Opinião
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28 de março de 2022
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12:40

O Estado deve proteger a vida, controlando ou eliminando as pulverizações com agrotóxicos

Foto: Embrapa/Arquivo
Foto: Embrapa/Arquivo

Coletivo de entidades (*)

Em novembro de 2020, agricultoras/es agroecológicas/os assentadas/os nos assentamentos Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha foram atingidas/os pela deriva de agrotóxicos pulverizados por aviões agrícolas utilizados pelo agronegócio, nas lavouras de arroz do município de Nova Santa Rita. Houve contaminação comprovada de, no mínimo, dois herbicidas e um inseticida que afetaram os cultivos de alimentos, os animais e a saúde das/os agricultores, que observaram os voos realizados em cima das áreas dos assentamentos.

O caso trouxe à tona a ausência de fiscalização e controle das pulverizações aéreas e suas derivas sobre assentamentos e áreas de produção agroecológica e orgânica. Cabe destacar que esta região do estado responde pela maior produção de arroz orgânico da América Latina, justamente onde se concentram os assentamentos de Reforma Agrária e ainda contam com produção de hortaliças e frutas orgânicas abastecendo merendas escolares, feiras, restaurantes, serviços de entrega a domicílio. Nos sistemas de produção orgânicos, não é permitido o uso de herbicidas sintéticos e demais agrotóxicos adotados em lavouras convencionais de arroz. É importante lembrar que estes biocidas, em sua maioria, vêm causando danos à saúde humana, em especial fígado, rins, sistema nervoso, provocando câncer, entre outros problemas graves, somando-se o envenenamento a animais à natureza.

Os prejuízos decorrentes deste episódio de derivas levaram o caso à justiça federal, e seus responsáveis já estão sendo proibidos de utilizar estes produtos nas proximidades dos assentamentos e também nas áreas de entorno.

Os laudos emitidos pelos órgãos competentes revelaram perdas de produção de toneladas de alimentos nos municípios de Nova Santa Rita e Eldorado do Sul, que abastecem a região metropolitana. Para as famílias produtoras, essas perdas representam prejuízo econômico de dezenas de milhares de reais, com a perda da produção, com o agravante de se tratar de produção orgânica, com a suspensão durante alguns meses da certificação e comercialização dos alimentos e ameaçando assim a relação de confiança estabelecida com os consumidores urbanos. Houve também registros de abortos em vacas e porcas e danos à saúde das pessoas, que precisaram atendimento em posto de saúde, apresentando sintomas como dores de cabeça, vômitos e erupções cutâneas. Por esses motivos, a população afetada requer punição exemplar e também reparação e indenização dos danos tanto à saúde das pessoas, como aos prejuízos econômicos e morais.

Outro agravante é a incidência destes venenos na Área de Proteção Ambiental e Zona de Amortecimento do Parque Estadual e Delta do Jacuí, condição que veda este tipo de atividade que envolve o uso de agrotóxicos, o que resulta em contaminação (inclusive das fontes de água potável) e danos à biodiversidade (perda de cobertura vegetal, ameaça a espécies protegidas, morte de polinizadores, etc.). Neste sentido, a licença de operação da fazenda, de onde partiram os voos, já impede a pulverização aérea de agrotóxicos em razão de estar localizada na zona de amortecimento do Parque.

Vários órgãos públicos federais e estaduais ligados à agricultura e meio ambiente, e também o Ministério da Agricultura e Pecuária, foram acionados em suas responsabilidades na averiguação do acontecido. Constatou-se demoras, ausência de estrutura de fiscalização e falta de agilidade na obtenção de provas, elementos essenciais para a formalização de uma ação judicial. As provas visuais e testemunhais eram fartas, mas as estruturas de fiscalização eram, e seguem sendo, emperradas e insuficientes. Situações como essa acabam favorecendo a impunidade e estimulando atos delituosos.

Como se não bastasse, em março de 2021, dias após a obtenção da Liminar, na Justiça Federal, que impede a continuidade de pulverizações aéreas de venenos nas cercanias dos Assentamentos, houve novo despejo de agrotóxicos sobre o assentamento Santa Rita de Cássia II. A partir das 6h da manhã, começaram os zumbidos de avião, decolando e pousando em várias oportunidades, desde a propriedade responsável (que está proibida de seguir esta prática pela Justiça Federal e pelas restrições constantes na Licença de Operação) sobre os assentamentos.

Ainda assim, a denúncia e a ação tiveram algumas consequências positivas e limitantes a este tipo de atividade e suas consequências. Conseguiu-se instalar, com recursos próprios (doações das próprias famílias atingidas) e apoios de universidades, três microestações meteorológicas dentro do assentamento, para servir como ferramenta de registro para facilitar a fiscalização.

Estas conquistas parciais são coletivas, fruto da luta da organização dos assentados, expressa na coragem das famílias atingidas, no apoio do MST e suas entidades e também de entidades ambientalistas parceiras da causa. Entre os avanços, destacam-se as liminares obtidas na Justiça Federal e um parecer do Ministério Público Federal recomendando, no mínimo, a limitação de pulverizações aéreas, por meio de zonas de exclusão da realização destas práticas.

Entretanto, até agora, não houve definição quanto à reparação e indenização dos prejuízos sofridos, bem como a definição da abrangência da área de exclusão necessária para se evitar deriva ou mesmo onde deva ser proibida a pulverização aérea de agrotóxicos. Cabe reiterar que a própria licença ambiental impede o uso de pulverização aérea de agrotóxicos em espaços que pertencem à Área de Amortecimento do Parque Estadual e da Área de Proteção Ambiental do Delta do Jacuí.

A discussão e aprovação de recente lei no Município de Nova Santa Rita revelou a intransigência da empresa responsável pela pulverização de veneno e dos fazendeiros que utilizam essa tecnologia. Apesar do seu conteúdo mitigatório, pois não proíbe e apenas regulamenta o uso da pulverização aérea de agrotóxicos, obrigando a informar e respeitar as condições de voo, inclusive já previstos na atual legislação (velocidade do vento, temperatura, etc.), revelou que as empresas representantes do agronegócio no município mostrassem sua intolerância com a necessidade de transparência dos seus atos.

Na sequência, a Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público de Canoas atendeu em parte a demanda dos atingidos, e encaminhou ofício à FEPAM com recomendação, considerada “obrigação de relevante interesse ambiental” (sic). 

O ofício do MP de Canoas recomenda estabelecer poligonais de exclusão para pulverização aérea de agrotóxicos, em toda a extensão que possa afetar os mananciais de captação de água para abastecimento e demais recursos hídricos da região. Isso envolve as áreas situadas em proximidades das povoações, cidades, vilas, bairros, de população e mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais. Também foi declarado que a abrangência das poligonais de exclusão deverá incluir os Assentamentos Itapuí, Santa Rita de Cássia II, bem como todos os demais assentamentos que permeiam a Zona de Amortecimento do Parque do Delta do Jacuí, além de toda a zona urbana do município de Nova Santa Rita. Recomendou-se ainda restrições de pulverização aérea nas licenças de operação de todas as empresas de aviação agrícola que atuam ou pretendem atuar na região, extensivas às licenças vigentes, com proibição de sobrevoo de aeronaves para aplicação de agrotóxicos com princípios ativos herbicidas, inseticidas e fungicidas, nas áreas de exclusão.

O movimento das/os agricultoras/es atingidas/os, moradores atingidas/os e todas as demais entidades e movimentos apoiadores desta causa socioambiental, que tem suas garantias constitucionais à saúde, ao meio ambiente equilibrado e o direito ao trabalho digno e modo de viver respeitado, reivindicam medidas concretas para eliminar não só a pulverização aérea de agrotóxicos, por meio do estabelecimento de poligonais de exclusão de pulverização pela FEPAM, como também a fiscalização e a eliminação progressiva do comércio e o uso destes venenos que afetam a saúde, a produção orgânica e o meio ambiente.

Recomenda-se ainda a inclusão de representação das comunidades envolvidas neste processo desde as primeiras denúncias, em atividades de demarcação das poligonais, fiscalização e monitoramento de atividades produtivas na zona de amortecimento do parque.

Assinam este manifesto, endossando seu conteúdo e sustentando preocupações a respeito da responsabilidade de entidades públicas e privadas a fim de que exerçam seu papel em coibir com rigor e reparar os múltiplos danos decorrentes da pulverização aérea de agrotóxicos, bem como diminuir e eliminar progressivamente o uso destes produtos:

 * Acesso Cidadania e Direitos Humanos

* Amigos da Terra – Brasil

* Associação Amigos do Meio Ambiente – AMA/Guaíba

* Associação Brasileira de Agroecologia – ABA 

* Associação de Mães e Pais pela Democracia – AMPD 

* Associação de Produtores da Economia Solidária Contraponto

* Associação dos Agricultores Ecologistas Solidários do RS (Associação Agroecológica) 

* Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana – RAMA

* Associação dos Produtores Ecológicos Conquista da Liberdade – APECOL

* Associação Estadual Carlos Dorneles – ASECAD

* Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN

* Associação Grupo Erval de Nova Santa Rita

* Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural – AIPAN

* Associação São Roque – Assentamento Nova Estrela- Vacaria

* Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia – CAPA – Erexim

* Centro de Tecnologias e Alternativas Populares – CETAP

* Centro Ecológico 

* Coletivo a Cidade que Queremos/PoA

* Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida – CONATERRA/ BIONATUR 

* Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul – COCEARGS

* Cooperativa de Produção Agropecuária de Nova Santa Rita – COOPAN

* Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre – COOTAP

* Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – GESP – Passo Fundo

* Comissão da Produção Orgânica do RS – CPOrg- RS

* Grupo Viveiros Comunitários – Extensão, Biociências – UFRGS

* Instituto Atairu

* Instituto Cultural Padre Josimo

* Instituto Econsciência 

* Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá

* Instituto MIRA-SERRA

* Instituto Preservar

* Movimento Ciência Cidadã – MCC

* Movimento das trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra – MST

* Movimento das trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra – MST- RS

* Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos MTD

* Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

* Movimento Preserva Belém Novo

* Pastoral da Ecologia – CNBB Sul – 3

* Rede Ecovida de Agroecologia 

* Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP/RS

* União Pedritense de Proteção ao Ambiente Natural – UPPAN – Dom Pedrito

* União Protetora do Ambiente Natural – UPAN

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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