Opinião
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24 de dezembro de 2022
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11:11

Só uma CPI trará a verdade sobre a criminosa venda da Corsan (por Jeferson Fernandes)

Foto: Acom Corsan
Foto: Acom Corsan

Jeferson Fernandes (*)

O processo de privatização da Corsan, consumado no altar do deus mercado em São Paulo, no último dia 20 de dezembro, possui um rosário de ilegalidades que precisam urgentemente ser investigadas.

Desde o início desse processo, trouxemos a público as inúmeras, ilegais e vergonhosas ações realizadas pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) através da direção da companhia no intuito de entregar à iniciativa privada um patrimônio público superavitário que até outubro deste ano (2022) apresentou um lucro de R$ 684 milhões de reais. 

Somente entre 2020 e 2021, foram firmados 19 contratos milionários com bancas de advogados e consultorias, a imensa maioria sem licitação, no valor total de mais de R$ 32 milhões de reais, com o único objetivo de preparar as condições “legais” para a venda da Corsan. 

Outro fato relevante, realizado à revelia da lei do novo Marco Regulatório do Saneamento, foi a assinatura de aditivos contratuais com 74 municípios até dezembro de 2021. Nesses aditivos aos contratos de concessão da exploração do serviço que a Corsan possui com esses municípios, alguns com prazos renovados que chegam a 40 anos, está prevista a entrega do controle acionário da estatal para a iniciativa privada. 

Contudo, a lei é clara como a luz do dia ao definir que a empresa pública que quiser transferir o controle acionário para uma empresa privada deve substituir os contratos de programas vigentes por novos contratos de concessão, e não aditivá-los. Portanto, uma ilegalidade, assim como a ausência de autorização de Lei Municipal aprovada pelas Câmaras de Vereadores. 

Em 05 julho de 2021, 26 dias antes dos deputados da base do governo aprovarem a criminosa autorização para a venda da estatal, apresentei, na condição de deputado presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública, um documento ao TCE contendo indícios de 14 graves irregularidades relacionadas ao processo de privatização da Corsan, pedindo providências àquela corte de controle e fiscalização.

Atropelada a legislação em vigor, o governo de Eduardo Leite se apressou em realizar a privatização da companhia, anunciando a venda de 70% de suas ações para fevereiro de 2022, através de uma IPO, que na tradução da sigla em inglês significa a oferta pública inicial das ações de uma empresa na Bolsa de Valores. Essa tentativa não prosperou, porque a turma do “mercado” queria abocanhar 100% do controle acionário dessa estatal lucrativa.

Em 07 de julho de 2022, portanto um ano após a formalização da minha denúncia, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a suspensão da venda das ações da Corsan, pedindo correções na modelagem econômico-financeira do projeto.

Poucos dias após a manifestação do TCE, o governo do estado desiste do formato de venda original e anuncia que levará a companhia à leilão, torrando no altar do capital 100% das ações, para regozijo dos chamados “investidores” privados. Assim, Eduardo Leite, um privatista de carteirinha, demonstrou definitivamente que está a serviço do grande capital e, da mesma forma como fez com a Sulgás e com o que restava da CEEE, determinou a realização de leilão. 

Esse processo provocou uma enxurrada de ações judiciais e expedição de liminares que instituíram uma guerra jurídica que revelou a fragilidade dos aspectos legais e as incertezas econômicas e sociais decorrentes de sua efetivação. Uma das liminares do Tribunal é porque o preço mínimo da Corsan está mais de 40% abaixo do valor de mercado, segundo estudo encomendado pelo Sindicato dos Engenheiros do RS.

E aqui cabe um parêntese nesta narrativa. Esses processos de privatizações, cujos beneficiários nunca entregam o que prometem, onerando a sociedade com tarifaços e serviços precários, são tão suspeitos de ilicitude que a direção do Sindiágua protocolou em cartório, às vésperas da realização do leilão, um documento em caráter de denúncia, afirmando qual empresa seria vencedora. Não deu outra. Inacreditavelmente, uma única empresa (Aegea) se apresentou no certame e arrematou a companhia com uma oferta de apenas 1,15% acima do preço mínimo estipulado. 

E como se não bastasse, recebemos estarrecidos a notícia de que o chefe do Ministério Público até 2021, Fabiano Dallazen, que seria responsável por apurar com profundidade todas essas denúncias, será o novo diretor de relações institucionais da empresa que comprou a Corsan. Se tudo isso não são indícios de graves ilegalidades que ferem de morte a constituição e as leis, eu, na condição de parlamentar e advogado, não sei mais o que é Direito. 

A fragilidade legal desse processo é tão explícita que, mesmo com a realização do leilão, ainda restam quatro medidas liminares que proíbem a assinatura do contrato com a Aegea, prevista inicialmente para 20 de março de 2023. 

No Tribunal de Justiça, além da liminar concedida na ação que questiona o valor abaixo do preço de mercado, uma outra está relacionada à inconstitucionalidade do processo de venda, uma vez que não foi prevista a manutenção de órgão executivo e normativo para a gestão do saneamento, tal como determina a carta constitucional do Estado. 

Na Justiça Federal do Trabalho, foi concedida liminar embasada na ausência de estudos sobre o impacto socioeconômico, trabalhista, previdenciário e social sobre os atuais servidores da companhia após a privatização. 

Por fim, o Tribunal de Contas do Estado também determinou, em ação da qual sou parte como Amicus curiae, que o Estado se abstenha de assinar o contrato de compra e venda enquanto não apresentar os números oficiais sobre o percentual efetivo de cobertura de esgoto antes da privatização e não prestar os esclarecimentos suficientes a respeito da fragilidade jurídica dos termos aditivos de rerratificação dos contratos firmados com os municípios, que podem vir a ser invalidados judicialmente.

Portanto, sobram razões para que a Assembleia Legislativa gaúcha, que possui em dos seus pilares constitucionais o dever de fiscalização das ações do poder executivo do estado, institua o mais rápido possível uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar inúmeros fatos determinados e graves relacionados à venda da Corsan. 

A sociedade gaúcha tem o direito de, através de seus representantes, realizar essa investigação, uma vez que os demais órgãos e poderes constituídos de controle e fiscalização não quiseram ou não puderam fazê-lo. 

(*) Deputado estadual (PT-RS), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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