Opinião
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2 de setembro de 2023
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18:37

Estão privatizando a nossa natureza urbana (por Leonardo da Costa)

Obras descaracterizaram a  paisagem do Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21
Obras descaracterizaram a paisagem do Parque Harmonia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Leonardo da Costa (*)

Do início de 2021 até os dias de hoje, um problema crescente em Porto Alegre e na Grande Porto Alegre, já que toda região Metropolitana tem reproduzido, ganha a cada dia mais luz, a onda da privatização da natureza urbana que começa com as alterações dos Planos Diretores. Parte dessa natureza está localizada em praças, parques e áreas verdes dos municípios fazendo com que sirvam de área de lazer para população. Contudo, essas áreas ao que tudo indica estão com os dias contados já que a cada dia uma nova área entra pra lista dos interesses imobiliários.

Uma coisa é importante destacar, não se trata aqui de “abraçar árvore” como pejorativamente tem-se acusado os movimentos socioambientais, trata-se de discutir e defender o direito da comunidade, porque afinal de contas os ganhos da destruição da natureza urbana são individuais. Enchem de dinheiro aquelas empresas e famílias do ramo imobiliário, mas o custo disso é coletivo e muito alto, quem paga somos todos nós, mas principalmente os mais pobres.

A crise climática já é realidade. No início do ano a estiagem destruiu a agricultura do estado, o preço da comida subiu e o PIB do Estado caiu, obrigando o governo federal a intervir. O melhor exemplo é como ficou a cidade de Hulha Negra, uma das mais castigadas. Em Gravataí, a estiagem fez faltar água e obrigou o prefeito a colocar um carro de som passando nas ruas pedindo para que as pessoas economizassem. As ondas de calor já não dão mais trégua e sabemos que as cidades sem arborização formam verdadeiras ilhas de calor sufocando a comunidade que vive ali.

Em Porto Alegre existe uma lista de áreas que entraram pra lista da motosserra, onde contam as horas para ficar de pé, seja no sul de forma mais ampla em todo Belém Novo, ou mais especificamente na Fazenda do Arado, sendo disputada para um condomínio de luxo com a mudança no Plano Diretor de Porto Alegre. A privatização do Parque Farroupilha, popularmente conhecido como Redenção e todas as estranhas mortes de animais silvestres que aconteceram recentemente, o Parque Harmonia com os danos a flora e fauna, denunciados pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) e em especial pelo professor da UFRGS, Paulo Brack, ou mais recentemente a Praça Família Imigrante no Centro Histórico de Porto Alegre.

Mas isso não acaba aí, a onda da destruição da natureza sai de Porto Alegre e ganha a região Metropolitana. Em agosto vimos a destruição de árvores na Praça Dom Feliciano na cidade de Gravataí. Em Alvorada muito se fala no Parque da Solidariedade, uma grande área ambiental cheia de nascentes que está prestes a ser zoneada para construção de moradias e em Cachoeirinha começaram agora a discutir o Plano Diretor da cidade, com um único objetivo em mente, zonear a área popularmente conhecida como Mato do Júlio (maior área verde da cidade que abriga um felino em extinção), para construir um condomínio de luxo.

A discussão e defesa que os ambientalistas têm feito vai muito além da natureza, se trata de justiça social, os mais atingidos pelas mudanças do clima são os mais pobres. Quando o preço da comida aumenta, porque a estiagem destruiu as plantações, os mais prejudicados são as famílias pobres, quem tem a casa alagada por enchentes é o pobre, ou você já viu condomínio de luxo alagar? A defesa da natureza é a defesa da dignidade da nossa gente e essas pequenas áreas de natureza urbana são simbólicas, precisam continuar de pé porque já não temos mais tempo para estar cortando qualquer árvore que seja.

(*) Associação de Preservação da Natureza – Vale do Gravataí (APN-VG)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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