Opinião
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27 de junho de 2023
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06:47

Palavras contra a barbárie (Coluna da APPOA)

Colégio Estadual Professora Helena Kolody (Divulgação)
Colégio Estadual Professora Helena Kolody (Divulgação)

Gerson Smiech Pinho (*)

Semana passada, nosso país foi novamente abalado por mais um enorme baque de tristeza. A notícia da morte de dois jovens assassinados em uma escola, dessa vez na cidade de Cambé, no Paraná, choca a todos e não cessa de nos sensibilizar. O horror insiste e se repete. Nem bem chegamos à metade do ano e acumulamos, nos últimos meses, uma série de ataques em escolas com vários mortos.

A propagação do ódio fomenta formas extremas de violência. Quando estas acontecem no interior de uma escola, a sensação de brutalidade se amplifica. A dor pelas vidas cruelmente apagadas, em sua maioria crianças e jovens, associa-se à impressão de que foi ultrapassado o limite daquilo que se considera civilizado, de que adentramos no domínio da barbárie. Sobrevém a certeza de que foi perdido o traço de humanidade que viabiliza a vida em comum.

Para a grande maioria das pessoas, a escola inaugura os primeiros passos em direção à existência em comunidade. É o território no qual principiam as relações para além do universo doméstico, que permite explorar as nuances do laço social para além do espaço familiar. Na escola, transmite-se cultura, experimenta-se o sabor do contato com o outro que pode ser degustado em seus mais variados estilos. Trata-se do berço da experiência coletiva, que embala tanto o início do convívio com os pares quanto a consolidação da referência à alteridade.

Ao ocorrer no espaço responsável pela educação das crianças e dos jovens, a violência atinge frontalmente aquilo que é estruturante de nossa humanidade. Torna-se ainda mais devastadora ao se consumar nesse território primário de socialização, de transmissão da cultura e da vida em comunidade. A manifestação de ódio alastra-se a ponto de golpear o local que abriga e protege a civilização em estado nascente, fonte que faz com que sejamos o que somos.

Formas extremas de violência, como a ocorrida na semana passada, chocam, comovem e impactam nossas vidas. Contudo, expressões mais sutis e nem sempre tão explícitas de agressão não são raras no cotidiano das escolas, como por exemplo as situações de bullying, as quais muitas vezes se estendem por longos períodos na solidão e no silêncio. Manifestações de crueldade que atravessam salas de aula e redes sociais e que não raramente passam despercebidas pelas famílias e pela própria escola.

As escolas e salas de aula são microcosmos de nossa vida em sociedade. Aquilo que acontece por lá é o espelho do que se vive na realidade social como um todo. As expressões de intolerância germinadas naquele espaço originam-se em um terreno mais amplo, irrigado pelo discurso de ódio que se dissemina com as mais variadas feições. Um discurso inclinado a responder à violência com a violência, favorável ao uso de armas, que se opõe a qualquer manifestação que busque dar lugar e voz à diferença, num país que sempre esteve imerso nas mais profundas desigualdades. Estes são alguns traços do discurso totalitário que se alastra pelos mais diversos espaços de convívio. Discurso que visa aniquilar o outro, avesso à diversidade e que transforma o diferente em inimigo.

Frente ao sentimento de impotência que tais situações produzem, resta interrogar como fazer resistência e produzir um movimento inverso. A violência aparece onde faltam as palavras, no espaço que poderia ser preenchido pela fala. O ato violento suprime a mediação que poderia se estabelecer através do diálogo, fundante da prática civilizatória. Como fazer a palavra conquistar seu lugar, diante do horror e da violência que nos assola? Descobrir uma brecha para que o diálogo ultrapasse o discurso de ódio é o desafio que temos diante de nós. Talvez as escolas tenham muito a nos ensinar a esse respeito.

(*) Psicanalista, membro da APPOA e do Centro Lydia Coriat

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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