Opinião
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13 de dezembro de 2021
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08:20

Reflexões sobre a estrutura do Conselho Estadual de Cultura (por Rozane Dalsasso)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Rozane Dalsasso (*)

O projeto de lei (PL) 418/2021, que trata de alterações do Conselho Estadual de Cultura (CEC), em nenhum momento, foi apresentado pela Secretaria de Estado da Cultura ao Conselho (Sedac) aos Colegiados Setoriais e na Audiência Pública da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa.

O setor cultural foi surpreendido, em um ano anormal e com muitos problemas de sobrevivência dos e das fazedoras de Cultura, com um PL imposto sem debate.

Não significa diálogo dizer que foi encaminhado ao CEC uma solicitação de sugestões de alteração da Lei.

O CEC, por sua vez, ouviu vários presidentes de conselhos  estaduais de cultura, de outros estados, sobre suas legislações e o funcionamento. Ouviu, também, ex- presidentes e conselheiros atuais. Cumpriu o que a Secretaria solicitou e encaminhou suas sugestões de alteração ao Governo. Os doze Colegiados Setoriais existentes, representantes dos segmentos artísticos, não foram ouvidos.

Na audiência pública sobre o assunto, as entidades, por meio de seus representantes, os e as conselheiras, integrantes dos Colegiados Setoriais se posicionaram, solicitando diálogo e mais tempo para debater com profundidade as alterações necessárias ao CEC. A gestora da Secretaria sequer permaneceu na audiência pública. A Sedac, por sua vez, não implementou o diálogo e enviou o PL à Assembleia Legislativa em regime de urgência. Já que o governo possui maioria, dito por seus dirigentes, não há necessidade de mais tempo para debates. Ao estilo “passa a boiada”.

A Sedac fez de conta que ouviu a sociedade civil, dando tempo ao CEC para se pronunciar. Nenhuma surpresa em se tratando de governos do PSDB/MDB e seus aliados.

Dezoito dos 20 ex-presidentes do CEC encaminharam à Casa Civil uma solicitação de retirada do regime de urgência. Cerca de 30 entidades culturais também pediram, em Carta Aberta, a retirada do regime de urgência.

Nada adiantou. O governo do Eduardo Leite continua seu projeto contra a sociedade rio-grandense, contra a participação popular, contra a escuta e o debate democrático. E o PL será votado na próxima terça-feira.

Sobre as necessárias alterações no Conselho

Esse modelo de Conselho de Cultura não está de acordo com o Sistema Nacional de Cultura, implementado na gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, a partir de 2003. Estamos, no RS, no século passado. Muitos Estados já adequaram seus Conselhos:

1. Iniciando pelo nome do Conselho que deveria ser Conselho Estadual de Políticas Culturais;

2. O CEC há muitos anos, e com raras exceções, se detém na análise e na aprovação de projetos de renúncia fiscal. Não é essa a funcão de um Conselho de Políticas Culturais. O CEC poderia debater o mérito, caso o número de projetos e de recursos superassem o que é previsto todo ano para a renúncia fiscal;

3. A análise de projetos da LIC deveria ser feita por pareceristas selecionados por editais. Uma Comissão Estadual de Incentivo à Cultura deveria realizar essa análise a exemplo do que ocorre em nível federal, há muitos anos. Uma coisa é o CNPC – Conselho Nacional de Políticas Culturais, outra, é a CNIC – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, apesar dos horrores que o governo federal e seu Secretário Nacional de Cultura fizeram com essas estruturas;

4. A Lei do Sistema Nacional de Cultura foi aprovada em 2010. O PL 9474/2018, que regulamenta o SNC deve servir de paradigma para qualquer alteração legislativa nos Estados e Municípios.

Esse PL foi construído de forma horizontal e participativa, considerando o acúmulo das Conferências de Cultura e da elaboração do Plano Nacional de Cultura. O PL se encontra em fase conclusiva na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e , quando aprovada e publicada a lei, vai requerer as devidas alterações nos órgãos gestores.

5. A eleição direta de Conselheiros e Conselheiras e não a indicação por entidades culturais é o caminho para a democratização do Conselho. Existem conselheiros que se revezam no poder, mediante indicações de suas entidades;

6. O Conselho de Cultura de Porto Alegre, desde a criação do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre FUMPROARTE, LEI N.º 7.328/93 em 1993, não realiza análise de projetos. Existe uma outra comissão, a Comissão de Avaliação e Seleção  (CAS), que analisa o mérito dos projetos do Fundo, com a maioria de integrantes do setor cultural.Em Porto Alegre, não há o sistema de renúncia fiscal.

7. O Conselho de Políticas Culturais deveria propor políticas públicas de Cultura, auxiliar o Sistema Estadual de Cultura na estruturação de Conselhos Municipais de Cultura, Fundos Municipais de Cultura e Conferências Municipais de Cultura, propor editais ao FAC- Fundo de Apoio à Cultura e fiscalizar o executivo.

Sobre o PL 418/2021:

1. A proposta de 27 Conselheiros, 9 indicados pelo governo, 9 indicados pelas entidades cadastradas na SEDAC e 9 das regiões funcionais do Estado não contempla os doze Colegiados Setoriais existentes. Então, supõe-se que três Colegiados Setoriais ficarão sem Representantes no Conselho. Portanto, devem ser 12 os e as representantes dos segmentos artísticos;

2. O PL não explicita como será feita a escolha dos representantes da cultura pelas nove regiões funcionais;

3. É fundamental que essa escolha ocorra por meio de eleições com um cadastro de eleitores do setor cultural por região funcional e um cadastro de candidatos com atuação na cultura, como são realizadas as eleições para os Colegiados Setoriais;

4. A eleição dos representantes do  Conselho deve ser organizada pelo Conselho e não como está proposto, com o apoio da Sedac;

5. As entidades que participarão do cadastro devem ter, no mínimo, dois anos de atuação comprovada na cultura. O PL retirou essa necessidade;

6. As entidades, conforme o PL, não necessitam ter abrangência estadual, ou seja, as entidades de abrangência municipal poderão participar, abrindo o leque para um sem número de entidades com atuação  local. No mínimo, as entidades devem ter uma atuação regional;

7. E por fim, a Constituição Federal garante a transparência das gestões, o que requer sessões públicas e transmitidas por mídia eletrônica para possibilitar a todos os cantos do RS a assistência às sessões do CEC.

Esses são alguns pontos levantados que considero importantes para um longo debate acerca do tema. Debatidos com artistas, gestores, produtores culturais em vários momentos. A construção democrática supõe a escuta, a troca, a concertação. Para que avancemos como uma  democracia verdadeira.

(*) Conselheira Municipal de Cultura de Porto Alegre, professora e gestora cultural, representante do Ministério da Cultura na Região Sul de 2005 a 2010.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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