Opinião
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7 de outubro de 2022
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15:54

Os efeitos da reforma trabalhista de 2017 sobre o debate de conjuntura (por Flavio Fligenspan)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Volto aqui ao tema da Coluna publicada em 17 de julho (“A Economia, por vezes, parece que se descola da sociedade”), quando discuti a hipótese tratada no debate de conjuntura nacional de que poderíamos estar, neste segundo semestre de 2022, próximos do limite de capacidade da economia brasileira, isto é, qualquer aumento de PIB levaria a pressões de preços – inflação. Em outras palavras, nossa estrutura produtiva – fábricas, mão de obra, infraestrutura etc – estaria se aproximando de um ponto de pleno uso, de tal modo que logo não haveria mais como ampliar a produção sem causar desequilíbrios, o mais importante e mais visível deles, a inflação.

Ou ainda, estaria se fechando o que os economistas chamam de “hiato do produto”, a diferença entre o produto potencial e o que está sendo efetivamente produzido. Lembre-se que o produto potencial é uma variável que não se mede na vida real; trata-se de uma estimativa, feita com diferentes metodologias e sujeita a diferentes resultados.

Aqui há que se ter um cuidado para avançar na discussão. Não se pode tomar a inflação atual como um sinal de que já atingimos o PIB potencial, o que significaria que o nível da demanda seria maior que o da oferta possível, derivando daí um diagnóstico de inflação de demanda que levaria, naturalmente, a uma política de aumento de juros. Há, no caso brasileiro presente, elementos nítidos de inflação de oferta, seja por frustação de safras agrícolas e aumento da taxa de câmbio – que afeta os preços das matérias primas importadas –, seja por fatores do mercado internacional, como a desorganização das cadeias produtivas e o aumento de preços das commodities desde a pandemia, e os aumentos de preços derivados da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Diferentemente do caso dos EUA, onde há pressão de demanda em vários mercados – em especial no mercado de trabalho –, no Brasil a inflação é essencialmente causada por fatores do lado da oferta, ou seja, a elevação dos juros não atua diretamente sobre as causas da inflação. Assim, por exemplo, nossa taxa de desemprego só recentemente caiu para menos de 10%, e o número de trabalhadores ocupados só recuperou os níveis de pré pandemia no início deste ano, com percentual de informais praticamente igual (40%) ao do início de 2020, muito alto.

Ao longo de 2022 o mercado de trabalho brasileiro vem melhorando levemente: a ocupação cresceu, a taxa de desemprego caiu e o rendimento médio recuperou-se um pouco a partir de seu ponto de mínimo no final do ano passado, mas não se pode perder de vista que hoje ainda é o menor desde o segundo semestre de 2016, naquela época em plena recessão. A despeito desta pequena melhora, a informalidade ainda vem batendo nos 40%, o que ajuda a explicar os rendimentos tão baixos.

A combinação entre a melhora do mercado de trabalho, ainda que suave, e a inflação fomentou a discussão sobre estarmos próximos do limite de capacidade da economia brasileira. Voltou-se a discutir o conceito de taxa de desemprego de equilíbrio, aquela que não pressiona a inflação (o conceito parte de pressuposto de que há uma relação inversa entre inflação e desemprego). Várias instituições de pesquisa e do mercado financeiro passaram a estimar a taxa atual, para compará-la com as de tempos passados em que situações semelhantes de nível de atividade e de inflação tivessem se verificado.

E aí começam os problemas. Isto porque nenhuma estimativa presente é comparável com as do passado, já que a Reforma trabalhista de 2017 e o aumento da terceirização mudaram todos os parâmetros do mercado de trabalho e da relação entre o mercado de trabalho e o resto da economia. Depois veio a pandemia e somente agora estaríamos voltando a um novo tempo de construção de parâmetros para compor uma série histórica confiável. Realmente, a Reforma e o aumento da terceirização criaram um mercado de trabalho bem mais flexível, em que os trabalhadores perderam força e capacidade de reivindicação. Assim, uma taxa de desemprego medida hoje pressionaria menos os custos das empresas e explica menos a inflação do que a mesma taxa – o número em si – de anos atrás; mesmo que se admitisse inflação de demanda.

Todas as instituições que têm participado do debate e tentado estimar a taxa de desemprego de equilíbrio admitem esta mudança, o que provaria o “sucesso” da Reforma, na visão do mercado financeiro, é claro. O próprio Presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto (em matéria do Valor, 31.8.22) admite a queda da taxa pós Reforma e, a dificuldade de estimá-la, dada a amplitude dos resultados encontrados por diversos pesquisadores. Não parece haver dúvidas sobre a queda da taxa de desemprego de equilíbrio e não parece difícil associá-la à Reforma, ao aumento da terceirização e da informalidade.

É irônico que a taxa atual de desocupação – popularmente chamada de taxa de desemprego –, de 8,9%, seja a menor desde 2015, e, ao mesmo tempo, o rendimento médio esteja tão baixo e a informalidade e a subutilização da mão de obra tão altas. Concluir destas relações que o mercado de trabalho está aquecido é um tanto estranho. Mais que isso, a taxa atual de desocupação é menor que algumas estimativas da taxa de equilíbrio, ou seja, estaríamos num estado de pressão do mercado de trabalho sobre os preços. Muito estranho mesmo.

De qualquer forma, os efeitos da política monetária apertada a partir de março de 2021, que nos leva a ter uma das maiores taxas de juros reais do mundo, já começam a ser sentidos, e todas as previsões para 2023 são de crescimento muito baixo e aumento do desemprego. A discussão atual naturalmente perderá sentido neste novo ambiente, com a contribuição involuntária dos trabalhadores.

(*) Professor aposentado do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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