Opinião
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12 de setembro de 2022
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20:31

E a Serra gaúcha enegreceu-se! (por Raquel da Silva Silveira)

Oliveira Silveira foi o autor homenageado no Festival (Divulgação)
Oliveira Silveira foi o autor homenageado no Festival (Divulgação)

Raquel da Silva Silveira (*)

A Serra gaúcha enegreceu-se ao sediar o Festival Internacional Literário de Gramado – FILIGRAM, entre 02 a 11 de setembro de 2022. O autor homenageado no Festival foi Oliveira Silveira, intelectual, poeta, pesquisador, professor e um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra, o 20 de novembro.

Os(as) palestrantes e artistas possibilitaram um passeio pela riqueza cultural do Brasil e do mundo, dos(as) quais destacamos: Kiusam de Oliveira, Jeferson Tenório, Futhi Ntshingila, Lilian Rocha, Vanessa Passos, Richard Serraria, Ana dos Santos, Taiasmin Ohnmacht, Ronald Augusto, Marlon Pires, dentre tantos outros(as).

Fundamental no evento foi a participação do Coletivo SanKofa, desde a construção, curadoria e mediação de muitas mesas. Certamente, a resistência negra desse coletivo na serra gaúcha, conhecida por seu orgulho de ser a “Europa brasileira”, não deve ser fácil. As cidades de Gramado e Canela mantêm viva a contribuição da colonização alemã, italiana e açoriana, mas inviabilizam a contribuição africana e indígena na construção da serra gaúcha.

Apesar disso, a força dos povos negros e indígenas persiste na luta pelo reconhecimento dos seus saberes e de suas culturas.  O FiLiGram foi um pouco disso tudo. O evento estava lindo e potente, porém, pouco movimentado. Geralmente as atividades em Gramado e Canela são superpopulosas, concorridas mesmo. Muitos podem ter sido os motivos para a pouca adesão da sociedade gramadense e canelense, além dos(as) turistas que sempre habitam a nossa serra. Contudo, é possível afirmar que o racismo operou fortemente para esse esvaziamento do evento.

A escritora Kiusam de Oliveira, renomada autora e contadora de histórias infantis, lamentou, publicamente, que a sua palestra sobre a educação antirracista estivesse com tão pouco público. Era de se esperar que, pelos menos, as escolas públicas estivessem em peso naquela atividade, e em tantas outras, pois desde 2003 temos a Lei 10.639 que obriga o ensino da história africana e da contribuição da população negra na construção do Brasil. Em 2004, as Diretrizes Curriculares Nacionais regulamentaram a obrigação de que as instituições de ensino superior formem seus estudantes a partir da Educação das Relações Étnico-Raciais, pois o racismo estrutura as nossas desigualdades sociais, culturais, econômicas, afetivas e de saúde.

O Festival foi um espaço de aprendizagens, trocas e muita arte. A exposição em homenagem à Oliveira Silveira deu uma palhinha da importância desta personalidade gaúcha. Foi muito bom encontrar a filha de Oliveira Silveira, Naiara Silveira, dando entrevistas e ensinando o tanto que aprendeu com o percurso de seu pai. O artista e poeta Richard Serraria, em seu espetáculo-livro, SopapOriki, no qual o tambor Sopapo passeia pelos doze Orixás, poetisa no Oriki para Bará a relação entre o velho tambor gaúcho e o ramo Oliveira que ilumina a poesia brasileira:

(…)

alupo negertanze

ziguezague zai campo afora

 alupo dansa de negros

 derruba árvores com raiva

 a la pampa às avessas escava mucama

 atabaque rei cultiva rosário

 touro passo vai sangrar bucho de ramo oliveira

 alupo sopapo vá de valha bicho kânhamo

 ziguezagueia outro um yakupampa

 (…) (SERRARIA, 2020, p. 60)

O FILIGRAM precisa continuar, ramificar. As sementes plantadas afetivamente contra a opressão racista que organiza nossos modos de nascer, de crescer, de viver e de morrer foram lançadas, novamente, e sempre. Isso também aprendemos com o movimento negro, ao reafirmar seu respeito a sua ancestralidade, a qual tem passos vindos de longe. Que o Filigram possa se consolidar e crescer, contribuindo na produção de alguma fissura na rigidez da branquitude acrítica, tão carente de letramento racial e cultural.

(*) Psicóloga, professora de Psicologia do Instituto de Psicologia da Ufrgs e coordenadora do Núcleo de Extensão e Pesquisas Antirracistas e Anticapacitistas – NEPARC/UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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