Opinião
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2 de setembro de 2021
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10:19

Marco temporal: tese genocida (por Roberto Liebgott)

Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real
Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

Roberto Liebgott (*)

O direito indígena à terra tradicionalmente ocupada é imemorial e imprescritível. A terra é mãe, é parte constitutiva do ser indígena. Mas a violência colonial apartou alguns povos e comunidades desse direito natural.

Há um marco temporal para o direito à vida e para o direito de sermos aquilo que somos?

O Marco Temporal é uma tese genocida!

Esgota o tempo daqueles e daquelas que vivem sob o perigo do agressor, dia e noite. Esgota o tempo daqueles e daquelas que estão sem abrigo, ao relento, nas margens, entre o asfalto e as cercas das fazendas.

Esgota o tempo daqueles e daquelas sem água potavel, sem saneamento básico, sem atendimento adequado em saúde. Esgota o tempo daqueles e daquelas sem proteção social, que subsistem sob lonas pretas, enfrentando a chuva, o frio ou sol escaldante.

Esgota o tempo daqueles e daquelas que não dormem sossegados, sob o medo das rodovias, dos caminhões, das carretas, dos veículos desgovernados a colidirem com seus barracos.

Esgota o tempo e as possibilidades de recobrar seu espaço para aqueles e aquelas que vivem sem terra, sem ambiente de alegria, lazer e prazer. Esgota o tempo daqueles e daquelas que não tem um lugar para se banhar ou água para cozinhar os alimentos.

Esgota o tempo daqueles e daquelas que não tem espaço para produzir alimentos, para quem a comida dependerá da chegada de cestas básicas. Esgota o tempo daqueles e daquelas que, expulsos de suas terras tradicionais e impedidos de nelas transitar, não vivem, apenas sobrevivem.

O marco temporal é mais uma anomalia jurídica e política, criada e empregada pelos novos colonizadores, no sentido de afrontar os direitos dos originários habitantes do país.

O marco temporal é ferramenta genocida dos colonizadores, de quem não se espera piedade, diálogo, discernimento, muito menos negociação, pois, ao que parece, pretendem a usurpação.

Mas há a resistência, a força viva das comunidades e povos, as forças espirituais e políticas que se aglutinam numa mobilização transformadora.

Os povos originários estão em todos os lugares, respirando, ritualizando, lutando, expondo-se, movendo-se, autônomos convictos, sujeitos de direitos.

Não ao marco temporal!

Sim à vida!

Demarcação já!

(*) Coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Sul.

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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