Opinião
|
21 de agosto de 2022
|
08:54

Efeitos inflacionários e medidas eleitoreiras do governo Bolsonaro (por Christian Kuhn)

Frutas, legumes e hortaliças serão tributados em 12% a partir de janeiro de 2025. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Frutas, legumes e hortaliças serão tributados em 12% a partir de janeiro de 2025. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Christian Velloso Kuhn (*)

No último dia 16, a Folha de São Paulo fez uma matéria sobre a disparada do preço do litro de leite, chegando a ficar mais caro que o litro da gasolina em São Paulo e outras cidades. No mês de julho, o preço do litro de leite aumentou quase 25%, na capital paulista, atingindo o valor de R$ 6,79, ao passo que o preço médio da gasolina é R$ 0,84 menor (14% menos), calculado em R$ 5,95 pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). No mesmo período do ano anterior, a gasolina custava R$ 5,47, enquanto o leite valia R$ 3,95, uma diferença de 38%. 

Outro produto que costumava custar menos que a gasolina, o óleo diesel, ultrapassou o preço desse combustível em final de junho passado. Segundo a CNN, o valor do diesel comum atingiu R$ 7,56 em média, ao passo que a gasolina comum custava R$ 7,39. Com o corte do ICMS provocado pela lei sancionada em junho pelo presidente Bolsonaro, essa diferença ficou ainda maior. Desde esse período, a redução do preço da gasolina foi de 22%, enquanto do diesel foi de apenas 2%. Com isso, o diesel custava R$ 7,42 no início desse mês, já a gasolina caiu para R$ 5,74, cerca de 23% abaixo do preço do diesel. 

Visando sua reeleição, numa medida claramente eleitoreira, Bolsonaro forçou a baixa dos preços dos combustíveis da pior forma possível: reduzindo as alíquotas do ICMS, um imposto cobrado pelos estados. Além do efeito durar pouco sobre a inflação, pois reduz apenas o nível pontualmente num único mês, não perpetuando sobre a variação desse bem nos demais meses, ainda provocou uma queda na arrecadação tributária nas unidades da federação, cujos governos vêm buscando as devidas compensações. Ou seja, implicou indiretamente um conflito federativo. 

Mas outro efeito provocado pela atual inflação brasileira vem sendo a distorção de preços relativos. Com essas desonerações fiscais de Bolsonaro, também praticada nos impostos de importação de outros bens de luxo e supérfluos (veleiro, jet ski, games, “whey protein”, dentre outros), faz com que produtos que geralmente tinham preços abaixo da gasolina, como leite e o diesel, estejam hoje sendo cobrados por um valor superior ao desse combustível. 

Essas distorções de preços têm provocado também uma alta dos preços mais intensa sobre os mais pobres. De acordo com a FGV, enquanto os 10% mais ricos (entre 11,5 a 33 salários mínimos por família) perceberam uma elevação de 7,43% no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) nos últimos 12 meses até julho, os 10% mais pobres (entre 1 a 1,5 salários mínimos) sofreram com um aumento de 7,82% nesse índice em igual período. Isso se explica pela diferença de composição na cesta de bens entre esses dois segmentos, pois os alimentos pesam mais entre os 10% mais pobres, justamente os itens que mais têm aumentado de preço ultimamente. Por isso, o IPC de alimentos registrou crescimento de 16,2% entre os 10% mais pobres nesse período, enquanto que para os 10% mais ricos, a alta foi de 13,8%. 

A maior diferença entre o IPC dos 10% mais pobres e 10% mais ricos foi no último mês de julho (0,69%), em torno de 0,05 pontos percentuais (p.p.) acima de igual período do ano passado, quando essa diferença foi de 0,64%. Nos últimos 12 meses, apenas em quatro os 10% mais ricos tiveram o IPC mais alto que os 10% mais pobres. 

Em que pese o presidente Bolsonaro venha apelando para mais medidas eleitoreiras, que de certo modo compensam em parte esses efeitos inflacionários sobre mais pobres, como o aumento do valor do Auxílio Brasil até o final do ano, a inflação, bem como outros indicadores macroeconômicos, parece estar longe de seu equilíbrio. As distorções de preços relativos são agravadas com as medidas adotadas por Bolsonaro, enquanto nada indica que o presidente tenha uma política consolidada para conter os efeitos da alta de preços em patamares mais elevados sobre os mais pobres. 

Talvez seja por causa disso que, segundo o Datafolha, apenas 27% dos eleitores considerem Bolsonaro o candidato mais preparado para combater a pobreza, ao passo que esse índice é de 29% no combate ao desemprego. Também de acordo com esse mesmo instituto, a preferência de votos entre os eleitores mais pobres não se alterou desde a concessão de aumento no valor do Auxílio Brasil. Pode ser que essa fração do eleitorado tenha percebido que esse recente aceno de Bolsonaro não se sustentaria num próximo governo do atual presidente se reeleito. É bem verdade que somente metade dos beneficiários recebeu a primeira parcela de R$ 600,00, e 4 milhões de famílias devem receber até o dia 22 desse mês. As pesquisas posteriores podem revelar se esse extrato dos eleitores vai se deixar enganar pela politicagem de Bolsonaro para se reeleger, ou decidirá seu voto por um candidato com mais credibilidade para governar o país combatendo a inflação, desemprego, miséria, fome e pobreza. 

(*) Professor Universitário e Economista, Instituto PROFECOM

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora