Opinião
|
7 de agosto de 2023
|
16:25

A CPI do MST e a necessidade da Reforma Agrária (por Milton Pomar)

CPI foi criada pela extrema-direita para investigar atuação do MST. (Foto: Luiz Fernando/MST)
CPI foi criada pela extrema-direita para investigar atuação do MST. (Foto: Luiz Fernando/MST)

Milton Pomar (*)

Deverá acabar, semana que vem, a CPI do MST na Câmara Federal, com resultados contrários aos pretendidos por seus autores: criminalizar a luta pela terra no Brasil, que ocorre há mais de 70 anos, responsabilizando uma das principais organizações das vítimas dos latifundiários – no caso, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Terra (MST) surgido em 1984. 

Ao que tudo indica, o tiro dos defensores dos latifundiários saiu pela culatra: a CPI do MST serviu para que muitas pessoas se dessem conta da necessidade da Reforma Agrária para a produção de alimentos para o povo e para acabar com a impunidade dos latifundiários. E de quebra, reforçou a avaliação negativa que se tem dos (e das) parlamentares de extrema-direita, dada a sua mediocridade gritante e outras características horríveis, exibidas com frequência em suas redes sociais e nas sessões da CPI. 

Graças aos parlamentares de extrema-direita que criaram a CPI do MST, o Brasil hoje se pergunta por que mais de 30 milhões de pessoas continuam passando fome, se a disponibilidade de grãos na safra brasileira de 2022/2023 é de 1.576 kg/hab/ano, mais de seis vezes a da Índia (235 kg/hab/ano), e três vezes a da China (490 kg/hab/ano). Cabe agora aos propagandistas do Agro “é pop”/“é tech”/“é tudo” explicar porque o Agro também “não é comida para o povo”. 

Liderada pelo ex-ministro da Devastação Ambiental, essa CPI serviu ainda para mostrar para a população urbana um pouco do “mundo rural”, no qual apenas 2% dos proprietários de terras do Brasil têm uma área total equivalente a uma vez e meia a região do Cerrado, bioma devastado pelos latifundiários do Agro para produzir principalmente soja, milho, algodão e carne bovina para exportação. 

O “canto do cisne” da CPI do MST deverá ocorrer na próxima terça, dia 15, quando Brasília, por coincidência, estará ocupada por mais de 100 mil mulheres “do campo, da floresta e das águas” da “Marcha das Margaridasque tem esse nome em homenagem à sindicalista paraibana Margarida Alves, assassinada em 12 de agosto de 1983 (há exatos 40 anos…), a mando de latifundiários, todos impunes até hoje. 

E será na tarde do dia 15, a partir das 14 horas, que o economista João Pedro Stédile, da direção nacional do MST, será ouvido na CPI. Estudioso da Questão Agrária e da Agricultura no Brasil e em muitos outros países, Stédile é autor e co-autor de mais de uma dezena de livros sobre a temática, e trabalha no MST desde a sua fundação, tendo acompanhado de perto, nesses 40 anos, os inúmeros acampamentos, assentamentos e cooperativas em todo o País. Por isso, Stédile demonstrará a importância do MST para o desenvolvimento do Brasil e para melhorar a qualidade de vida no País. 

Logo após o fim da ditadura militar, em 1985, os latifundiários de extrema-direita criaram a “União Democrática Ruralista” (UDR), organização nacional cujos objetivos principais eram combater o MST, o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT). 

Vivenciei de perto a atuação dessa entidade porque trabalhava em jornal agrícola na época. Acompanhei alguns leilões de arrecadação de fundos, nos quais o ódio nos discursos em nada se diferenciava do que se ouviu no Brasil inteiro a partir da campanha de 2018. Trabalhei também no Jornal dos Sem Terra, em 1986, conhecendo a realidade da vida das pessoas acampadas e em assentamentos em vários estados, e a importância da Reforma Agrária para tornar produtivas áreas imensas, conservadas apenas como reserva de valor por pessoas que se diziam “donas”.

A principal liderança da UDR, o médico Ronaldo Caiado, entrou para a política partidária e está hoje governador reeleito de Goiás. Nabhan Garcia, sucessor de Ronaldo Caiado na direção da UDR, foi Secretário de Assuntos Fundiários do desgoverno federal (período 2019/2022). 

Os demais dirigentes da UDR desapareceram do cenário. Uns e outros foram “substituídos” por parlamentares de extrema-direita tão belicosos quanto. 

Todos os ataques contra o MST, da UDR e de seus aliados políticos, nesses quase 40 anos, não deram certo, pelo simples fato de que a absurda concentração de terra no Brasil está aí, firme e forte, e os milhões de trabalhadores sem terra também, e ela e eles são a razão do MST existir. 

Tomara que se consiga, a partir de mais essa tentativa da extrema-direita de criminalizar a luta pela terra, inverter a lógica e colocar na parede os mandantes, os assassinos e os devastadores ambientais, aumentando assim a pressão para que ocorra Reforma Agrária de verdade no Brasil, como fizeram os Estados Unidos e a China – coincidentemente os dois maiores produtores de alimentos do mundo –, e acabando os latifúndios improdutivos e a impunidade dos latifundiários.

(*) Geógrafo

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora