Opinião
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28 de dezembro de 2023
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14:33

Pensando o crescimento a partir de 2024 (II) (por Flavio Fligenspan)

Poder de compra das famílias aumentou. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Poder de compra das famílias aumentou. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

Virada de ano, época de balanços e projeções. O ano de 2023 foi muito melhor do que se previa para a economia brasileira. O PIB deve fechar com crescimento perto de 3%, quando se esperava menos de 1% no início do ano. A inflação caiu mais rápido do que se pensava, quando cessaram as pressões de oferta, e deve acabar o ano perto de 4,5%, ou seja, dentro do intervalo superior da meta estabelecida. O mercado de trabalho criou mais postos do que se projetava e muitos deles de ocupações formais; a taxa de desocupação – popularmente, taxa de desemprego – sofreu retração acentuada. Ademais, a remuneração média real cresceu, tanto pela própria dinâmica do mercado, como pela queda da inflação, aumentando o poder de compra das famílias.

As contas externas tiveram bom resultado, com recorde de saldo comercial e entrada volumosa de capital estrangeiro produtivo. Aqui vale uma observação: as exportações cresceram bastante, por conta da safra agrícola e das vendas de petróleo do Pré-Sal, enquanto as importações recuaram, em função do nível de atividade. Isto é, ainda que a economia tenha crescido mais do que se pensava, a atividade ainda está baixa, o que faz com que se necessite de menos importações de insumos industriais etc. Em outras palavras, seria melhor ter um resultado comercial pior, se isto fosse reflexo de mais atividade interna que exigisse mais importações. Por sua vez, as contas públicas ficaram dentro do previsto, com déficit, constituindo o campo de batalha política preferencial entre membros do Governo e entre o Governo e o setor privado.

O que esperar de 2024? O mercado e o Banco Central têm projetado crescimento abaixo de 2% para o próximo ano, porém é bom lembrar que os economistas têm errado frequentemente suas projeções para esta variável. Os mais otimistas acreditam em algo superior a 2%, chegando mesmo a 2,5%, o que seria bom, tendo em vista a sequência de resultados positivos desde 2021, quando saímos do isolamento da pandemia. A se confirmar o crescimento de 3% em 2023, teríamos uma expansão acumulada de 11,2% em três anos (2021/2023); não é muito, mas não aconteceu nada nem próximo a isto desde a recessão da metade da década passada (2014/2016). Eu aceitaria bem um contrato que prometesse 2,5% de crescimento anual em sequência nos próximos dez anos, sem percalços e sem interrupções. 

Este ponto do debate, sobre a capacidade de manter uma taxa como 2,5%-3% ao ano sem gerar desequilíbrios de preços (inflação) e/ou de contas externas, leva os economistas a discutir sobre uma outra variável, o PIB potencial. Esta variável não é observável, trata-se de uma estimativa feita de diferentes formas e envolvendo outras variáveis, estruturais. O objetivo é mensurar a quantidade de fatores de produção – capital e trabalho – e suas produtividades, pois a combinação mais adequada destes fatores com o ambiente institucional – legislação, estrutura tributária, cultura empresarial etc – vai determinar a taxa de crescimento potencial.

O que está em jogo e quais as condições atuais da economia brasileira para bancar um crescimento contínuo do PIB? Do ponto de vista do mercado de trabalho, a situação não é das melhores, pois temos uma população que está envelhecendo rapidamente, a pandemia afastou definitivamente muita gente do mercado e o nível de escolaridade é baixo. Precisaríamos de mais trabalhadores chegando ao mercado e com muito mais habilidades que a escola não tem conseguido prover. Assim que temos problemas com quantidade e com qualidade, o que afeta a produtividade da mão de obra e trava o crescimento.

Quando se olha para o capital, a avaliação não é melhor. O nível de investimento está baixo há bastante tempo, muitas vezes não atingindo nem o suficiente para repor a depreciação, o que causa sucateamento tanto na esfera privada, como na infraestrutura. A taxa de investimento – investimento como proporção do PIB – vinha crescendo desde 2003 até 2013, quando chegou a 21%, mas desabou com a recessão de 2014/2016 e hoje está pouco acima de 18%. Se estima que precisaríamos algo próximo de 22% para bancar um crescimento sem tensões. O Governo Lula reconhece o problema e tem tentado algumas medidas para incentivar o investimento, mas ainda é cedo para ver os resultados. Certamente, a redução mais intensa da taxa de juros, decisão a cargo do Banco Central, ajudaria a melhorar esta variável.

O acúmulo de fatores subutilizados até ofereceu condições de um crescimento mediano nos últimos três anos, e talvez ainda possa suportar expansões leves em 2024 e 2025. Todavia, se estamos pensando seriamente em manter este ritmo, ainda que leve, por uma década, por exemplo, é certo que aparecerão problemas com escassez de mão de obra e de estrutura física. O investimento é sempre considerada uma variável instável e difícil de projetar, já que depende de muitas condições não sob controle direto da política econômica, e está sujeita ao grau de confiança que as empresas depositam num projeto sustentado de crescimento. Não é simples e fácil “ligar o botão” da confiança empresarial, neste momento em compasso de espera.

Exatamente pela dificuldade de controlar esta variável, pode até parecer estranho, mas me parece que esta não será a dificuldade maior nos próximos anos. E o ambiente institucional, historicamente ruim, até tem melhorado em várias frentes: no crédito; nas operações financeiras; na regulação da infraestrutura; na legislação de garantias e do direito patrimonial; e, agora, com a reforma tributária.

Num futuro próximo, o problema maior deve ser com a mão de obra, tanto em quantidade como no que se refere às habilidades requeridas pelos avanços tecnológicos. As mudanças demográficas nos legaram uma redução inexorável do ingresso de trabalhadores no mercado e nossa histórica incompetência com o tema da educação expõe lacunas grandes com a qualidade. Os resultados de testes internacionais são indesmentíveis. Por incrível que pareça, os problemas com os investimentos e com o ambiente institucional podem ser solucionados com mais rapidez e com mais facilidade, ainda que não seja fácil, do que os com a educação e a mão de obra, sabidamente um campo com respostas lentas.

Bem, há um lado positivo neste debate, estamos tratando dos problemas para bancar uma taxa de crescimento médio sustentada e maior do que se viu entre 2012 e 2020. A discussão anterior não era esta, era apenas sobre sair do marasmo do crescimento lento ou mesmo negativo. As dores do crescimento, ainda que difíceis de tratar, podem ser mais saudáveis que as da estagnação.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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