para ser o seu vice. Ou seja, nós estamos num momento da história que o campo democrático, popular, progressista e não golpista tem que estar unido. Eu que fui um adversário político do Fortunati, fui um vereador de oposição, convidei o Fortunati e ele assumiu a chefia do meu gabinete. E nós lançamos a ideia de um movimento em favor de uma frente ampla em Porto Alegre. Nós estamos só fazendo o que o Lula fez, basicamente. Lançamos esse movimento, fizemos, em 2023, mais de 30 atividades. Convidamos os outros partidos. Esse movimento nasceu durante uma oficina do Fórum Social Mundial, foi o pessoal da Rede de Sustentabilidade que propôs uma oficina chamada ‘A necessidade da união do campo democrático contra o avanço do fascismo. E lá estavam cinco partidos. Alguns não vieram, não vou citar aqui os nomes, continuaram sendo convidados e se negaram a sentar. O que tu faz quando um ano tu passa convidando para sentar junto contigo e se nega? O nosso movimento teve 30 atividades, dois grandes seminários, um seminário com um professor do Chile, que veio falar da experiência do Chile, toda a questão do avanço deles com Boric, depois da derrota na reforma constitucional. Depois fomos até o Uruguai numa reunião da Frente Ampla, convidamos e eles vieram numa atividade nossa, num dos nossos seminários. Ou seja, nós exercitamos ao longo de 2023 aquilo que esses partidos todos — PSOL, Rede, PT, PCdoB, PV, PDT e PSB –, no mínimo esses sete partidos que deveriam estar juntos ouvindo a cidade.

Sul21 — São partidos que estão juntos no governo federal.

Marcelo Sgarbossa: Se falar em governo federal, aí abre muito mais. Eu colocaria Avante, bom, União Brasil está no governo federal, e tantos outros. Mas eu diria, e não quero excluir ninguém, pelo menos esses sete têm uma identidade. Temos divergências, é óbvio! Vários me cobram, ‘mas tá no governo Leite’. Bom, se tu quer só os puros, é só nós ou daqui a pouco nem nós, só fica você. E se tu é muito crítico, nem você fica. Desses sete partidos, alguns vieram nas atividades e outros não. No final do ano, acabei saindo da Câmara, não vamos entrar aqui no tema, e o movimento continuou. Aí chegou o momento da escolha do partido. Fui convidado por vários partidos e a Rede me convidou para entrar nos seus quadros e me fez um convite: ‘Marcelo, nós somos o partido que lançou a ideia da frente ampla lá no Fórum Social Mundial. E, para ter uma voz que fale sobre frente ampla e que fale de uma forma central na questão ambiental, nós te convidamos para te lançar pré-candidato a prefeito de Porto Alegre. E eu aceitei, porque eu acho que, sendo pré-candidato, consigo ser uma voz mais forte. O movimento continua com a sua autonomia. Tem reuniões semanais, têm o seu grupo de WhatsApp, como todo movimento, tem uma página no Instagram, Pró-Frente Ampla. O Fortunati é o elemento mais ativo desse movimento, vai em todas as reuniões. A Regina, sua companheira, formalizou no PV, ele formalizou também. Sempre disse que não é candidato, acabou se filiando ao PV… estou dizendo isso pela minha relação com ele, pelo que entendi, como um apoio a Regina. Mas, independente de onde ele estiver filiado, realmente é um sujeito que está caminhando conosco. Eu acho incrível é que, quando ele aceitou ser meu chefe de gabinete, eu fui criticado por muitos companheiros e companheiras da esquerda. ‘Marcelo, olha só…’ Agora, senta com o PSOL, está sentando com a Maria do Rosário, com o PT e a crítica…


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