Opinião
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23 de novembro de 2023
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14:47

Néscios (por Althen Teixeira Filho)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Althen Teixeira Filho (*)

Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana.
Mas em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta.
Albert Einstein

Universidades não são paraísos!

Professores, servidores e alunos não são anjos, querubins ou sequer serafins!

Pelo contrário, como em qualquer instituição, mas marcadamente no campo acadêmico, visões diferenciadas são bem vindas e embates acirrados sobre inúmeros temas são comuns. É onde mais ocorrem necessárias divergências e opiniões conflitivas, por ser um centro de estudos e pesquisas, fatores geradores de dúvidas, da necessidade de diálogo criativo e debates visando o avanço das ciências em benefício da humanidade.

Entretanto, nos últimos tempos, notícias repercutem opiniões de políticos, os quais, sem meias palavras, agrupam as universidades federais em “vala única”, “antro de corruptores”, lugar de néscios ou como reles e desprezíveis valhacoutos.

Entre tais depreciações, surge a do deputado Bibo Nunes (PL-RS), em longa e desagradabilíssima vociferação, desprezando os “inúteis alunos da Universidade de Santa Maria e de Pelotas… Não trabalham, não vão à luta e não estudam para vencer na vida… Nunca fizeram e nunca farão, porque sempre dependeram do papai, da mamãe. Vai lá comprar maconha, cocaína do traficante que trafica armas para dar para o bandido… É o filme Tropa de Elite. Sabe o que aconteceu? Pegaram aqueles coitadinhos…, que coitadinhos…, aqueles riquinhos ajudando pobres. Queimaram ‘vivo’ dentro de pneus! Queimaram ‘vivo’ dentro de pneus! E é isso, estudantes alienados filhos de papais que têm grana, merecem!

Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), afirmou em palanque pró-armas, que “professor não mostra diferença com traficante de drogas, pois tentam sequestrar nossos filhos para o mundo do crime; talvez o professor doutrinador seja até pior”.

Bem mais econômico em adjetivações, possivelmente por preferir exposições cênicas do que exibir presumível bagagem intelectual, o deputado de gestos de supremacista branca Abilio Brunini (PL/MT), afirmou na Câmara que “Faculdades Públicas têm só vagabundos e drogados”.

Já o deputado Gustavo Gayer (PL/GO), recentemente afirmou que “em várias cidades do Brasil ocorriam manifestações favoráveis ao Hamas, inclusive com hinos” e que “elas são organizadas e saem de dentro das universidades”. Na continuidade criticou as provas do ENEM, elaboradas por professores selecionados no tempo do seu capitão, em 2022. Expeliu a lógica de que “quem saísse bem não seria mais um indivíduo, mas um Avatar ideológico; quem saísse bem nessa abominação (a prova), jamais vai alcançar seus reais potenciais, nunca vai conseguir pensar por conta própria”.

Em mais críticas ao ENEM, o deputado Marco Feliciano (PL/SP) foi na linha de que “Todos nós sabemos que a universidade brasileira, a maioria delas, principalmente as universidades federais, viraram um antro de doutrinação, sim!

Entre os fatos que os unem, além de falas beligerantes, de calúnia e difamação, está a filiação partidária. Como esse partido é “capitaneado” e dirigido por pessoas que já bem demonstraram suas aptidões éticas, morais, administrativas e até por desejar “matar uns trinta mil” brasileiros, poupamo-nos de considerações sobre tais personalidades.

A ojeriza desse partido e seus deputados de ultradireita ao Brasil e à educação é notória, traduzida na agressividade de fala, e também pela forma como tratam o ensino para os jovens. Em 2022, o gasto com educação recuou pelo quinto ano consecutivo, sendo esse o menor volume de investimento financeiro em educação no Brasil. Marcou-lhes na gestão “ministros da educação” incultos, pistoleiros, iletrados e corruptos vendilhões de templos.

De outro lado, nós, das universidades, almejamos que a maioria dos congressistas saiba bem representar quem lhes outorgou o sufrágio mas, principalmente, trabalhe pelo bem dos brasileiros. Inobstante, como em todos os locais, também no Congresso Nacional escancara-se a falta de lucidez, inadequações, despreparo intelectual, ausência de juízo e bom senso de alguns. Outros, como se observa no noticiário, também não têm a mínima noção sobre fatos relevantes da história, desconhecem geografia, sequer rastejam em política externa por achar que é a mesma coisa que fritar hamburger, afirmam que nazismo é movimento de esquerda, ou interpretam leis dentro do estreitíssimo e risível espectro de presumíveis “quociente de inteligência”. Eles mesmos propiciam ambientes que desmascaram seus grotescos ideários sobre o que seja cidadania, liberdade de expressão, respeito ao voto ou salvaguarda da saúde e direitos humanos da população.

Claro, nota-se os que já pensam na reeleição, arremessando aleivosias, falas teatrais e caluniosas, só para atiçar e cooptar seguidores e simpatizantes.

Entretanto, resta incompreensível para a população, constatar que nada aconteça a um deputado federal que grava um vídeo, desejando que jovens morram queimados em pneus? Como desconsiderar que surjam tantas incitações ao ódio e desprezo por parte de uns, como também mente tão rancorosa de outros? Que tipo de pessoa pode desejar a outrem que morra em sofrimento extremo e dores inenarráveis? Como alguém pode ter a mente travada no medievalismo de chamas inquisitórias?

Para que servem o “decoro parlamentar” e a tal “Comissão de Ética”? Por acaso foram incineradas em chamas de interesses e labaredas corporativismo?

É difícil e triste constatar durante essa redação, o quanto algumas pessoas, e de projeção, não conseguem acompanhar o processo civilizatório, intelectual e humanitário que todos tentamos coletivamente construir. Da mesma forma, surge a preocupação de que são esses os que refletirão sobre novas leis, mais projetos para o país, outras formas de ajudar e proteger populações carentes, distribuir saúde e educação de qualidade para jovens e crianças.

Quanto avançamos, paramos ou retrocedemos na trilha civilizatória?

Como justificar e confiar um só voto em indivíduos com tais condutas e ideários?

Rebaixar professores frente a traficantes; desejar que alguém morra queimado (ainda mais em Santa Maria onde ocorreu o triste e trágico acidente com universitários); chamar jovens e trabalhadores de vagabundos e drogados; não saber a diferença entre Palestina, Hamas, crimes de guerra e desprezar justas preocupações com jovens e crianças que jazem despedaçadas por balaços e estilhaços surgidos de todos os lados, mostra que a asnice e desumanidade de alguns não tem limites.

Resta a indicação de que representações de universidades públicas (ANDIFES, CRUB, ADUSP), sindicatos docentes (ANDES), de estudantes (UNE), de servidores (SINASEFE, FASUBRA), além do próprio MEC, aproximem-se e acionem conjuntamente a justiça em defesa da salvaguarda das universidades, da ética, da moral e da população.

Afinal, embora alguns não consigam entender, tratamos de educação, extensão, ciência, e saúde pública. Buscamos distribuir o saber, o aprimoramento da intelectualidade e a lucidez da empatia, sempre em benefício das pessoas.

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada”.

Eduardo Alves da Costa

(*) Professor Titular / Instituto de Biologia / Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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