Opinião
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13 de dezembro de 2023
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17:34

O “leilão do fim do mundo” e a bacia de Pelotas: é hora de explorar e produzir petróleo e gás no RS? (por Matheus Gomes)

Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras
Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras

Matheus Gomes (*)

No dia em que o relatório da COP28 anunciou o “início do fim da era dos combustíveis fósseis”, a ANP realizou um super leilão de blocos para exploração de petróleo e gás de norte a sul do país, em terra e mar. 

Dentre eles estavam vários blocos da Bacia de Pelotas, que percorre o litoral do sul de SC até o extremo sul do RS. Quatro petrolíferas arremataram blocos: Chevron, Petrobrás, Shell e a CNOOC. 

Apesar de a Petrobras já ter explorado a área no início dos anos 2000, até hoje não há produção ou extração comercial na região, o que deve mudar após o leilão de hoje. 

Trata-se de uma iniciativa no sentido inverso à diminuição do uso de combustíveis fósseis, que agora consta nas linhas do “Balanço Global do Acordo de Paris”, divulgado ao final da COP28.

É um erro por vários motivos e abaixo faço algumas observações:

1) A ANP, ainda dirigida pelos indicados no governo Bolsonaro, não entendeu que estamos numa nova era: os leilões de petróleo não podem mais ser simples processos burocráticos. O Brasil deve ter um programa de transição ousado para eliminar o uso de combustíveis fósseis nas próximas décadas. Nessa perspectiva, os leilões e o arremate de blocos por multinacionais do petróleo enfraquecem o planejamento, na verdade, a crise climática exige voltarmos a debater o retorno ao monopólio estatal.

2) O petróleo não é mais um ativo estratégico apenas por conta da segurança energética, mas também por conta dos compromissos do enfrentamento da emergência climática. É preciso que a operação seja do Estado, pois a decisão de extrair ou não extrair, de extrair mais ou menos, deve atender às nossas necessidades de energia, mas também de metas de emissão de carbono, não para gerar lucro para uma petrolífera nos EUA ou para algum milionário brasileiro. Ou seja, esse é um assunto determinante para que a Petrobras possa realmente ampliar o seu escopo e ser o ponto de apoio da transição dos fósseis para a energia mais limpa possível.

3) A própria legislação para onde vão estes recursos do petróleo e gás está atrasada. Uma parcela dos royalties, participações governamentais e dividendos desta atividade deveriam ser urgentemente direcionadas para programas de transição energética, o fortalecimento da defesa civil dos estados e municípios, políticas de mitigação e adaptação das comunidades afetadas por eventos climáticos extremos e por aí vai.

4) O contexto da crise climática e a necessidade da  transição energética também exige muita cautela com a abertura de novas fronteiras petrolíferas. Levou-se em conta a crise climática no RS e os efeitos que a exploração de petróleo e gás podem causar a médio e longo prazo? Existiu alguma debate com as comunidades locais? Foram consultados especialistas que acompanham sistematicamente a questão ambiental no RS? Enfim, a população em geral e a comunidade científica gaúcha, em particular, não foram consultadas sobre esse leilão.

Penso que essa coincidência de um mega-leilão de petróleo e gás, no apagar das luzes da COP28, é mais uma mancha na intenção do Brasil liderar a agenda climática a nível global.  O levantamento do Instituto Arayara indica que mais de 90% dos blocos leiloados violam as diretrizes ambientais da ANP. O Ministério de Minas e Energia poderia ter intervido sobre o leilão, mas não o fez. 

Nas últimas duas semanas, o governo Lula acumulou inúmeros erros quando o assunto é a estratégia para a transição energética e o uso dos combustíveis fósseis, da entrada na OPEP+ ao leilão de hoje. É necessário rever urgentemente essa política. Não me parece que é o momento de colocar o RS na rota mundial da exploração e produção de petróleo e gás.

(*) Deputado estadual (PSOL-RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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