Opinião
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10 de novembro de 2021
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17:12

Inflação dos combustíveis no Brasil é uma opção política (por Maurício Andrade Weiss)

Alta foi puxada pelo aumento da gasolina | Foto: Roberto Parizotti
Alta foi puxada pelo aumento da gasolina | Foto: Roberto Parizotti

Maurício Andrade Weiss (*)

A alta na inflação é uma questão mundial e o aumento nos combustíveis é parte importante da explicação. No momento em que o mundo passava por forte restrição de movimentação – e até mesmo lockdown – em diversos países do hemisfério norte, certos contratos de futuros do petróleo chegaram a atingir patamares negativos e os preços do petróleo caíram vertiginosamente. Com isso, a Opep+ optou por reduzir a produção e mais recentemente mantém um plano de lento aumento de produção, com a justifica de temor de uma quarta onda, mesmo após pressões de importantes países para retomada da produção ao patamar pré-pandemia (Reuters).

 A retomada da atividade econômica acelerada na Ásia e posteriormente em outros países desenvolvidos, juntamente com redução de oferta de outras fontes de energia, como a eólica, em decorrência dos ventos fracos do verão europeu e tarefas de manutenção nas plantas russas e norueguesas de gás-natural, pressionou pelo aumento na demanda por petróleo. A combinação desses aspectos tem feito com que a produção global de petróleo venha aumentando em torno de seis vezes mais lenta que o aumento da demanda (AA Energy). 

Esses fatores refletiram na alta no preço do petróleo ao longo de 2021, em que o Petróleo Brent [1] inicia o ano cotado em US$ 51,09 e chega à cotação de US$ 86,4 em 25 de outubro, o que resultara em uma alta de 40,86%. A pressão sobre a Opep+ parece ter refletido apenas no início de novembro, quando em 04/11 a TV Al Arabiya anunciou que os sauditas chegarão a 10 milhões de barris diários em dezembro, retomando patamar pré-pandemia. Esse anúncio provocou uma queda na cotação de 1,77% no dia, fechando a US$ 80,54 (Reuters). Contudo, no último dia de referência do presente artigo, 05 de novembro, a cotação fechou em alta de 2,25%, fechando a US$ 82,35. Ou seja, não há ainda um movimento claro de queda na cotação do petróleo. 

Esse aumento na cotação do petróleo é repassado pela Petrobras para os preços dos combustíveis no país. Fazendo a análise para os três trimestres de 2021 com os mesmos trimestres de 2020 – período em que estão disponibilizados os dados do balanço da Petrobrás e que coincide com os últimos dados do IPCA divulgados pelo IBGE – o preço do Petróleo Brent subiu 65,9% e o preço de venda no Brasil subiu praticamente o mesmo montante: 65%, sendo praticado a 64,19 US$/bbl. Na mesma base de comparação, os preços dos derivados básicos em reais subiram 58%. 

Como é referido no próprio site da Petrobras, os preços praticados pela empresa seguem o preço da paridade de importação (PPI) [2] e os custos de extração do petróleo não definem os preços das refinarias, pois a empresa optou por seguir a lógica de preços da commodity (Petrobras). Ao se analisar o balanço da empresa, esses aspectos ficam evidenciados, pois o custo para exploração do petróleo (lifting cost) se reduziu quando medido em termos de dólar e quando não se considera a participação governamental, saindo de US$ 6,72 para US$ 6,56 o barril de óleo equivalente (boe). Fazendo um cálculo com base na taxa de câmbio média nos dois períodos, ter-se-ia uma leve alta, de R$ 34.98 para R$ 34.10. Ou seja, nada que justificasse a atual alta dos combustíveis. Ao se acrescentar a participação do governo há de fato um aumento, contudo, este varia justamente com a receita líquida da produção trimestral de óleo e gás (Massuda, Suslick e Lima) neste caso, saiu de US$ 12,62 para US$ 18,86.

Em termos de custo do refino, caiu tanto quando medido em dólar (-7,9%), quanto quando é medido em real (2,2%). A única alta significativa para o preço final da gasolina é o Etanol Anidro, o qual subiu 47,04% no ano quando cotado em real e 44,30% quando cotado em dólar. Contudo, além de representar apenas 27% da composição da gasolina tipo A, que é a comercializada nos postos, esta adição não afeta o preço da gasolina cuja realização se dá na Petrobras, pois ele é acrescentado na etapa de distribuição e revenda. 

Lógica semelhante vale para o gás natural, o qual também passa por problemas de descompasso entre oferta e demanda no mercado internacional, especialmente no europeu. Além dos fatos mencionados acima, ocorre a interrupção de oferta da Rússia para Alemanha e oferta para os países europeus como um todo em quantidade abaixo da demanda, que tem por trás a busca de apoio da Rússia para a operação do gasoduto Nordstream (Valor). Ademais, o gás natural também é um subproduto da exploração do petróleo. Ao se comparar o preço médio cobrado no terceiro trimestre de 2020 com o terceiro trimestre de 2021, medindo em dólar, observa-se uma alta de 39%.

A alta nos combustíveis é responsável pela maior pressão sobre a inflação do IPCA até setembro e muito provavelmente o mês de outubro registrará altas ainda maiores. Além de ter o maior peso na atual estrutura de ponderação do IPCA, 21,41%, possui efeitos indiretos importantes, já que o modal rodoviário em nossa malha de transportes responde por 82% quando se desconsiderados grãos e minérios (Jornal do Comércio). Outro efeito indireto é através dos impactos do gás natural sobre os fertilizantes, já que importantes insumos – como a amônia – o utilizam na produção. Em termos diretos no IPCA, a estratégia do PPI é observada pelo aumento do botijão de gás em 31,5% e principalmente pelos combustíveis, que chegaram a 42% [3].

Um dos argumentos recorrentes quando não se acompanha mais de perto a evolução da capacidade exploratória e de refino da Petrobras é que nossas refinarias não são capazes de refinar o petróleo nacional e, em decorrência, teríamos que importar petróleo leve e exportar a produção local. Isso até já foi verdade em parte, mas como a própria empresa explicou em nota: “… atualmente 94% do petróleo refinado nas refinarias da Petrobras tem origem nacional. Cabe destacar que a produção do pré-sal já corresponde a 68% do petróleo produzido no país. Não há qualquer dificuldade para refino do petróleo do pré-sal no Brasil”. Ou seja, o custo da exploração e do refino caiu e a Petrobrás utiliza 94% do petróleo de origem nacional. 

Mais uma vez fica evidenciado que o principal fator da inflação no país se deve a uma mera decisão política em se adotar o PPI. Então, poder-se-ia justificar que seria importante essa estratégia para manter a saúde financeira da empresa e aumentar os investimentos, como os tão necessários em P&D. No acumulado dos três primeiros trimestres de 2021, a empresa obteve o lucro líquido de R$ 75.164 mi, dos quais, como detalhou o Prof. Eduardo Costa Pinto (IE-UFRJ e INEEP), em torno de R$ 63 bi foram distribuídos, sendo que 25,6 bi foram destinados para investidores não residentes, R$14,3 bi para investidores residentes e “apenas” R$ 23,2 bi para o governo federal junto com o BNDESPar e BNDES. Isto é, o lucro é majoritariamente distribuído.

Ao se comparar o investimento em P&D em dólar realizado nos três primeiros trimestres de 2013 e 2014 com os três primeiros de 2021, observa-se uma significativa queda, saindo de US$ 882 bi e US$ 812 bi, respectivamente, para apenas US$ 414 bi em 2021. Em termos de percentual investido em relação ao lucro líquido antes dos impostos, tem-se respectivamente nos três anos: 10,73%, 34,39% e apenas 2,04%. Esse tipo de investimento é fundamental por vários motivos. Gastos em P&D envolvem outros setores da sociedade e costumam ter potencial de gerar externalidades positivas significativas, inclusive em termos de energias renováveis. Ademais, a exploração do pré-sal e os aprimoramentos das refinarias foram essenciais para a rentabilidade da empresa. 

Desde o impeachment contra a Presidenta Dilma e a implementação do projeto “Ponte Para o Futuro”, motivo principal para o golpe, tem predominado a lógica de maximização do valor acionário (ver artigo Financeirização e a liquidação da CEITEC) em que se prioriza além de maior distribuição de lucro para os acionistas, as estratégias de desinvestimento da Petrobrás, principalmente através de suas subsidiárias, manobra facilitada pelo STF em que não se faz mais necessária a aprovação pelo congresso.

O plano em curso prevê a privatização de 8 de suas 13 refinarias, tendo como meta a redução para 50% da participação na capacidade de refino do país. E esse projeto, além de visar apenas a privatização e não a ampliação da capacidade de refino, têm sido feito por meio de negociações no mínimo obscuras, como é o caso da venda abaixo do valor de mercado, a exemplo da refinaria Isaac Sabbá ao grupo Atem, por 70% do seu valor real e da Refinaria Landulfo Alves vendida a um grupo árabe por menos da metade do seu valor (ver RBA). 

Atualmente a Petrobrás é responsável por 80% da oferta de combustíveis no Brasil e o patamar poderia ser superior, pois ela tem reduzido a utilização das suas refinarias da média histórica de 94% para apenas 70%. O que fica implícito (quase explícito) em toda essa questão que envolve o PPI não é apenas a rentabilidade para o acionista da Petrobras, mas também a possibilidade de que o setor privado consiga ser competitivo em relação à Petrobras (acreditem, não há mais monopólio desde 2002!). Já que o custo de exploração, do refino, e a presença de mercado decorrente de décadas de investimento e “sacrifício” da população a levou a este patamar de maior competitividade. 

Sobre o último aspecto, cabe ressaltar o investimento no pré-sal, algo que nenhuma companhia no mundo ousou realizar e, que se a estratégia atual estivesse vigente há mais tempo, muito provavelmente não teríamos a capacidade de exploração do pré-sal. O petróleo explorado lá, além de ser passível de refino no Brasil, tem um custo baixíssimo de exploração, 4,39 (US$/boe) contra 13,35 (US$/boe) de terra e águas rasas. O setor privado como não se sente confortável a realizar projetos de elevado risco e retorno de longo prazo, deseja participar desse setor ainda lucrativo de forma mais tranquila, por meio da privatização parcial a patamares abaixo do mercado, até que a sonhada privatização completa, também desejada pelo Presidente Bolsonaro, seja concretizada. 

Essa é uma lógica que se aproxima muito ao caso da liquidação da CEITEC. Como tratei no artigo supracitado, não faz sentido renunciar a uma empresa com o seu potencial e em um dos setores mais estratégicos do mundo, cuja escassez tem provocado paralização em diversas cadeias produtivas, como a dos automóveis. Como não faz sentido nem na perspectiva financeira, dado os sunk costs, não conseguia compreender a lógica de sua liquidação. Contudo, a partir do debate em audiência pública realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, ficou claro que a lógica da liquidação objetiva enfraquecer e posteriormente fatiar a empresa para vender ao setor privado (ver reportagem do Capital Digital), que, assim como no caso da Petrobras, visa obter alta rentabilidade sem os devidos riscos e lento retorno [4]

O que deve ficar claro ao leitor, então, é que o preço caro do botijão, da gasolina, e do diesel, que por sua vez possui impacto multiplicado para toda a economia, é meramente uma escolha política do poder econômico do país e que se reflete no atual governo, mas que vem desde o Governo Temer. Essa política visa aumentar a distribuição do lucro para os acionistas da Petrobras e, principalmente, possibilitar que o setor privado consiga ser competitivo no país. Ou seja, é uma forçada abertura de mercado, a custa de toda a população e do futuro do país. 

Notas

[1] Cotações do Petróleo Brent são o preço referencial para janeiro de 2022, a principal referência para a cotação internacional do petróleo e para a Petrobrás. Os preços foram retirados do site Investig.com.  

[2] Preço de paridade de importação inclui o valor do produto no mercado internacional acrescido do frete marítimo de longo curso e despesas de internação. Ainda há a influência da taxa de câmbio sobre os fatores dados em dólares (Petrobrás).

[3] Na atualização mais recente a gasolina acumula alta de 49,6% e o diesel 48,05% nos postos, já nas refinarias ultrapassam os 65% e 70%, respectivamente. 

 [4] Isso é um retrato que se repete nas privatizações do atual governo federal (Eletrobrás, Correios etc.) e gaúcho (Banrisul, Sulgás entre outras).

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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